Por: José Mendes Pereira
Estávamos vivendo o ano de 1938. O dia era 27, e o mês que corria no calendário da humanidade era Julho.
A Grota de Angico, em Poço Redondo, no Estado de Sergipe, honradamente havia se preparado para receber a famosa “Empresa de Cangaceiros Lampiônica & Cia”, principalmente para acolher o casal mais poderoso e respeitado de todos os tempos, Lampião, e sua rainha Maria Bonita.
Naquele lugar o rei sentia-se protegido e aliviado dos constantes ataques praticados pelos seus perseguidores. Não era necessário está com lunetas às mãos, espionando quem atrevidamente poderia invadir o seu amado reino.
O momento era de descanso, estruturar o que mais lhe interessava, fazer reuniões com os seus comandados; bater forte em quem não lhe estava obedecendo, cobrar dos subgrupos a sua participação nos assaltos: conga, meia, terça ou outra coisa parecida, sobre os valores que os cangaceiros adquiriam nos furtos. Em hipótese alguma o rei admitia que um dos seus comandados tentasse ludibriá-lo com migalhas do percentual que lhe pertencia, pois era um direito seu, a sua participação nos valores que os cangaceiros tomavam de quem quer que fosse. Aquele que por ventura pagasse-lhe menos do percentual combinado sobre o furto feito, e se chegasse ao seu conhecimento, já sabia muito bem o que poderia lhe acontecer. O melhor seria pagar-lhe sem a tentativa de enganá-lo.
Balançando-se em uma velha e suja rede sob sua improvisada "Central Administrativa", Lampião se considerava o homem mais admirado do nordeste brasileiro. E ninguém se atrevia em dizer que não. E a Grota de Angico, exageradamente abria um sorriso largo e franco, orgulhando-se de ter sido escolhida pelo rei e a rainha do cangaço para acomodar a sua empresa de cangaceiros, dando-lhes apoio durante alguns dias de Julho, ou ainda alguns do mês de Agosto. Tinha liberado tudo para aquela cangaceirada. Água limpa que corria nas vertentes da Grota. Um ar puro e gostoso que vinha do nascente sem nenhuma poluição. Um solo rico e avantajado espaço. Tudo isso, em especial, dedicado ao homem que um dia, o fazendeiro
O fazendeiro Zé Saturnino
Zé Saturnino, que Lampião o acusava de ser o principal culpado dos desaparecimentos de cabras do seu rebanho, não querendo assumir o roubo, Zé Saturnino partiu para uma perseguição aos Ferreiras. O pai de Lampião sendo um homem do bem, fugiu para as terras Alagoanas, deixando tudo para traz: casa, propriedade e muitos sonhos que pretendia realizá-los.
Tenente Zé Lucena
Lampião não tinha certeza, mas acreditava que o pai, José Ferrera da Silva, fora assassinado pelo Tenente Zé Lucena, incentivado pelo fazendeiro Zé Saturnino.
Mas mesmo tendo sido odiado pelos seus opositores, a Grota de Angico garantia-lhe que ali ninguém seria capaz de tirar-lhe a tranquilidade, e estava a vigiá-lo dia e noite, como se fosse através de enormes câmeras.
Durante o dia 27, na Grota, a rainha estava graciosa, bonita como sempre, com cabelos cortados, traje a rigor, toda enfeitada com ouro e outros que costumeiramente ela gostava de usar. Naquele coito a felicidade estava presente, tanto para o casal de rei como para todos os facínoras.
Maria Bonita
Maria Bonita passou o dia no meio da cangaceirada, lá na Grota, proseando com um e com outro. O cangaceiro Juriti foi o mais solicitado nas prosas que Maria dirigia. Em um momento, Maria dirigiu suas palavras graciosas ao cangaceiro Balão, Mas o rei Lampião lhe fez uma advertência: “- Cuidado com essas prosas para depois não se zangar”.
A cangaceira Sila
Enquanto Maria se divertia com os seus comandados, a cangaceira Sila costurava uma roupa para o futuro integrante do bando, o José Ferreira da Silva, filho de Virtuosa, irmã de Lampião.
José - Sobrinho de Lampião - Acervo - Ivanildo Alves da Silveira
Mas mesma feliz, Maria Bonita lembrava-se dos velhos tempos quando vivia na sua terra natal, Malhada da Caiçara. Queria que chegasse o dia em que ela pudesse caminhar livre em busca da velha e saudosa morada e dizer para mãe: “- Perdoe-me mãe, eu errei, mas estou de volta aos seus braços”.
A mãe ao vê-la aproximando-se de casa, corria para abraçá-la e dizia: “-Felizmente filha, voltasse para a companhia da mamãe”.
Em um momento, Maria Bonita via no seu “eu” o velho e sofrido pai, José Gomes, com trajes de camponês, caminhando na sua pequena propriedade, cultivando, cuidando dos animais, apanhando algodão, consertando cercas, algibeiras... De repente Maria viu toda irmandade de uma só vez, passeando pelas redondezas onde fora criada. E sem muita demora, viu a mãe, lá na cozinha, cuidando do almoço, atiçando e abanando um girau que servia como fogo a lenha. Em seguida, a mãe foi se sentar na saída da porta da cozinha com o olhar em direção à caatinga. E sem menos esperar, Maria viu e ouviu a voz da mãe chamando-a: “- Por onde andas minha querida filha! Que sina! Você já comeu hoje, ou está faminta? Que tamanha infelicidade você trouxe quando veio ao mundo, minha filha!”
Nesse momento de suas reflexões, Maria ouviu o pisar de alguém. Era José Gomes que retornava da luta com uma enxada sobre os ombros. E vendo a esposa conversando sozinha, interrogou-lhe:
- Estás conversando sozinha, Maria?
- Estou meu velho! Estou! Lembrando-me da nossa filha Maria. Embrenhada nas matas sem a gente saber como será o seu futuro. Será que estará viva amanhã ou não?
- Seja o que Deus quiser Maria! Isto já entreguei a Deus todo Poderoso. - Respondeu-lhe José Gomes com as lágrimas escorrendo sobre o rosto.
Ao ver as lágrimas do marido escorrendo sobre a face seca e a pele ressecada, Maria Déia não se aguentou, caindo em pranto.
De repente Maria Bonita desistiu de pensar. Seriam mais sofrimentos, além do que já passava na caatinga. E caminhou para sua ‘Central Administrativa” ao encontro do rei, que naquele momento estava alimentando o seu vício com um cigarro grosso e fedorento, feito com fumo de cordas. Ao chegar, não resistindo o que vira no seu pensamento, propôs-lhe:
- Virgulino, nós devíamos deixar esta vida. Vida de sofrimento basta! Que bom que nós fôssemos embora desta terra, longe de Pernambuco, Sergipe, Alagoas, Bahia, Paraíba e procurarmos outra que possa nos oferecer tranquilidade sem essas atribulações que vivemos.
Lampião que descansava sobre sua bagagem em sua Central Administrativa, virando para Maria, calmamente respondeu-lhe:
- Santinha, nunca deixarei de ser cangaceiro. Se a minha sina é esta, vou com ela até morrer.
Maria impressionada com o que havia visto no seu pensamento, insistiu dizendo-lhe:
- Essa nossa vida poderá mudar para melhor. É só Virgulino, você querer.
- Chega Maria, chega de tanta insistência! Atalhou Lampião com muita autoridade. - Não me fale mais nisso.
Maria calou-se, apenas cuidadosamente disse-lhe:
- Está certo meu velho. Está certo. Você falou está falado.
À tardinha Maria Bonita retornou ao coito, e desta vez acompanhada do rei, que pretendia fazer uma reunião com os seus comandados. Antes da reunião com a cangaceirada, Lampião iria se encontrar com um dos seus antigos inimigos fazendeiros. Avisado que o fazendeiro já se encontrava no lugar combinado, Lampião vai ao seu encontro. Ninguém participou e nem tão pouco soube o que se tratava o assunto entre o rei e o fazendeiro. Terminada a reunião de ambos, Lampião retornou ao coito para explanar aos seus comandados o que estava pensando.
O coiteiro Mané Félix que era de grande confiança de Lampião e de todo bando, assistia tudo de camarote. Mas não se envolvia em assuntos administrativos. Conversas do bando eram do bando. O seu envolvimento naquele coito era fazer compras para toda cangaceirada e mais nada.
- Seu capitão, o que o senhor mandou comprar eu trouxe quase nada, pois Piranhas estava cheia de policiais. Cada passo que eu dava eles me seguiam.
E estirando a mão em direção ao rei, disse-lhe:
- Aqui está o restante do dinheiro que não foi usado.
- Quanto às mercadorias que faltaram Mané Félix, não há problema. Nós ainda temos uma porção de alimentos, que com certeza dará para o resto da noite de hoje, e possivelmente para amanhã. – Disse-lhe Lampião ao coiteiro sem se estressar.
Lampião mostrava-se bem disposto, e como o seu cinturão estava estragado, levou a proposta para uma possível troca com o coiteiro:
- Mané Félix, o meu cinturão como o senhor sabe, devido o tempo que eu passo na caatinga, infelizmente o sol forte ressecou-o. Dá para você me emprestar o seu? Quando eu lhe mandar novamente à Piranhas para fazer compras, eu te darei o dinheiro para comprar um para você.
- Sem dúvida capitão! Sem dúvida! Pelo Senhor eu faço o que for possível.
Antes da reunião Maria Bonita convidou Sila para irem se sentar sobre uma pedra ao lado do coito. A sua intenção era fumar, pois guardava este respeito desde que havia entrado no bando de cangaceiros, e jamais havia fumado diante do seu amado rei. E lá ela confidenciou à Sila, que à tarde tinha convidado Lampião para abandonarem aquela vida de sofrimento, mas ele não aceitou, dizendo-lhe que jamais voltaria a ser um homem do bem.
Enquanto permaneciam sobre a pedra, Sila viu um clarear de luzes em direção a Grota. Incomodada com o que vira, vira-se para Maria Bonita e diz:
- Maria, olha ali, um clarear em nossa frente! Será que o nosso coito está sendo vigiado?
Maria que no momento o que mais lhe interessava era fumar, responde-lhe dizendo:
- Nada mulher, ali são vagalumes! Como vez por outra cai uma chuvinha na Grota, os vagalumes saíram para enfeitar a noite.
Convencida de que era vagalumes, Sila acalmou-se, e a conversa continuou entre elas.
Lá no coito, mesmo sabendo que Maria tinha ido fumar, Lampião a aguardava para dar início à reunião. Mas elas não se demoraram. Maria já satisfeita com belos tragos que dera, resolveu chamar a Sila e seguiram até o coito para esperarem pela reunião.
Ao chegarem, Maria aproximou-se do coiteiro Mané Félix e perguntou-lhe:
- Seu Mané Félix, como está a sua casa, os seus filhos estão se alimentando todos os dias?
- Lá em casa está tudo bem, dona Maria. Claro que melhor seria se melhor fosse. Mas com os meus trabalhos que faço na minha humilde propriedadezinha, e que mensalmente formam uma quantia valorosa, mais essa gratificação que o capitão Lampião me dá como gorjetas do serviço que presto a ele, minha família e eu estamos passando muito bem. Graças ao grande Deus! – respondeu-lhe de mãos póstumas e quase se ajoelhando.
Às seis horas da noite, do mesmo dia, Mané Félix já está prontinho para retornar para casa. Lampião o chama e diz:
- Amanhã, Mané Félix, madrugue, pois nós precisamos viajar. Eu tenho uma conta para receber na Fazenda Filomena, e a viagem é pesada. Se o senhor madrugar ao nosso coito, partiremos cedinho e com certeza não demoraremos a chegar aqui.
- Com certeza, capitão! Com certeza! Acho que vou apenas cochilar um pouquinho para não perder a madrugada.
Em seguida montou-se no seu cansado animal e despediu-se de todos, dizendo-lhes
- Adeus meus amigos, até a madrugada que vem! Se Deus quiser!
- Adeus! - respondeu a cangaceirada em couro.
Após o jantar, Lampião convocou a cangaceirada para a tal reunião. Todos estavam atentos às palavras do comandante. Ninguém ali se atrevia em contrariar o que o dono da grande empresa de cangaceiros dizia.
- Quero comunicar aos senhores que estou pensando de abandonar estas terras do Nordeste. Quero ir para Minas, onde lá ninguém me conhece. Em cada Estado que chegamos, somos recebidos com balas. E lá, será diferente. Aquele que quiser me acompanhar, que me acompanhe. Mas aquele que não quiser ir comigo, pode ficar, eu não ficarei com raiva, porque a viagem é longa, sofrida e...
O cangaceiro Candeeiro, que no bando era encarregado de levar bilhetes até as vítimas de Lampião, resolveu interromper dizendo-lhe:
- Mas capitão, tanto faz aqui como em Minas. Mesmo que lá não tenha macacos para nos perseguir, os daqui vão para lá.
A reunião continuou sem que houvesse discussão, afinal, o momento era achar uma maneira de se livrarem das volantes do Nordeste.
Confiante da tranquilidade que oferecia aquela Grota, nessa noite Lampião dispensou sentinelas. Não era preciso, já que ali seria muito difícil alguém enfrentar para bagunçar o seu reinado.
E lá a tranquilidade estava reinando num silêncio total. Apenas dois ou três cangaceiros ainda disputavam ganhar no jogo alguns trocados de outros, mas vozeando baixinho, pois o rei e a rainha precisavam descansar.
Lá pras tantas todos estavam em suas tocaias. Nenhuma voz soava no coito. Lampião e a rainha há tempo que dormiam tranquilamente na excelente e bem organizada Central administrativa.
O dia 28 de Julho, o sol nasceu entre nuvens, não muito escuras, porque o tempo não era mais de inverno, apenas algumas delas tentavam molhar aquelas sofridas terras sertanejas. A cangaceirada, mesma sonolenta, dá sinal à Grota que estava viva.
Lampião anuncia que já estava na hora do ofício, cujo, mesmo sendo facínora, era rezado por ele. Ali se reuniram e Lampião iniciou sua prece, para que Deus os acompanhasse nas suas andanças. Terminado o ofício, Lampião incumbiu o cangaceiro Amoroso ir até a cacimba apanhar água para o preparo do café.
A Grota de Angico, lamentavelmente estava triste. Sabia que em seus arredores uma porção de perseguidores dos seus hóspedes, havia passado a noite vigiando-os.
Mas não demorou muito para que ocorresse um dos maiores e violentos ataques aos cangaceiros. Por todos os lugares existiam perseguidores tentando um lugar seguro para a invasão do coito do rei Lampião.
Os cangaceiros estavam confiantes, que mesmo depois do ofício, não apanharam as suas armas para um possível derramamento de sangue. E logo uma rajada de balas foi iniciada. Os tiros surgiam por todos os lados.
Lampião foi o primeiro a se despedir de sua empresa de cangaceiros. Caiu já prontinho, como um pássaro. Em seguida, a rainha foi baleada. Lentamente ela saiu andando, tentando escapar. Escondeu-se sob uma pedra. Mas Maria Bonita não levou sorte. Os maldosos seguiram os seus passos. Maria solicitou proteção de vida, mas foi inútil. “- Pelo o amor de Deus, não me matem!”
E logo uma facãosada rolou o seu lindo pescoço, O sangue saia do corpo como água que sai de uma mangueira. A Grota de Angico jamais havia presenciado tamanha maldade contra os homens de Deus. O tiroteio era assustador. A maioria foi tentando lugar para sair são e vivo.
O cangaceiro Candeeiro
O cangaceiro Candeeiro, no tiroteio, foi baleado. Alguns tentam levá-lo de qualquer jeito. A chacina durou 20 minutos, mais ou menos. Um silêncio foi feito. Ninguém mais atirava. O que era de árvores estavam todas descascadas de cima abaixo, derramando um líquido grosso e liguento. Uma Nuvem de fumaça saída das metalhadoras cobriu a Grota de Angico Os perseguidores, todos parados, esperavam o momento certo para a invasão das riquezas dos cangaceiros, pois ainda temiam um possível ataque dos cangaceiros. Lá na Grota morreram: Maria Bonita, Lampião, nove cangaceiros e um policial da volante, Adrião.
Finalmente, o homem que foi considerado mais famoso do Nordeste Brasileiro, estava morto. Fez tantas maldades, talvez, não sei, mas também fez algo de bom para muitos sofridos sertanejos.
Palavras de Kydelmir Dantas
Herói ou bandido? É uma pergunta recorrente. Analisando com calma... Lampião foi herói pros seus amigos e o é pros seus admiradores. Bandido pros seus inimigos e para Estado. Hoje, um mito na História do Nordeste.
Kydelmir Dantas
Este trabalho foi baseado no artigo do jornalista Juarez Conrado
Também algumas informações do cineasta e pesquisador do cangaço: Aderbal Nogueira