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domingo, 17 de junho de 2012

UM ACERTO DE CONTAS COM A HISTÓRIA

 
Wescley Rodrigues com Antonio Vilela

No último dia 12 de junho, na cidade de Mossoró – RN, durante o XIV Fórum do Cangaço, foi lançado o livro: “A outra face do cangaço: vida e morte de um praça”, escrito pelo pernambucano de Garanhuns, Antonio Vilela de Souza, um entusiasta dos estudos do cangaço e perseguidor dos relatos pertinentes a essa temática.

A obra versa sobre a vida do soldado da Força Volante alagoana, Adrião Pedro  de  Souza, nascido em 1 de março de 1915 e falecido no dia 28 de julho de 1938, na Grota do Angico. Adrião foi o único soldado morto por ocasião do ataque que resultou no extermínio do cangaceiro Lampião, sua companheira Maria Bonita e mais nove cangaceiros.

A princípio parece ser mais um livro  sobre o cangaço, mas é interessante  perguntarmos: “Qual o diferencial da obra?”. Vilela trouxe a tona à história desse soldado que simplesmente, por longos anos, foi esquecido por aqueles que contaram a história do cangaço.

Fica a questão: “Mas por que isso aconteceu, haja vista a história ser quase sempre contada pela ótica dos vencedores?”.  Aí  está o ponto crucial do trabalho de Vilela. Partindo dessa interrogação pulsante, do por que do total extermínio do nome de Adrião dos “anais oficiais da história do cangaço”, ele levanta conjecturas e hipóteses interessantes e por vezes polêmicas. Mexe com feridas até hoje problemáticas quando se fala em cangaço.

No bojo da obra o autor retoma a questão da amizade de João Bezerra, comandante da força de extermínio de 1938, e Lampião; trazendo  depoimentos os quais corroboram na apresentação de João Bezerra como um  “coiteiro” de Lampião e fornecedor afinco de munição. Para boa parte das afirmativas da sua obra Vilela baseou-se nos depoimentos dos ex-volantes Sargento Elias Marques e o Sargento Antonio Vieira.

 Paulo Gastão apresentando o livro de Vilela

O bombástico do trabalho gira em torno da questão de ter sido Adrião morto pelo tenente João Bezerra, o qual tinha uma divergência com o soldado por compartilharem o desejo  pela mesma mulher, Maria Lyra.  Além  do mais, no depoimento do Sargento Elias Marques, ele afirmou ter ocorrido um desentendimento entre Adrião e Bezerra, devido o primeiro ter levantado suspeitas da amizade entre Bezerra e Lampião.

A obra de Vilela tem muitas minúcias que merecem maior questionamentos, uma maior reflexão, sendo um livro que serve de trampolim para um enveredar mais consistente nas questões propostas pelo autor. Tendo a obra um caráter narrativo biográfico, Vilela leva-nos a refletir, mediante a apresentação de sua documentação, se teria sido realmente João Bezerra o responsável pelo assassinato de Adrião. Fica a questão...

O livro é ousado.  Uma  crítica que levanto é a questão da perseguição do autor em tentar apresentar Adrião como um herói e os cangaceiros como bandidos. Acredito não ser esse o caminho. Adrião morreu cumprindo o seu trabalho, no entanto, isso não o qualificaria como herói no último patamar.  Evidente  ter sido o soldado injustiçado pela história, principalmente  por João Bezerra que colocou em Angico uma cruz homenageando os cangaceiros mortos, mas esqueceu do seu colega de armas.

Tirando  essa exacerbação da heroicidade de Adrião, fica a título de sugestão para  a próxima edição, um maior aprofundamento sobre a relação de João Bezerra e Adrião e o primeiro e Lampião. Isso seria uma grande contribuição para os estudos do cangaço.

Como conclui o autor: “O bravo soldado Adrião Pedro de Souza, teve duas mortes: a do fogo amigo  – morto  por um companheiro de farda; e a do esquecimento  – pelo injustificável [...] esquecimento histórico” (SOUZA, 2012, p. 58).

 Lançamento do livro de Vilela – Mossoró/RN - Adryanna Karla, Wescley Rodrigues, Múcio Procópio, Vilela e Luzia Paiva

O revisitar a história, por vezes, nos permite se redimir com esta, fazendo justiça aos silêncios, lacunas e esquecidos do tempo. Os novos olhares sobre Angico vêm como luzes profícuas e elucidações de um capítulo conturbado e mal entendido dos estudos do cangaço. Parabéns a Vilela, pela determinação e coragem.

Prof. Ms. Wescley Rodrigues
Sócio da SBEC
Sousa – PB

Enviado pelo Professor e Pesquisador do Cangaço:
 Wescley Rodrigues

Homenagem ao "Blog do Mendes e Mendes"

Por: Marcos Costa
Marcos Costa

Amigo José Mendes:

 Uma homenagem a sua dedicação e atenção ao seu blog do Mendes & Mendes...,
amigo virtual que acompanha o meu Blog: "Da Cost@ e eu o dele.
 

Um abraço, Mendes...

 Grande abraço daqui do Rio de Janeiro.

Marcos Costa.



Envi@do pelo @rtist@ M@rcos Cost@

Rio de Janeiro - RJ

UM DIA DE REFLEXÕES

Por: José Mendes Pereira

Estávamos vivendo o ano de 1938. O dia era 27, e o mês que corria no calendário da humanidade era Julho.

A Grota de Angico, em Poço Redondo, no Estado de Sergipe, honradamente havia se preparado para receber a famosa “Empresa de Cangaceiros Lampiônica & Cia”, principalmente para acolher o casal mais poderoso e respeitado de todos os tempos, Lampião, e sua rainha Maria Bonita.


Naquele lugar o rei sentia-se protegido e aliviado dos constantes ataques praticados pelos seus perseguidores. Não era necessário está com lunetas às mãos, espionando quem atrevidamente poderia invadir o seu amado reino.

O momento era de descanso, estruturar o que mais lhe interessava, fazer reuniões com os seus comandados; bater forte em quem não lhe estava obedecendo, cobrar dos subgrupos a sua participação nos assaltos: conga, meia, terça ou outra coisa parecida, sobre os valores que os cangaceiros adquiriam nos furtos. Em hipótese alguma o rei admitia que um dos seus comandados tentasse ludibriá-lo com migalhas do percentual que lhe pertencia, pois era um direito seu, a sua participação nos valores que os cangaceiros tomavam de quem quer que fosse. Aquele que por ventura pagasse-lhe menos do percentual combinado sobre o furto feito, e se chegasse ao seu conhecimento, já sabia muito bem o que poderia lhe acontecer. O melhor seria pagar-lhe sem a tentativa de enganá-lo.

Balançando-se em uma velha e suja rede sob sua improvisada "Central Administrativa", Lampião se considerava o homem mais admirado do nordeste brasileiro. E ninguém se atrevia em dizer que não. E a Grota de Angico, exageradamente abria um sorriso largo e franco, orgulhando-se de ter sido escolhida pelo rei e a rainha do cangaço para acomodar a sua empresa de cangaceiros, dando-lhes apoio durante alguns dias de Julho, ou ainda alguns do mês de Agosto. Tinha liberado tudo para aquela cangaceirada. Água limpa que corria nas vertentes da Grota. Um ar puro e gostoso que vinha do nascente sem nenhuma poluição. Um solo rico e avantajado espaço. Tudo isso, em especial, dedicado ao homem que um dia, o fazendeiro

O fazendeiro Zé Saturnino

Zé Saturnino, que Lampião o acusava de ser o principal culpado dos desaparecimentos de cabras do seu rebanho, não querendo assumir o roubo, Zé Saturnino partiu para uma perseguição aos Ferreiras. O pai de Lampião sendo um homem do bem, fugiu para as terras Alagoanas, deixando tudo para traz: casa, propriedade e muitos sonhos que pretendia realizá-los.
    
Tenente Zé Lucena

Lampião não tinha  certeza, mas acreditava que o pai, José Ferrera da Silva, fora assassinado pelo Tenente Zé Lucena, incentivado pelo fazendeiro Zé Saturnino. 

Mas mesmo tendo sido odiado pelos seus opositores, a Grota de Angico garantia-lhe que ali ninguém seria capaz de tirar-lhe a tranquilidade, e estava a vigiá-lo dia e noite, como se fosse através de enormes câmeras.    

Durante o dia 27, na Grota, a rainha  estava graciosa, bonita como sempre, com cabelos cortados, traje a rigor, toda enfeitada com ouro e outros que costumeiramente ela gostava de usar. Naquele coito a felicidade estava presente, tanto para o casal de rei como para todos os facínoras.

 Maria Bonita

Maria Bonita passou o dia no meio da cangaceirada, lá na Grota, proseando com um e com outro. O cangaceiro Juriti foi o mais solicitado nas prosas que Maria dirigia. Em um momento, Maria dirigiu suas palavras graciosas ao cangaceiro Balão, Mas o rei Lampião lhe fez uma advertência: “- Cuidado com essas prosas para depois não se zangar”.

A cangaceira Sila

Enquanto Maria se divertia com os seus comandados, a  cangaceira Sila costurava uma roupa para o futuro integrante do bando, o José Ferreira da Silva, filho de  Virtuosa, irmã de Lampião.


José -  Sobrinho de Lampião - Acervo - Ivanildo Alves da Silveira

Mas mesma feliz, Maria Bonita lembrava-se dos velhos tempos quando vivia na sua terra natal, Malhada da Caiçara.  Queria que chegasse o dia em que ela pudesse caminhar livre em busca da velha e saudosa morada e dizer para mãe: “- Perdoe-me mãe, eu errei, mas estou de volta aos seus braços”.

A mãe ao vê-la aproximando-se de casa, corria para abraçá-la e dizia: “-Felizmente filha, voltasse para a companhia da mamãe”.

Em um momento, Maria Bonita via no seu “eu” o velho e sofrido pai, José Gomes, com trajes de camponês, caminhando na sua pequena propriedade, cultivando, cuidando dos animais, apanhando algodão, consertando cercas, algibeiras... De repente Maria viu toda irmandade de uma só vez, passeando pelas redondezas onde fora criada. E sem muita demora, viu a mãe, lá na cozinha, cuidando do almoço, atiçando e abanando um girau que servia como fogo a lenha. Em seguida, a mãe foi se sentar na saída da porta da cozinha com o olhar em direção à caatinga. E sem menos esperar, Maria viu e ouviu a voz da mãe chamando-a: “- Por onde andas minha querida filha! Que sina! Você já comeu hoje, ou está faminta? Que tamanha infelicidade você trouxe quando veio ao mundo, minha filha!” 

Nesse momento de suas reflexões, Maria ouviu o pisar de alguém. Era José Gomes que retornava da luta com uma enxada sobre os ombros. E vendo a esposa conversando sozinha, interrogou-lhe:  

- Estás conversando sozinha, Maria?

- Estou meu velho! Estou! Lembrando-me da nossa filha Maria. Embrenhada nas matas sem a gente saber como será o seu futuro. Será que estará viva amanhã ou não?

- Seja o que Deus quiser Maria! Isto  já entreguei a Deus todo Poderoso. - Respondeu-lhe José Gomes com as lágrimas escorrendo sobre o rosto.

Ao ver as lágrimas do marido escorrendo sobre a face seca e a pele ressecada, Maria Déia não se aguentou, caindo em pranto. 

De repente Maria Bonita desistiu de pensar. Seriam mais sofrimentos, além do que já passava na caatinga. E caminhou para sua ‘Central Administrativa” ao encontro do rei, que naquele momento estava alimentando o seu vício com um cigarro grosso e fedorento, feito com fumo de cordas. Ao chegar, não resistindo o que vira no seu pensamento, propôs-lhe:

- Virgulino, nós devíamos deixar esta vida. Vida de sofrimento basta! Que bom que nós fôssemos embora desta terra, longe de Pernambuco, Sergipe, Alagoas, Bahia, Paraíba e procurarmos outra que possa nos oferecer tranquilidade sem essas atribulações que vivemos.

Lampião que descansava sobre sua bagagem em sua Central Administrativa, virando para Maria, calmamente respondeu-lhe:

- Santinha, nunca deixarei de ser cangaceiro. Se a minha sina é esta, vou com ela até morrer.

Maria impressionada com o que havia visto no seu pensamento, insistiu dizendo-lhe:

- Essa nossa vida poderá mudar para melhor. É só Virgulino, você querer.

- Chega Maria, chega de tanta insistência! Atalhou Lampião com muita autoridade. - Não me fale mais nisso.

Maria calou-se, apenas cuidadosamente disse-lhe:

- Está certo meu velho. Está certo. Você falou está falado.

À tardinha Maria Bonita retornou ao coito, e desta vez acompanhada do rei, que pretendia fazer uma reunião com os seus comandados. Antes da reunião com a cangaceirada, Lampião iria se encontrar com um dos seus antigos inimigos fazendeiros. Avisado que o fazendeiro já se encontrava no lugar combinado, Lampião vai ao seu encontro. Ninguém participou e nem tão pouco soube o que se tratava o assunto entre o rei e o fazendeiro. Terminada a reunião de ambos, Lampião retornou ao coito para explanar aos seus comandados o que estava pensando.


O coiteiro Mané Félix que era de grande confiança de Lampião e de todo bando, assistia tudo de camarote. Mas não se envolvia em assuntos administrativos. Conversas do bando eram do bando. O seu envolvimento naquele coito era fazer compras para toda cangaceirada e mais nada.

- Seu capitão, o que o senhor mandou comprar eu trouxe quase nada, pois Piranhas estava cheia de policiais. Cada passo que eu dava eles me seguiam.

E estirando a mão em direção ao rei, disse-lhe:

- Aqui está o restante do dinheiro que não foi usado.

- Quanto às mercadorias que faltaram Mané Félix, não há problema. Nós ainda temos uma porção de alimentos, que com certeza dará para o resto da noite de hoje, e possivelmente para amanhã. – Disse-lhe Lampião ao coiteiro sem se estressar. 

Lampião mostrava-se bem disposto, e como o seu cinturão estava estragado, levou a proposta para uma possível troca com o coiteiro: 

- Mané Félix, o meu cinturão como o senhor sabe, devido o tempo que eu passo na caatinga, infelizmente o sol forte ressecou-o. Dá para você me emprestar o seu?  Quando eu lhe mandar novamente à Piranhas para fazer compras, eu te darei o dinheiro para comprar um para você.

- Sem dúvida capitão! Sem dúvida! Pelo Senhor eu faço o que for possível.

Antes da reunião Maria Bonita convidou Sila para irem se sentar sobre uma pedra ao lado do coito. A sua intenção era fumar, pois guardava este respeito desde que havia entrado no bando de cangaceiros, e jamais havia fumado diante do seu amado rei. E lá ela confidenciou à Sila, que à tarde tinha convidado Lampião para abandonarem aquela vida de sofrimento, mas ele não aceitou, dizendo-lhe que jamais voltaria a ser um homem do bem.

Enquanto permaneciam sobre a pedra, Sila viu um clarear de luzes em direção a Grota. Incomodada com o que vira, vira-se para Maria Bonita e diz:

- Maria, olha ali, um clarear em nossa frente! Será que o nosso coito está sendo vigiado?

Maria que no momento o que mais lhe interessava era fumar, responde-lhe dizendo:

- Nada mulher, ali são vagalumes! Como vez por outra cai uma chuvinha na Grota, os vagalumes saíram para enfeitar a noite.

Convencida de que era vagalumes, Sila acalmou-se, e a conversa continuou entre elas.

Lá no coito, mesmo sabendo que Maria tinha ido fumar, Lampião a aguardava para dar início à reunião. Mas elas não se demoraram. Maria já satisfeita com belos tragos que dera, resolveu chamar a Sila e seguiram até o coito para esperarem pela reunião.

Ao chegarem, Maria aproximou-se do coiteiro Mané Félix e perguntou-lhe:

- Seu Mané Félix, como está a sua casa, os seus filhos estão se alimentando todos os dias?

- Lá em casa está tudo bem, dona Maria.  Claro que melhor seria se melhor fosse. Mas com os meus trabalhos que faço na minha humilde propriedadezinha, e que mensalmente formam uma quantia valorosa, mais essa gratificação que o capitão Lampião me dá como gorjetas do serviço que presto a ele, minha família e eu estamos passando muito bem. Graças ao grande Deus! – respondeu-lhe de mãos póstumas e quase se ajoelhando.

Às seis horas da noite, do mesmo dia, Mané Félix já está prontinho para retornar para casa. Lampião o chama e diz:

- Amanhã, Mané Félix, madrugue, pois nós precisamos viajar. Eu tenho uma conta para receber na Fazenda Filomena, e a viagem é pesada. Se o senhor madrugar ao nosso coito, partiremos cedinho e com certeza não demoraremos a chegar aqui.

- Com certeza, capitão! Com certeza! Acho que vou apenas cochilar um pouquinho para não perder a madrugada.

Em seguida montou-se no seu cansado animal e despediu-se de todos, dizendo-lhes

- Adeus meus amigos, até a madrugada que vem! Se Deus quiser!

- Adeus! - respondeu a cangaceirada em couro.

Após o jantar, Lampião convocou a cangaceirada para a tal reunião. Todos estavam atentos às palavras do comandante. Ninguém ali se atrevia em contrariar o que o dono da grande empresa de cangaceiros dizia.

- Quero comunicar aos senhores que estou pensando de abandonar estas terras do Nordeste. Quero ir para Minas, onde lá ninguém me conhece. Em cada Estado que chegamos, somos recebidos com balas. E lá, será diferente. Aquele que quiser me acompanhar, que me acompanhe. Mas aquele que não quiser ir comigo, pode ficar, eu não ficarei com raiva, porque a viagem é longa, sofrida e...

O cangaceiro Candeeiro, que no bando era encarregado de levar bilhetes até as vítimas de Lampião, resolveu  interromper dizendo-lhe:

- Mas capitão, tanto faz aqui como em Minas. Mesmo que lá não tenha macacos para nos perseguir, os daqui vão para lá.

A reunião continuou sem que houvesse discussão, afinal, o momento era achar uma maneira de se livrarem das volantes do Nordeste.

Confiante da tranquilidade que oferecia aquela Grota, nessa noite Lampião dispensou sentinelas. Não era preciso, já que ali seria muito difícil alguém enfrentar para bagunçar o seu reinado. 

E lá a tranquilidade estava reinando num silêncio total. Apenas dois ou três cangaceiros ainda disputavam ganhar no jogo alguns trocados de outros, mas vozeando baixinho, pois o rei e a rainha precisavam descansar.

Lá pras tantas todos estavam em suas tocaias. Nenhuma voz soava no coito. Lampião e a rainha há tempo que dormiam tranquilamente na excelente e bem organizada Central administrativa.

O dia 28 de Julho, o sol nasceu entre nuvens, não muito escuras, porque o tempo não era mais de inverno, apenas algumas delas tentavam molhar aquelas sofridas terras sertanejas. A cangaceirada, mesma sonolenta, dá sinal à Grota que estava viva.

Lampião anuncia que já estava na hora do ofício, cujo, mesmo sendo facínora, era rezado por ele. Ali se reuniram e Lampião iniciou sua prece, para que Deus os acompanhasse nas suas andanças. Terminado o ofício, Lampião incumbiu o cangaceiro Amoroso ir até a cacimba apanhar água para o preparo do café.

A Grota de Angico, lamentavelmente estava triste. Sabia que em seus arredores uma porção de perseguidores dos seus hóspedes, havia passado a noite vigiando-os.

Mas não demorou muito para que ocorresse um dos maiores e violentos ataques aos cangaceiros. Por todos os lugares existiam perseguidores tentando um lugar seguro para  a invasão do coito do rei Lampião.

Os cangaceiros estavam confiantes, que mesmo depois do ofício, não apanharam as suas armas para um possível derramamento de sangue. E logo uma rajada de balas foi iniciada. Os tiros surgiam por todos os lados.

Lampião foi o primeiro a se despedir de sua empresa de cangaceiros. Caiu já prontinho, como um pássaro. Em seguida, a rainha foi baleada. Lentamente ela saiu andando, tentando escapar. Escondeu-se sob uma pedra. Mas Maria Bonita não levou sorte. Os maldosos seguiram os seus passos. Maria solicitou proteção de vida, mas foi inútil. “- Pelo o amor de Deus, não me matem!”

E logo uma facãosada rolou o seu lindo pescoço, O sangue saia do corpo como água que sai de uma mangueira. A Grota de Angico jamais havia presenciado tamanha maldade contra os homens de Deus. O tiroteio era assustador. A maioria foi tentando lugar para sair são e vivo.

O cangaceiro Candeeiro

O cangaceiro Candeeiro, no tiroteio, foi baleado. Alguns tentam levá-lo de qualquer jeito. A chacina durou 20 minutos, mais ou menos. Um silêncio foi feito. Ninguém mais atirava. O que era de árvores estavam todas descascadas de cima abaixo, derramando um líquido grosso e liguento. Uma Nuvem de fumaça saída das metalhadoras cobriu a Grota de Angico  Os perseguidores, todos parados, esperavam o momento certo para a invasão das riquezas dos cangaceiros, pois ainda temiam um possível ataque dos cangaceiros. Lá na Grota morreram: Maria Bonita, Lampião, nove cangaceiros e um policial da volante, Adrião.

Finalmente, o homem que foi considerado mais famoso do Nordeste Brasileiro, estava morto. Fez tantas maldades, talvez, não sei, mas também fez algo de bom para muitos sofridos sertanejos.

Palavras de Kydelmir Dantas

Herói ou bandido? É uma pergunta recorrente. Analisando com calma... Lampião foi herói pros seus amigos e o é pros seus admiradores. Bandido pros seus inimigos e para Estado. Hoje, um mito na História do Nordeste.

Kydelmir Dantas

Este trabalho foi baseado no artigo do jornalista Juarez Conrado


Também algumas informações do cineasta  e pesquisador do cangaço: Aderbal Nogueira

O MOSTEIRO (Crônica)

Por: Rangel Alves da Costa(*)
Rangel Alves da Costa

O MOSTEIRO 
                                        
Um misterioso e antigo manuscrito, algo parecido com um códice já sem idade, despencou da parte mais alta da estante na biblioteca de aspecto medieval, agora visitada por traças. Ao tocar no piso levantou poeira secular e fez um tremendo barulho, ecoando pelas vastidões solitárias do mosteiro.

Ninguém surgiu nas portas, corredores ou cubículos secretos para ver o que era ou que tinha acontecido. Tanto barulho e nenhum ouvido atento, preocupado. Ao cair, o velho manuscrito abriu-se e deixou estampado, com letras magistralmente desenhadas uma a uma, ainda legíveis pelo cuidadoso trabalho dos monges copistas. E mostrava:

“Sobre a terra, abaixo do céu, em qualquer lugar que houver o passo também haverá o pó, onde houver a fé também haverá a descrença, onde houver o templo também haverá o nada, onde houver o mistério também haverá o desvendamento, onde houver a demasiada pureza também haverá o pecado. Naqueles que pregam a pureza espiritual, e neste véu se escondem para os atos insanos e as perversões, restarão apenas a poeira que a ventania se absterá em soprar. E por ser assim nos mosteiros e nos demais templos sagrados um dia tornadas antros pecaminosos por pervertidos religiosos, desvirtuados na sua missão clerical, deixando de fazer cumprir, respeitar e venerar os ensinamentos, chegará um dia, quando este livro cair do seu esconderijo mais alto, que o olho do homem que quiser ver, encontrará aqui e espalhado pelos arredores, o cemitério da perdição...”.


Um dia, há muito tempo atrás, chegou até ali um mensageiro papal e logo estranhou toda aquela ambientação escurecida demais, com imensas dependências e corredores que mais pareciam labirintos tomados por olhos que se escondiam por todo lugar. Apenas uma ou outra chama crepitando ao longe, talvez apenas um sinal de que ali era um caminho levando em outra direção.

O mosteiro era imenso, construção feita em pedra e muitas vezes aproveitando das paredes das próprias rochas em cujas vizinhanças acabou sendo erguido. Diziam os historiadores que tudo havia sido levantado por religiosos desterrados até ali por causa dos crimes carnais que haviam cometido. Não somente padres e missionários, mas também gente do clero superior e até cardeais.

Para fugir das prisões medievais comuns e degradantes, jogados em poços enlameados, em cubículos gotejantes, e entregues à desgraça das doenças e humilhações de todo tipo, foram mandados para as distâncias áridas das montanhas desérticas. Ali tinham a missão de trabalhar para sobreviver e o ofício único oferecido era o talhar a rocha, abrir caminho nas pedras, levantar paredes e muros para o grande mosteiro.

E quais crimes haviam cometido para serem jogados naquele fim de mundo e para realizar trabalho tão penoso? Tudo que o religioso, um vocacionado não deveria fazer: o pecado da carne, a martirização pela carne, a dor e o prazer na carne, a volúpia, a tara, a fome sexual, a entrega absoluta e total aos prazeres da carne. Só que tudo escondido, tudo veladamente, fazendo parecer a cada um mais desatento que estava diante de um verdadeiro homem da igreja.

E como tais crimes eram cometidos? Ninguém sabe ao certo como as práticas pecaminosas ocorriam, eis que dentro das próprias igrejas, mosteiros, abadias e outras circunscrições religiosas, locais onde somente a própria igreja tinha jurisdição e poderia investigar. Até que um dia os buchichos ultrapassaram os muros e a parte mais conservadora do clero exigiu providências.

Mas sabe-se, por exemplo, da castidade convertida em homossexualismo, da solidão para a prece transformada em masoquismo, da abstinência convertida em ataques e estupros perante os jovens enviados até ali com intuito de inicialização religiosa, da circunspecção transformada em afetações afeminadas. Além do crime mais grave: aquele religioso que delatasse a prática do outro estaria com os dias contados. Amanhecia com páginas e mais páginas dos livros litúrgicos na boca, com terços amarrando as mãos para trás e uma imensa vela acesa saindo do ânus. E dizem que morriam felizes assim.


E naquele mosteiro abandonado não havia sido diferente. Quando o mensageiro papal adentrou, além da escuridão encontrou somente ruídos lamuriantes, lamentos cadenciados, sussurros longos e melancólicos. E toda porta que empurrava, nos escondidos dos quartos e salas ia encontrando novos e velhos parecendo em total insanidade.

Um jovem nu dava chibatadas num velho cardeal, dobrado sobre uma cadeira e tendo a vestimenta religiosa levantada até as costas; um cônego se masturbava com os olhos voltados para uma imagem sacra; um gorducho batia nas próprias costas, já marcada de lanhos, com terços e rosários contendo objetos pontiagudos; um vigário ancião era puxado à moda dos animais, com uma corda no pescoço, por um coroinha em completa nudez.

Após visões tão medonhas, dantescas e inimagináveis, o mensageiro nem pensou mais em procurar o superior do mosteiro. Temia encontrar o pior. Temia encontrar orgias e bestialidades. E correu para a porta de saída, indo parar somente muitos dias depois na sede maior da religiosidade. Após relatar abismado o que tinha visto, ouviu do Corregedor da Máxima Ordem Disciplinar da Religiosidade:

“Sua viagem foi longa. Certamente ao chegar lá pensou ter visto aquilo que verdadeiramente não viu. E o que viu, acaso viu, não tem importância alguma. Ninguém acreditaria num louco. E você está louco. Todo mundo sabe que você está louco”.

E em seguida, afeminadamente refrescando-se com um leque dourado, deu um gritinho chamando alguém para conduzir o insano até o hospício. Mas antes de ser conduzido amarrado, o mensageiro virou-se para o religioso e disse:

“Esta Igreja cairá como um templo em ruína. E a falsa fé que apregoam se tornará poeira que o vento cuidará de dar melhor destino. Ou a Pedra esmaga os infiéis ou tudo se repetirá secularmente. E a Igreja que dizem ser já não será mais. Basta olhar nas suas entranhas apodrecidas”.


Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

A face azul da lua (Poesia)

Por: Rangel Alve da Costa

A face azul da lua


A lua ilumina a noite
com o dourado de sua luz
também reluz na face
com um clarão prateado
mas quando quer apaixonar
reflete uma cor diferente
só avistada aos olhos
de quem quer enxergar

ontem mesmo vi essa cor
estava no silêncio da noite
escrevendo um poema
apenas uns versos de amor
rimando com o nome dela
mirando a solidão da rua
pensando na cor do amor
e vi a face azul da lua.


Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

A Odisseia dos Cangaceiros no Nordeste do Brasil





Virgulino Ferreira da Silva, Lampião, nasceu em 7.7.1897 no distrito de Vila Bela, atual cidade de Serra Talhada PE), terceiro filho de uma família de oito irmãos. Em 1915, por causa de uma briga com o vizinho de fazenda, começou uma rivalidade entre as duas famílias. Quatro anos depois, Virgulino e dois irmãos passaram a ser perseguidos pela polícia e toda a família abandonou a fazenda. Nessa fuga a mãe de Virgulino morreu e, num tiroteio, os policiais mataram o pai de Virgulino. O jovem Virgulino, então, jurou vingança.


"O seu luto, até a morte, iria ser o rifle, a cartucheira e os tiroteios."


Com dois irmãos, primos e amigos, Virgulino formou o seu bando, que variava de 30 a 100 homens, e passou a atacar fazendas e pequenas cidades em cinco Estados do Brasil, quase sempre a pé e às vezes montados a cavalo durante 20 anos, de 1918 a 1938.
Grande estrategista militar, Virgulino sempre saía vencedor nas lutas com a polícia, pois atacava sempre de surpresa e fugia para esconderijos no meio da caatinga, onde acampavam por vários dias até o próximo ataque.

Apesar de perseguido, Virgulino que já era conhecido como Lampião e seu bando, foram convocados para combater a Coluna Prestes, tendo o Governo Federal lhe fornecido fardas e fuzis automáticos e a patente de Capitão, pasando, a partir daí a ser chamado de Capitão Virgulino.

Esta foto foi feita quando Maria Bonita ainda era Maria Déia

Em 1929, conheceu Maria Déa, a Maria Bonita, casada, que com 19 anos declarou-se apaixonada há muito tempo pelo Capitão Virgulino. Pediu para acompanhá-lo no que concordou Lampião.

Em 1930 o governo baiano ofereceu 50 contos de réis pela captura de Lampião, dinheiro suficiente para comprar seis carros de luxo.
Lampião morreu no dia 28 de julho de 1938, na Fazenda Angico, em Sergipe. Os trinta homens e cinco mulheres que compunham o bando naquela ocasião estavam começando a se levantar, quando foram vítimas de uma emboscada promovida por uma tropa de 48 policiais do Estado de Alagoas, comandada pelo tenente João Bezerra, num rápido combate de 20 minutos. Os policiais com vantagem em armamentos mataram Lampião, Maria Bonita e nove cangaceiros que tiveram, após a morte, suas cabeças decepadas, tendo o restante do bando conseguido escapar. A atividade dos cangaceiros terminou em 1940, com a morte de Corisco, o "Diabo Loiro", o último sobrevivente do grupo comandado por Capitão Virgulino, o Lampião.