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terça-feira, 10 de julho de 2012
O PRIMEIRO LIVRO SOBRE O REI DO BAIÃO
Por: Kydelmir Dantas(*)
A ligação de LUIZ GONZAGA com o RN não vai apenas pela sua presença em shows pelo interior e em Natal; além de Cidadão Natalense ele recebeu os títulos de cidadania de várias outras cidades no estado.
O mais interessante e que pouca gente sabe é que a sua primeira biografia do Rei do Baião foi escrita pelo poeta potiguar Zé Praxédi - O Poeta Vaqueiro - em 1952, editado pela Continental Artes Gráficas, de São Paulo - SP, Tendo o prefácio do folclorista Câmara Cascudo e com o apoio do, então, vice-presidente Café Filho, sob o título de “LUIZ GONZAGA E OUTRAS POESIAS.”
O livro é composto de vários poemas, dentre eles o principal sob o título LUIZ GONZAGA. Neste, o poeta fez levando a sua mensagem na escrita do dizer do povo do interior, semi-alfabetizado e/ou analfabeto, na linguagem que se denominou de “poesia matuta”. Muita gente boa coloca estes versos, em publicações diversas, como sendo da autoria do Mestre Lua. Mas não! Os versos são de Zé Praxédi... A verdade é pra ser dita!
Estão lá, nos primeiros versos e na grafia original, num total de 128 estrofes, ora em quadras, ora em sextilhas, na conformidade e gosto do poeta potiguar.
“Meu nome é Luiz Gonzaga,
Não sei se sou, fraco ou forte,
Só sei que graças a Deus,
Te pra nascer tive sorte,
Apôs nasci em Pernambuco,
Famoso Leão do Norte.
Nas terras de Novo Exu,
Da fasenda Caiçara,
Im novecentos e dose,
Viu o mundo a minha cara.
Dia de Santa Luzia,
Purisso é qui sô Luiz,
No mêz qui Cristo nasceu,
Purisso qui sô feliz.”
Após este livro, vieram outros, ficando mais conhecido o escrito pelo jornalista cearense SINVAL SÁ, que recebeu o título de O SANFONEIRO DO RIACHO DA BRÍGIDA; este teve 4 edições só no ano do seu lançamento, 1966, mudando apenas as cores das capas e permanecendo o desenho. Hoje já se encontra a 8ª edição nas livrarias.
A partir de então, saíram vários livros sobre Luiz Gonzaga do Nascimento, o segundo filho de Januário José dos Santos (Mestre Januário) e Ana Batista de Jesus (Santana), os quais listamos alguns abaixo:
Destes, particularmente e logo após o primeiro, considero-os como mais importantes: O SANFONEIRO DO RIACHO DA BRÍGIDA, do Sinval Sá, por ser a mais conhecida e uma autobiografia do Rei do Baião; A VIDA DO VIAJANTE - A SAGA DE LUIZ GONZAGA, da francesa Dominique Dreyfus, para mim a mais completa biografia de Seu Luiz; EU VOU CONTAR PRA VOCÊS, do jornalista e escritor paraibano Assis Ângelo, o primeiro a ser publicado após a grande viagem do Rei; LUIZ GONZAGA, O MATUTO QUE CONQUISTOU O MUNDO, do jornalista potiguar, radicado em Recife, Gíldson de Oliveira, que juntou reportagens e entrevistas com Gonzagão, nos últimos meses de vida. Este livro ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo em 1990; LUIZ GONZAGA: A SÍNTESE POÉTICA E MUSICAL DO SERTÃO, da Professora e Doutora da UECE, Elba Braga Ramalho, pois é a sua Tese de Doutorado, realizado na Inglaterra e transformado em livro para os estudiosos da MPB e fãs do nosso ícone da Música Popular Nordestina.
Afora outros, não citados, ainda tem O REI E O BAIÃO, do Bené Fonteles, publicado em 2010, resume em textos, imagens e fotografias a vida e a saga de LUIZ GONZAGA DO NASCIMENTO, o LULA da Família de Januário e Santana, o Luiz LUA Gonzaga, das Rádios, o GONZAGÃO, pai do Gonzaguinha, o SEU LUIZ, para Dominguinhos e seus amigos mais aproximados, o nosso grande e eterno REI DO BAIÃO.
(*) Pesquisador e poeta, de Nova Floresta – PB, radicado em Mossoró – RN. Autor do livro OS 3 PILARES DA MÚSICA POPULAR NORDESTINA.
ZÉ PRAXÉDI O POETA VAQUEIRO
Por: Kydelmir Dantas(*)
JOSÉ PRAXEDES BARRETO (1916 - 1983), nasceu a 15 de novembro na fazenda ‘Espinheiro’, município de Currais Novos, atualmente Cerro Corá (RN). Filho de Francisco Praxedes Barreto e Maria Segunda Barreto. Aos sete anos de idade foi matriculado na Escola do povoado Recanto, do mesmo município, onde sua família passou a residir. Com 16 anos foi internado no Colégio Pedro II, hoje Ruy Barbosa, na capital do estado. Durante as férias ele retornava à Recanto, onde se dedicava, de corpo e alma, a vida do campo. Nas vaquejadas era alvo da admiração e orgulho dos vaqueiros; contava em versos a vida do homem sertanejo.
Zé Praxedes
Casou-se com Hilda Pinheiro, em 1941, e geraram José Praxedes Filho. Em 1950, como quase todo nordestino fazia à época, tomou um ITA, navio, juntamente com a mulher e o filho, e desembarcou no Rio de Janeiro. No ano de 1960 publicou o livro “O Sertão é Assim”; posteriormente, em 1970, foi publicado “Meu Siridó”, que teve uma 2ª edição em 1979, pela editora Clima.
Um dos seus trabalhos, mais importantes foi o livro “Luiz Gonzaga e Outras Poesias”, que é a primeira biografia sobre o Rei do Baião, inclusive, toda escrita em versos matutos, com o prefácio de Luís da Câmara Cascudo, editado em São Paulo no ano de 1952. Deste trabalho, destacamos o seguinte poema, na grafia original:
DOIS GRANDES
Duas boas arturidade
Me truveram do Sertão.
A sigunda do País
E a prenmêra do baião.
O Luiz Lua Gonzaga,
Qui dus pampa ao Amazona,
Todo o meu Brasí se curva
Para uví sua sanfona.
Gonzaga, o cantô da terra
Dos matuto e boiadeiro,
O cantô dos tangirino,
Do caçadô, do vaqueiro!
O homem de quem se fala,
É o seu cantá qui imbala
O Nordeste brasileiro.
Apôs bem, esse cabôco
Tão festêjado e feliz!
Protégi o pobe nas ruas,
O vigáro na Matriz.
O Luiz Lua Gonzaga,
Trabáia pelo País.
Doutô João Café Filho,
A palavra desse home,
Tem o gosto da cumida
Quando a gente tá cum fome.
O maió dos Députado
Qui o Brasí já conheceu!
Inté o só ismoréci,
Café nunca ismoreceu!
Esse Café de que falo,
Num é café de São Paulo,
Em minha terra nasceu.
Apôs bem, doutô Café,
Tem um grande coração!
Trabainado como vive
Pru distino da Nação.
Inda tira um momentim
Pra se alembrá do Baião.
Nesta obra de arte, o poeta-vaqueiro, que deixou saudades por onde passou, homenageou os dois responsáveis pela sua apresentação no Teatro Copacabana, no Rio de Janeiro, o vice-presidente da República, portanto a segunda autoridade do País naquele momento, João Café Filho (1899 – 1970) e o Rei do Baião, Luiz Gonzaga do Nascimento (1912 – 1989), que no intervalo, entre a primeira e a segunda partes do programa, cantou os sucessos de sua autoria, naqueles idos de 1952.
Gravou em 1966, pela Rezenblit, sob o sêlo Mocambo, o LP ZÉ PRAXÉDI, o Poeta Vaqueiro, que levou o nº 40346 desta gravadora.
Nesta obra de arte, o poeta-vaqueiro, que deixou saudades por onde passou, homenageou os dois responsáveis pela sua apresentação no Teatro Copacabana, no Rio de Janeiro, o vice-presidente da República, portanto a segunda autoridade do País naquele momento, João Café Filho (1899 – 1970) e o Rei do Baião, Luiz Gonzaga do Nascimento (1912 – 1989), que no intervalo, entre a primeira e a segunda partes do programa, cantou os sucessos de sua autoria, naqueles idos de 1952.
Gravou em 1966, pela Rezenblit, sob o sêlo Mocambo, o LP ZÉ PRAXÉDI, o Poeta Vaqueiro, que levou o nº 40346 desta gravadora.
Neste LP declama suas poesias, que foram assim gravadas:
Lado A:
Cunfissão
Sabedoria de Matuto
O Brasí vai casá
O Anafaberto
Um pueta nordestino
Lado B:
Matuto no trem
A Vaquejada
Proguntando
Devonção de Matuto
A morte de Zé Dantas.
Fontes de Consulta:
Luiz Gonzaga e Outras Poesias - Zé Praxédi - São Paulo, 1952.
Meu Siridó - Zé Praxédi. Ed. Clima - Natal, 1979.
(*) Pesquisador e poeta, de Nova Floresta-PB, radicado em Mossoró-RN.
A entrevista do Cel. José Pereira de Princesa Isabel
Por: Roberto Sávio
José Pereira de Lima
Peço permissão ao ilustre jornalista Anco Márcio, para divulgar no seu site uma entrevista do Coronel Zé Pereira, que foi publicada na Revista “O Cruzeiro” de 08.10.1949, sob a responsabilidade do jornalista José Leal, considerando que os fatos narrados, além de relevantes, são a história legítima da Paraíba e do Brasil, devendo ressaltar que o seu conteúdo não consta nos livros, mas, apenas em uma revista comemorativa, editada pela família do inesquecível ex-deputado José Pereira Lima da histórica cidade de Princesa Isabel/PB, por ocasião do seu centenário de nascimento.
A CAMPANHA DE PRINCESA
Entrevista do Coronel e Deputado JOSÉ PEREIRA LIMA
(Texto de José Leal)
(Publicada na Revista “O Cruzeiro” - edição de 08 de outubro de 1949.)
Uma figura singular de caudilho - No sertão não se admite o comunismo nem o casamento no Uruguai - Um homem rico que perdeu tudo em 1930 - Razões do rompimento com João Pessoa e causa da revolução civil de Princesa - Capítulos dramáticos da fuga sertão a dentro - Como vive hoje o homem que proclamou a independência de Princesa - 64 anos de idade, casado com uma sobrinha, excelente bom humor e elegância.
Andava eu pela casa dos cinco anos de idade quando ouvi falar pela primeira vez no nome do Coronel José Pereira. Foi em 1930, numa cidadezinha paraibana chamada Alagoa Nova, pouco antes de ser assassinado num café do Recife o Dr. João Pessoa, então Presidente do Estado. Ao rebentar a revolução, meu tio, que era professor e ativo membro da Aliança Liberal, fundou um semanário político, “O Momento” para defender a causa revoltosa e todos nós, eu e meus primos, dávamos vivas aos revolucionários passeando pelas ruas locais, vestindo camisas vermelhas e aplaudindo as caravanas liberais que, em suas excursões pelo Nordeste, passavam por Alagoa Nova em missão de propaganda política contra Washington Luiz. Zé Pereira - como é conhecido - era um nome que estava em todas as bocas. Colunas de tropas militares da polícia estadual haviam passado pelas ruas da cidadezinha, em caminhões rumo ao sertão, para combatê-lo em Princesa, e os rapazes da terra seguiam como voluntários para lutar ao lado dos revoltosos. Vitorioso o movimento aliancista, nunca mais me preocupei com ele, Zé Pereira, embora continuasse a ouvir dezenas de histórias sobre suas façanhas e peripécias.
A FIGURA DE JOSÉ PEREIRA
Agora, nesta primavera de 1949, quando o meu ilustre amigo Dr. Alcides Carneiro, comunicou-me que eu poderia me avistar com o famoso caudilho de Princesa, pensei que iria encontrar um homem baixo, frio, caladão e, sobretudo, anti-social. Imaginava-o um simples contador de aventuras. E em lugar disso apareceu-me um cidadão natural, inteligente e dono de um formidável senso de humor. Encontramo-nos num apartamento da Avenida Beira Mar, em certa manhã de chuva, onde ele reside nesta visita que faz ao Rio de Janeiro, depois de muitos anos de ausência. Trajava um terno cinza com sapatos de cor chocolate, gravata escura e chapéu cinzento. Tem uma estatura acima de média e os seus cabelos brancos são de um branco quase azulado. Está com 64 anos de idade. Bem disposto, com o bigode caprichosamente aparado, palestrador interessantíssimo, é dessas pessoas que facilmente conquistam todas as simpatias. Sabe contar engraçadíssimas piadas, é um “blagueur” desprentencioso, porém irresistível, e recebeu-me com um aperto de mão cordial colocando-me à vontade num grande sofá. Como todo chefe político do interior é cognominado de “Coronel”. Famoso pela campanha de Princesa, onde combateu as tropas legalistas em 1930, tido pelos seus inimigos como cangaceiro feroz e impiedoso. Zé Pereira tem ainda hoje o cartaz de valente, fama que, segundo me confessou, só lhe tem trazido aborrecimentos.
Coronel - disse-lhe eu - o senhor está elegantíssimo! E ele, com uma naturalidade e graça admiráveis fez a primeira “blague”. É menino, quando eu saí do Recife pedi por empréstimo boas roupas aos meus amigos.
É casado com uma sobrinha, Dona Alexandrina Pereira, com quem nunca namorou. Um dia perguntou-lhe se queria com ele casar. Ela respondeu que sim. Então Zé Pereira falou com os pais de sua futura esposa que concordaram com muito gosto. O casamento foi realizado em seguida. Tem um casal de filho: Aloysio, com 26 anos de idade, médico, formado pela Faculdade de Medicina do Recife, atualmente clinicando no Rio e dirigindo um dos serviços do Hospital dos Servidores do Estado, e Luizinha, com 25 anos, solteira, vivendo agora na capital pernambucana. Chova ou faça sol Zé Pereira acorda às 6 da manhã. Quando está na sua fazenda “Abóboras”, no município de Serra Talhada, Pernambuco, toma café e vai habitualmente ao curral passar uma vista no gado. Não tem vícios: não fuma, não bebe e nem joga. Toma um trago se estiver numa festa. Tem um excelente apetite e goza boa saúde.
Clique no link abaixo para você continuar lendo a entrevista do coronel José Pereira de Lima. Uma excelente entrevista
http://www.ancomarcio.com/site/publicacao.php?id=2929
LAMPIÃO CONTRA O MATA SETE
Fonte – http://clerisvaldobchagas.blogspot.com.br/
Autor – Clerisvaldo B. Chagas
Alagoas, no geral, sempre foi um estado quase arredio para assunto de cangaço e para cantador repentista. Talvez, pelo gosto mais reservado para esses temas, não tenha havido repercussão por aqui do livro embargado pela Justiça “Lampião, o Mata Sete”, do juiz Pedro de Morais. Grandes repentistas e famosos livros sobre Lampião também não causam impacto nenhum no “Paraíso das Águas”, assim como já antevejo o nosso “Lampião em Alagoas”, cujo esforço está concentrado para o lançamento ainda este mês.
Embargado pela Justiça, através da família Ferreira, “Lampião, o Mata Sete”, conseguiu escapar com alguns exemplares, lidos por abnegados pesquisadores do tema cangaço. Alguns ficaram horrorizados com as baboseiras e delírios do autor (um verdadeiro Zé Limeira cantador do absurdo). Confesso que não li o citado livro que, mesmo clandestino, não circulou por essas bandas. Reagindo aos sonhos eróticos do juiz, surgiu na praça um veemente protesto comandado pelo livro antagônico “Lampião contra o Mata Sete”, do delegado de polícia, estreante na Literatura e como novo escritor do cangaço, colunista, “blogueiro” e pesquisador Archimedes Marques, no estado sergipano.
Quando o escritor atinge certa idade, reduz quase a zero a sua leitura livresca em troca das escritas frenéticas como a querer reconquistar o tempo. Pela minha parte, abri exceção para o início da frase acima, ao receber o calhamaço de 552 páginas do homem da lei Archimedes Marques. Há muito, não passando de , uma leitura de 50 páginas, mergulhei no “Lampião contra o Mata Sete” como nos velhos tempos da adolescência, lendo-o em dois dias. Sobre qualquer tipo de assunto, desde a crônica ao romance, tenho atração pelo fraseado simples, acessível, porém, mágico, burilado e criativo que faz a diferença entre o ótimo escrito da pessoa comum e o jogo atrativo de palavras e frases literárias. É assim que Archimedes consegue levar o leitor até o fim do livro como se fosse a sua linguagem a de um veterano escritor de qualquer coisa. Portanto, esse seu estilo, é um dos atrativos das páginas contra o “Mata Sete”.
Archimedes Marques
Lendo o livro de Marques, não preciso mais espiar a safadeza de “Lampião, o Mata Sete”, pois as constantes citações sobre ele − apresentadas e contestadas por Archimedes − provocam náuseas desde os escritores sérios às raparigas mais fuleiras dos becos do Nordeste. O livro “Lampião contra o Mata Sete”, de Archimedes Marques, é um terremoto máximo nas pretensões do juiz aposentado Pedro de Morais.
II
O ilustre delegado (profissão motivo de orgulho de Archimedes) nem precisava de citações para defender a sua tese, todavia, ele preferiu reforçar defesa e ataque incorporando uma tropa de elite, colocando-a, ora na linha de frente ora na retaguarda dos combates contra o Mata Sete. Estão ali os mais destacados escritores do cangaço apostos à frieza do comando. Além disso, é grande a contribuição do pano de fundo com as diversas passagens apresentadas por Marques, carimbadas pelos pesquisadores de peso do cangaço.
Dois sábios alemães deram o caráter científico autônomo da Geografia no século XIX. Alexandre de Humboldt (naturalista) e Karl Ritter (historiador e filósofo). O primeiro viajou em pesquisa pela Europa, América do Norte, Ásia Setentrional e publicou o livro “Cosmos”. O segundo, pouco viajou. Dedicado ao Magistério e baseado em leituras entregou ao público o livro “Ciência Comparada da Terra”. Isso quer dizer que o pesquisador tanto pode fazer pesquisas de campo, quanto usar as fontes diversas e honestas sem sair de casa. Aliás, fora outros atributos, para pesquisas in loco é preciso ganhar bem, ou dispor de boa fonte financeira e coragem para enfrentar cobras, mosquitos, sol abrasador, água ruim, péssimas estradas e não ter ojeriza à pobreza.
O juiz escritor, Morais, pode ter feito como o historiador Karl Ritter, pesquisando nos melhores livros sobre o cangaço ao alcance do seu poder aquisitivo. O seu estilo é bom, escreve bem, mas infelizmente sua inteligência o guiou para uma inovação literária que transforma água limpa, potável, cristalina, em marrons, turvas, negras lamas de barreiro.
O autor no dia do lançamento do seu livro, tendo a sua direita o nosso amigo Francisco Pereira, a maior referência em venda de livros sobre o cangaço no Brasil. A esquerda de Archimedes está o pesquisador e autor João de Sousa Lima e Antônio Lira.
Não sei, não quero a crítica literária, não tenho vocação para o mister. Mas, como leitor atento às citações de Archimedes, fiz algumas comparações particulares, isto é, fora do foco do seu livro para melhor entendimento sobre o cangaço. Nada que compromete o desenrolar dos fatos e que os abordaremos na sequência.
Detesto o “puxa-saquismo” para os lados de Lampião ou da Polícia, quando usado por “monstros sagrados” ou iniciantes sobre o tema cangaço com Lampião como personagem central. Isso não encontrei nos textos escritos por Archimedes Marques. O autor fala com toda clareza em vários trechos sobre a monstruosidade do bandido, porém, da mesma maneira não nega as suas qualidades. Sua atração pelo assunto, não o conduz à paixão explícita por Lampião como mais de um “grande” tentam passar ao leitor menos exigente. Talvez seja esse equilíbrio levado pelo novo escritor que vai conquistando o seu fã clube. Para melhor situar a obra do homem de Sergipe, passamos a informação: (MARQUES, Arquimedes. Lampião contra o Mata Sete. 1 ed. Aracaju, Info Graphics, 2012).
Acho que o primeiro livro sobre o cangaço que eu li foi do autor Nertan Macedo: “O capitão Virgulino Ferreira da Silva – Lampião”, da Editora Leitura, 1962, no início da minha adolescência. Linguagem vigorosa, porém, muito poética e que impressiona os jovens no alvorecer das grandes leituras. Daí para cá, ou antes, disso, inúmeros pesquisadores esmiunçaram a existência de Virgolino e, ultimamente escrevendo até a vida de vários de seus muitos mais de duzentos seguidores. Em Alagoas ainda resta um ex-cangaceiro vivo, motivo de uma conversa que tive com um dos seus genros para escrever os feitos do sogro. Não aposto que pode acontecer, pois não me empenho para isso. Quando o livro de Archimedes fala sobre o autor de “Lampião na Bahia”, Oleone Coelho Fontes (1998), como coiteiro de Pedro de Morais, pela sua apresentação tendenciosa no livro “Lampião, o Mata Sete”, é sem dúvida motivo de tristeza. Dizem que é um ótimo livro, o escrito por Oleone, mas sair da condição de festejado para coiteiro de Morais, pelo amor de Deus!
Coronel José Lucena Albuquerque Maranhão – Fonte -
http://clerisvaldobchagas.blogspot.com.br
http://clerisvaldobchagas.blogspot.com.br
Quanto às páginas referentes e contra o coronel José Lucena de Albuquerque Maranhão, não batem com o que sabemos. Informações amplas sobre o assunto, inclusive a morte de José Ferreira, logo estarão disponível brevemente em “Lampião em Alagoas”. Mesmo assim, na próxima crônica narraremos a nossa opinião sobre Lucena, baseada na tradição oral em Alagoas e nas linhas de outros escritores do cangaço.
Diante de tantas e tantas obras publicadas sobre Virgolino, vimos afirmações sobre ele, muitas, exageradas: Era parteiro, poeta, artesão, almocreve, agricultor, vaqueiro, pecuarista, dançarino, devoto, entres outras qualidades. Expressando minha humilde opinião sobre o que tenho lido do montante de títulos a seu respeito, no Sertão nordestino, o fazendeiro, vaqueiro, pequeno proprietário nasce naquele meio fazendo quase tudo. Lampião apenas fazia o que todos faziam, sem os exageros dos que dizem que ele era o melhor isso, o melhor aquilo, numa adoração sem fim. Quantas besteiras! Compositor razoável, poeta sofrível, almocreve comum, bom dançarino como muitos outros sertanejos, vaqueiro, artesão, pequeno agropecuarista com o pai, dentro da normalidade. Agora, quando se fala da sua capacidade militar, aí sim. O homem nasceu mesmo para guerrear. Era na verdade muito superior em estratégia a todos os comandantes de volantes que enfrentaram a luta. Não confundir com valentia, pois valentes e covardes nunca faltaram nas tropas do governo e nem nos bandos cangaceiros. Lampião nunca foi coronel dos coronéis e nem todos temiam suas investidas. Lampião nunca passou de falso capitão, mas foi o gênio militar das caatingas nordestinas em torno de vinte anos. Não há contestação. Ele nunca foi herói por ter participado de guerras do Brasil com outros países, herói nacional. Entretanto, o mestre Aurélio diz: “Herói: homem extraordinário por seus feitos guerreiros; pessoa que por qualquer motivo é o centro de atrações”. É o mestre quem diz em seu “Novo Dicionário AURÉLIO” e não eu. Está aí: o monstro, estuprador, assassino, torturador, ladrão, assaltante, bandido, herói do conceito acima pelo seu extraordinário quengo militar e convergência das atenções. VE E VE A D O DÓ, doutor Pedro de Morais, com certeza o “Diabo dos Sertões” nunca foi e nem teve vontade. A coisa tá feia doutor.
IV
Muitas coisas foram ditas sobre José Lucena de Albuquerque Maranhão em nosso livro “O boi, a bota e a batina: história completa de Santana do Ipanema” que ficou para o ano para novas inclusões e por ter cinco outros livros na fila, antes dele. Lucena também está amplamente no livro “Lampião em Alagoas” que, pelos preparativos de lançamento, não vai dar para o dia vinte e oito deste mês, como prevíamos, ficando talvez para agosto. Uma crônica só é pouco para nossas observações sobre o Capítulo 8 do livro “Lampião contra o Mata Sete”, mas tentaremos pelo menos com reduzidas palavras afirmar posições. Desde 1918 que o sargento Lucena lutava na Zona da Mata Alagoana e no Alto Sertão, época em que a Família Ferreira veio morar em Alagoas. Lutou contra bandos de cangaceiros, inclusive o dos Porcino que foram chefe de Lampião. Aliás, Lampião não foi somente chefiado por Sinhô. Ele teve três chefes, pela ordem: Matilde, os Porcino e depois Sinhô Pereira. No caso da morte de José, está claro em “Lampião em Alagoas”. Lucena estava em busca do criminoso Luís Fragoso, cercou sua casa, sem resistência, morrendo aí, por infelicidade, José Ferreira, durante a invasão, pelo instinto de cão do soldado Caiçara, o assassino. Lucena esbravejou contra Caiçara, mas como comandante da pequena força, assumiu o ato do soldado. Quanto à morte do oficial de que fala o Capítulo 8, de “Lampião contra o Mata Sete”, também está escrito de forma inédita detalhadamente, em “Lampião em Alagoas”. O oficial tentara assassiná-lo na noite de escuro, anterior. Chamado para esclarecimento o tenente Porfírio desafiou o comandante e não quis atender o seu pedido por duas vezes, o que Lucena para não ficar desmoralizado mandou que dois soldados que foram chamar o oficial o trouxessem vivo ou morto. Porfírio preferiu ir morto. (Aguarde “Lampião em Alagoas”).
Em relação à morte do coronel José Rodrigues de Lima, Lucena havia sido emboscado no município de Água Branca quando morreu o capitão Eutíquio Rafhael de Medeiros. Essa emboscada foi atribuída a Zé Rodrigues. Naquele tempo − o companheiro Archimedes sabe que era assim − ou um ou outro. Lucena até demorou com a vingança. (Detalhes no mesmo livro acima).
Em 1936, com a criação do 2º Batalhão de Polícia de Alagoas e sua instalação em Santana do Ipanema, Lucena torna-se o seu primeiro comandante. O batalhão passa a ser a sede de todas as forças volantes distribuídas estrategicamente no semiárido. São frases do conhecido comandante João Bezerra “Como dei cabo de Lampião” (…) “S.S. sempre possuía dados importantes. Trabalhador valoroso, não se descuidava de um só instante de pesquisar por todos os meios ao seu alcance dos paradeiros dos grupos assassinos”.
(…) esse valente militar dava ordens à distância e nunca perdia o contato com os seus comandados, auxiliando-os constantemente por todos os meios, ora com avisos, informações escritas, por portadores e telegramas quando possível, ora fiscalizando as marchas através das caatingas, animando, estimulando e orientando os comandados que surpreendia em toda parte com a sua agradável presença de chefe destemeroso.
Ainda Bezerra (1983, p. 177): O coronel Lucena nunca vacilou para dar ordens enérgicas sempre que o interesse da campanha o exigisse. A confiança que tinha em si mesmo, a sua fé e a sua coragem aliadas à expectativa feliz de êxito nas diligências, se irradiavam sobre os seus comandados, estimulando-os a imitá-lo na esperança da vitória.
Foi Theodoreto quem sugeriu a criação do 2º Batalhão de Polícia com sede em Santana do Ipanema. O comando seria entregue ao major José Lucena de Albuquerque Maranhão, oficial reconhecidamente destemido e experimentado nas lutas cangaceiras. Sobre ele fala o santanense sargento Oscar Silva, seu comandado, depois escritor de conceito, em “Fruta de Palma”:
(…) sob o comando de um homem de cultura limitada, mas de inteligência rara e férreo espírito de disciplina: o major José Lucena de Albuquerque Maranhão (…).
(…) senso de intransigente cumpridor da Lei e da Ordem. Era um amigo incondicional dos comandados, ao mesmo tempo, um intransigente adversário de qualquer deles, conforme a adaptação ou não dos subordinados à sua maneira de comando.
V
Respondendo ainda ao Capítulo 8 do livro “Lampião contra o Mata Sete”. Zé Lucena criou fama perseguindo bandidos, desde 1918, em Alagoas. Com a revolução de 30 continuou fiel ao governador e acabou preso acusado de desviar dinheiro da Caixa Beneficente da Guarda Civil. Muito sereno, provou sua inocência, foi solto e passou a ser homem de confiança do governador. Assumiu o comando do 2º Batalhão de Polícia com sede em Santana do Ipanema, criado para ser o centro de operações contra cangaceiros. Foi ele quem escolheu seus homens a dedo. Recebeu carta branca contra cangaceiros, ladrões de cavalos, arruaceiros e malfazejos em geral que atormentavam a sociedade. Em Santana incorporou-se ao social fazendo dupla com o padre Bulhões, os dois homens mais prestigiados de todo o interior. Brincava carnaval com os comerciantes locais e participava ativamente de todos os movimentos em prol do progresso de Santana. Foi prefeito dessa cidade, deputado e prefeito de Maceió. Tem razão o juiz Pedro de Morais quando diz em citação de Archimedes na página 186: “(…) Lucena foi um militar probo, valente, e seus feitos de glória honraram a briosa Força Pública das Alagoas, pela retidão de seu caráter, no mister de valoroso guerreiro, cumpridor de seus afazeres. (…). O resto da citação é loucura. Zé Lucena foi um dos mais valentes comandantes do Nordeste à caça de cangaceiros. Deu o prazo de 15 dias para a entrega da cabeça de Virgolino pelas volantes alagoanas e, o prazo foi cumprido. Quem fala que Lucena era covarde porque matou inúmeros bandidos em cova aberta ou não, ainda não apresentou um nome sequer de algum comandante de polícia ou volante candidato a santo. Estamos aguardando. Esperem mais detalhes do seu caráter logo, logo em “Lampião em Alagoas”.
Lucena hoje é nome da avenida principal da cidade de Santana do Ipanema e do 7º Batalhão de Polícia sediado nessa cidade de cinquenta mil habitantes, “Capital do Sertão” de Alagoas. Zé Lucena sempre reconheceu as estratégias militares de Lampião, pois brigara com ele desde o tempo em que Virgolino era capanga dos Porcino (Antônio, Manuel e Pedro). Por outro lado, Lampião tinha um cuidado especial com Lucena, pois já provara da sua coragem e ferocidade nos combates. Desafiar Lucena não era tarefa para qualquer um, tanto que após a instalação do Batalhão em Santana, Virgolino nunca mais ali passou por perto. Querer tirar os méritos do morto Lucena, é querer fazer o que o juiz Pedro de Morais quer fazer com Lampião.
VI
É sempre difícil falar nossas opiniões sobre o pensamento dos grandes sobre qualquer assunto. Oscar Niemeyer, por exemplo, foi autor de prédios famosos, alguns feios, outros sem ventilação. Mas quem ousa criticar o mestre, como vi em certa revista? Mas também já vi críticas sobre teses absurdas de um grande do cangaço, no próprio espaço virtual dedicado ao tema. Bem, quem escreve é formador de opiniões, cabe aos leitores, como nós aceitar ou não. Com as melhores das intenções, com seu trabalho exaustivo, sério e de fôlego, Arquimedes deixa ao leitor alguns ganchos que não comprometem sua obra. O assunto é vasto e nem sempre o autor dispõe de outras fontes para confronto. Pag. 129: Água Branca, Alagoas, não pertence à região do Pajeú. Págs. 150, 151 e 152: Excelente sobre Frederico Bezerra Maciel. Pag. 228: O peitica também é uma ave do interior (Empidonomus varius) parecido com o Bem-te-vi. Seu canto é considerado de mau augúrio. Págs. 252, 253: Faltando entre os quatro mais importantes combates, o primeiro de Poço Branco, quando Virgolino se firmou para o cangaço. Houve um segundo combate de Poço Branco, logo após o assalto a Água Branca (ver depois detalhes: “Lampião em Alagoas”). Pag. 277: Ótimo, dignidade do tenente alagoano José Joaquim Grande, ao resguardar Volta Seca, mas, Pag. 351, sobre o mesmo tenente, o contrário? O tenente era homem de toda a confiança do comando. Pag. 430: Se os seguidores de Bezerra naquela noite de 27 de julho de 1938, não fossem destemidos, não teriam passado a noite enfrentando o frio terrível e o escuro para enfrentarem o bandido Lampião. Sobre as imundícies praticadas por Panta e outros, é outra coisa: abomináveis. Pag. 445: Nunca vi uma fotografia de Lídia para afirmar que ela era mesmo a mais bonita, pois, pelas fotos vistas, somente “bonita” era o apelido de Maria de Lampião. Aliás, beleza é questão particular de cada um. Pag. 453: O grande e excelente Costa incorporou tanto o tema cangaço, dá inúmeros títulos a Lampião e chega ao absurdo de chamá-lo Herói Nacional, (talvez um Caxias, um Tiradentes, um Plácido de Castro…) essa, com toda vênia, não engulo nem com manteiga. Pag. 455: Foram chefes de Virgolino: Matilde, os Porcino e só depois Sinhô, quando veio o apelido Lampião. Pag. 463: Tentando diminuir o mérito de José Rufino em cercar um paralítico. Quem já viu cobra cascavel paralítica sem veneno? Pag. 484: Lampião, Justiça de Deus: Um absurdo maior do que o paralítico. Essa opinião nem com manteiga e iogurte.
Tenente José Joaquim Grande
Não sou vaqueiro do cangaço, não sou associado ao movimento, não sou escritor e pesquisador do cangaço, propriamente dito, sou apenas um leitor exigente e como leitor, não me pode ser negado o direito de opinar, certo ou errado. Sobre a parte relativa à Maria Bonita, preferi apenas ler as palavras do Dr. Pedro de Morais, nas citações de Archimedes, bem como os veementes protestos de defesa.
Sobre ridículos, pequenos, médios e grandes escritores do cangaço: Muitos querem colocar Lampião no céu; poucos enfiá-lo no inferno; e pouquíssimos enquadrá-lo no purgatório.
Encerro aqui os meus trabalhos de uma série de seis crônicas sobre a obra de Marques, agradecendo a paciência dos leitores e a confiança do autor. Desejo todo o sucesso do mundo ao pesquisador, delegado, advogado e novo escritor desse tema complexo e de borracha que se chama cangaço. Almejamos, meu amigo Archimedes Marques, outros livros seus na praça, tão bons e gostosos de leitura quanto “Lampião contra o Mata Sete”. Parabéns.
SERVIÇO - Este livro contém 552 páginas, custa R$ 50,00 e para aqueles que estiverem interessados, basta depositar o valor na conta corrente que segue abaixo, em nome da esposa de Archimedes, a Senhora Elane Lima Marques e enviar um e-mail para o autor ( archimedes-marques@bol.com.br ) com o endereço para que ele encaminhe o livro pelos Correios.
BANCO DO BRASIL
Elane Lima Marques
Agência: 3088-0
Cota: 33384.0
Extraído do blog: "Tok de História" do historiógrafo e pesquisador do cangaço - Rortand Medeiros
http://tokdehistoria.wordpress.com/2012/07/10/lampiao-contra-o-mata-sete/
PENDÊNCIA - A FONTE QUE CONVERSOU COM LAMPIÃO!
Napoleão Tavares Neves (*)
O Cariri tem de tudo, em termos de natureza, isto é, belezas naturais e em termos humanos e históricos.
Nas quebradas da Chapada do Araripe no município de Missão Velha, mais precisamente no escondido e isolado vilarejo de Gameleira de São Sebastião ou Gameleira do Pau, há uma bucólica fonte de águas límpidas que já conversou com Lampião e Sabino Gomes, sobretudo nos anos de 26, 27 e 28: é a caudalosa e bucólica Fonte da Pendência ainda tão primitiva quanto o era na década de 20! Incrível! Ali era o paraíso caririense de Lampião e seu bando, onde ficavam a salvo de perseguição policial, tomando banho nas águas límpidas da Pendência e comendo churrasco dos bois gordos que pastavam no cimo da Chapada do Araripe e iam à fonte matar a sua sede.
E havia fator de tranqüilidade para Lampião, além do isolamento geográfico e topográfico do lugar: Pendência fica na Fazenda Serra do Mato do poderoso coronel Santana, amigo de Lampião e genitor do prestigioso Juiz de Direito, Dr. Juvêncio Joaquim de Santana.
Assim, quando cansado das escaramuças com a polícia pernambucana nos sertões do lendário Pajeú, Lampião costumava refugiar-se na Pendência onde também se abastecia de munição. Ainda hoje, vez por outra, costumo ir a Pendência e ali fico ouvindo o marulhar das suas águas naquela solidão quase sepulcral! Ainda hoje Pendência é uma ilha de tranqüilidade em meio à azáfama da vida moderna!
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(*) Escritor, conferencista e médico; de Barbalha-CE.
AS CRÔNICAS DO CANGAÇO – 11 (SENTIMENTOS CANGACEIROS)
Por: Rangel Alves da Costa(*)
AS CRÔNICAS DO CANGAÇO – 11 (SENTIMENTOS CANGACEIROS)
É próprio do ser humano ter sentimentos e, dentro da normalidade física e psíquica, poder expressá-los. Nada mais normal, ainda que não habitual em muitas pessoas, que tais sentimentos sejam proclamados através da dor, da saudade, do choro, da tristeza, da alegria, do amor, do enraivecimento.
Não somente as pessoas tidas como frágeis escancaram suas angústias e aflições; do mesmo modo, as alegrias e os regozijos não estão afastados daqueles que se mostram angustiados e aflitos. Tudo é uma questão de condicionamento psicológico e de propensão comportamental.
E por que esse preâmbulo psicológico, se à primeira vista nada tem a ver com aspectos cangaceiros que se pretende abordar? Ora, exatamente para dizer que aquelas pessoas entranhadas no meio do mato, combatendo, fugindo, perseguindo, matando e morrendo, comumente conhecidos como cangaceiros, também eram possuidoras de todos os sentimentos existentes nas pessoas citadinas.
Pode-se afirmar sobre a existência de uma psicologia cangaceira. Ora, se a psicologia é a ciência que trata da mente e de fenômenos e atividades mentais; é o mecanismo de aferição do comportamento animal e humano em suas relações com o meio físico e social, então se enquadraria bem na análise comportamental dos homens das caatingas.
Principalmente o meio físico e geográfico, aliado às constantes tensões, nervosismos, alto senso de alerta e preparo mental para agir rapidamente diante das situações mais inusitadas, tudo isso fazia com o cangaceiro fosse condicionado psicologicamente. E era tal condicionamento que o diferenciava dos demais, mas apenas no que dizia respeito a ver a realidade de uma forma mais negativista. E não sem razão diante do meio em que vivia e de tudo aquilo que o circundava.
Contudo, nada disso impedia que os sentimentos de cada um continuassem preservados intimamente. Quase sempre o cangaceiro se dividia em dois na sua guerra sertaneja: o que se transformava em verdadeiro animal, um bicho medonho na hora da luta, e o que se reencontrava nas horas de descanso e repouso, nos momentos de compartilhamento e de atitudes que beiravam a infantilidade.
Jovens na sua maioria, vez que muitos ali enveredaram nas lides com doze, treze ou quatorze anos, não conseguiam afastar de si os jeitos e atitudes de verdadeiros meninos sertanejos. Era preciso que os mais velhos, principalmente o líder Lampião, vez em quando estivessem gritando para que parassem com aquelas brincadeiras que poderiam descambar em confusão. Mas no mesmo instante, ao ecoar o grito chamando à ação, cada um se encouraçava ferozmente para a batalha.
Arrisco a dizer que possuíam sentimentos ainda mais aflorados do que muitos daqueles vivendo confortavelmente na suas casas. E arriscado afirmar isso porque logo suponho alguém dizendo que uma vez instalados no bando, vivendo os perigos de todo dia e compromissados apenas com a defesa e o ataque, logo se tornavam mais bichos do que homens e, por consequência, passariam a desconhecer qualquer tipo de sentimento que não o da vingança.
Creio que se pode encarar tal premissa por outro viés. O homem se transforma e embrutece totalmente, perde o senso humanista que deveria possuir, seja nas brenhas sertanejas ou em qualquer outro lugar. Daí que fazer parte de um bando de cangaceiros não é aspecto suficiente para tornar o ser humano distanciado daqueles sentimentos básicos e próprios de cada um.
Percorrer caminhos de sangue, ser amigo do bicho, conviver com o perigo, fazer emboscada, atirar pra matar, querer ver a destruição total do perseguidor, nada disso impede que o sentimento do homem continue sempre ativo no seu âmago. E ao fugir, ao se esconder, ao fazer tudo para não ser alvejado e tombar, outro sentimento se expunha expressivamente: o da autopreservação.
Quem gosta de si, quem procura se preservar, quem valoriza a sua realidade, ainda que seja a mais difícil e cruel, é o mesmo que gosta da vida e quer continuar vivendo. E que valia teria na vida esse homem sem ter sentimentos? O sentir nada mais é do que a afirmação do ser humano perante sua realidade. Se a realidade era cangaceira, matreira, cruel, traiçoeira, tantas vezes inimiga, ainda assim nada era levada adiante se não houvesse uma força maior justificando cada ação boa ou ruim.
Os anais da história, principalmente aquela menos compromissada com a verdade e a realidade dos fatos, estão repletos de situações e exemplos tentando desumanizar, senão bestializar a todo custo o indivíduo cangaceiro. A partir de situações pontuais, de atitudes impensadas de um cangaceiro ou outro – e, portanto, normais em se tratando de ser humano e sua propensão a erros -, páginas e mais páginas, depois repassadas de boca em boca, passaram a asseverar, de modo generalizado, a perversidade dos cangaceiros.
E tomam como justificativa episódios que foram desvirtuados, completa e negativamente transformados, para afirmar que aonde o bando de Lampião chegasse, ou até mesmo de outro grupo cangaceiro, as marcas de sangue ficariam, vidas seriam ceifadas, atrocidades cometidas a torto e a direito.
Por isso mesmo se tornou comum ouvir dizer sobre cangaceiros estupradores, bestas humanas desvirginando a infância e deixando famílias órfãs, perigosos arruaceiros que destruíam tudo por onde passavam, cabras que jogavam criancinhas para o alto e as esperava na ponta do punhal. Desse modo, foram criando situações imaginárias, de cunho desconceitual, com o único intuito de negativar, senão enlamear, o fenômeno cangaço.
Como já afirmado, santinhos também não eram. Perigosos sim, demais; potencialmente assustadores. Mas eis aí também duas faces para serem assim. Viviam numa guerra de vida e de morte, não chegavam aos lugares em festiva comitiva, havia uma necessidade de impor realmente medo por não saber o que encontrariam pela frente. Mas depois do reconhecimento do lugar, apenas um bando que geralmente seguia em direção à casa de um amigo que existisse por ali.
Verdade é que a maioria das pessoas se pelava só em ouvir o nome do bando de Lampião. O medo era tanto que bastava ouvir dizer que os cangaceiros se aproximavam e famílias inteiras abandonavam suas casas e corriam para os esconderijos nas matas, por um lado que certamente os cangaceiros não iriam. Isso aconteceu por diversas vezes na povoação sergipana de Nossa Senhora da Conceição do Poço Redondo. Bastava o bando despontar ao longe e o lugarejo ficava praticamente deserto.
Como muitos jovens haviam praticamente fugido de suas famílias para enveredarem nas lides cangaceiras, e também pelo medo que as mocinhas se encantassem com os jovens bandoleiros e fossem tentadas a segui-los, então os pais não viam outra opção a não ser gritar pelos seus e correr mataria adentro. Contudo, em situações como tais não há que confundir medo dos cangaceiros com ódio ao bando de Lampião. Desde aquela época o nome do Capitão era venerado e reconhecido como necessário para combater as muitas injustiças perpetradas naquele mundo de maioria desvalida.
Por último, ninguém pode negar que, pessoalmente, muitos cangaceiros cometeram atrocidades. Um dos mais cruéis talvez tenha sido Zé Baiano. Além de assassinar a pauladas a companheira e também cangaceira Lídia ao flagrá-la em adultério, ficou conhecido como o carrasco ferrador, pois costumava deixar nas faces das mocinhas sertanejas as iniciais do seu nome gravadas com ferro em brasa.
Tais, pois, são alguns dos muitos aspectos comportamentais dos cangaceiros que não podem deixar de ser considerados. Essencial para entender o homem perante o meio e na sua consequente ação. Aconteceu no cangaço e acontece na vida que o homem reflete o seu momento sem deixar de se refletir no espelho da alma, daquilo que é diferentemente do que imaginam que seja.
Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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