*Rangel Alves da Costa
Li num cartão postal que a noite está terminando. E agradecido está por mais um dia vivido e vencido. Igualmente assim quando chegar o amanhã.
Se o amanhã chegar...
O amanhã aqui referido não diz respeito somente ao dia seguinte. Mas um amanhã significando todas as manhãs e dias da existência, enquanto sobre a terra existir.
Se este amanhã chegar...
Um amanhã que dure daqui a um, dois, cinco, dez, vinte, trinta anos ou mais. Um amanhã que seja a permanência entre as flores e os espinhos da estrada, entre as alegrias e os sofrimentos.
Mas se este amanhã chegar...
Mas supondo que este amanhã vá chegando a cada dia e assim se prolongue por muitos anos, que seja um amanhã refletindo a idade e a experiência alcançadas e não a angústia daquilo que não possível ser feito no passado.
Mas somente se este amanhã chegar...
Quando o amanhã chegar e se o amanhã chegar, haverá em mim um espelho refletindo tudo já conhecido e um girassol voltando suas pétalas à luz de cada instante presente.
Se o amanhã chegar...
Se o amanhã chegar e neste amanhã, que seja daqui a trinta ou cinquenta anos, certamente que não ocultarei a idade, a fragilidade, a dificuldade do passo nem a lágrima que sozinha descerá pelo rosto enrugado.
Mas só se o amanhã chegar...
Se o amanhã chegar e um menino se aproximar com olhar estranho perante a velhice, compreenderei o seu espanto, porém sem qualquer vontade de lhe explicar o porquê de a vida ser assim. Desejarei apenas que alcance o mesmo amanhã.
Mas somente se o meu amanhã chegar...
Quando o amanhã chegar e no meu caderno de vida ainda restarem algumas páginas, nada mais escreverei senão sobre a felicidade de ter tanto vivido. Nada que faça recordar as angústias e aflições, mas somente as conquistas.
Se este amanhã chegar...
Quando o amanhã chegar e na minha cadeira de balanço ao entardecer de calçada eu estiver, não vou querer avistar horizontes com olhos entristecidos nem abrir velhos baús para relembrar o que me faça espantar o prazer do momento.
Se o amanhã chegar...
Quando o amanhã chegar e a vividez do meu pensamento ainda puderem buscar retratos de alegrias e contentamentos, então outra coisa eu não farei senão sentir ainda beijando bocas, abraçando corpos, acariciando seios, sugando sexos, tendo incontidos prazeres.
Mas apenas se o amanhã chegar...
Quando o amanhã chegar ainda não serei totalmente envelhecido se ainda sentir na boca o gosto do pirulito, o sabor da cocada, o prazer de um bolo de leite. Se sentir como se correndo nu pelas ruas em dias de chuvarada, dando batim das pedras grandes do riachinho.
Se o amanhã chegar...
Quando o amanhã chegar, ainda que nada mais possa realizar a partir do físico vigor, ainda assim feliz estarei pelo muito que sonhei, pelo muito que realizei, pelo muito que construí em meu nome e para o próximo.
Mas só se o amanhã chegar...
Se o amanhã chegar, mesmo que a solidão seja fiel companhia, jamais soltarei o braço de minha tão bela amada, jamais deixarei de estar juntinho dela e dizendo “te amo, te amo e te amo...”.
Mas somente se o amanhã chegar, pois se o amanhã não chegar, então que reste no epitáfio: Viveu!
Escritor
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