Clerisvaldo B. Chagas, 18 de abril de 2019
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica: 2.094 – Literatura viva
Aos escritores alagoanos
Lembrei-me do antigo relógio da Matriz como se aguardasse as doze badaladas costumeiras. Nem era meia-noite ainda. A grande lua redonda sorria como nunca no céu límpido, extremamente iluminado. Silêncio sepulcral na minha rua, ausência total de humanos, talvez somente almas em passeio noturno. Uma brisa leve soprava como algo vivo; e apenas um gato gordo e peludo mostrava-se na via tentando escalar certa árvore adormecida. O riso do céu continuava na Quarta-Feira Santa, bela e lúgubre numa solidão de fim de mundo. Veio à mente a novela “Noite” de Érico Veríssimo; a matraca de luto agitada pelo saudoso sacristão Jaime; o comprido das procissões; sons harmoniosos e inexistentes de violão boêmio. Um arrepio na pele.
(FOTO: B. CHAGAS). |
Lá no alto do relevo perto e longe, uma luz de poste acenava. Para quem se mostrava aquele foco? Tristonho como o roxo dos panos que esconde os santos, solucei sem soluços. Sarjetas enxutas, natureza morta, silêncio calado na minha rua, em todas as ruas... Metais reluzentes nas antenas retorcidas, ausência de pirilampos, nem um grito dentro da noite, nem metamorfose de bitucas na calçada. Espicho o pescoço ignorante. Monto no tempo e revejo o leito seco do rio ali pertinho, a areia grossa, a languidez de outra Semana Santa, no passeio solitário do poeta. Novamente o hálito misterioso daquele dia e desta noite soma-se às dores de Maria e sopra no coração do sutil observador da rua. O que estará pensando os céus?
Recolho-me à noite de dentro, à noite sem o riso farto da lua cheia, ao mundo das filosofias, dos enigmas, dos idílios reticentes ou das virtudes duvidosas. Portão fechado, passos de bichano, um café pequeno que transgride a hora, perguntas mudas, respostas sem tempo... Uma implosão de ais. Não sei se a madrugada entra na Semana Santa ou se a Semana Santa entra pela madrugada. Será que o gato subiu na árvore? Será que surgiu algum retardatário na rua? Não posso responder pelas bitucas, nem pela luz do poste que imita estrela. Estou perdido e achado dentro da “Noite” de Érico Veríssimo, de um conto de Fábio Campos ou da angustiosa vivência de Jesus.
Hoje é noite de quarta-feira, de Quarta-Feira Santa.
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