Por RODRIGO CASARIN PUBLICADO EM 25/04/2019
Em 1963, o
senador Arnon de Mello disparou contra um adversário, errou o alvo e acabou por
matar o colega José Kairala.
“Senhor
presidente, com a permissão de Vossa Excelência, falarei de frente para o
senador Silvestre Péricles de Góes Monteiro, que me ameaçou de morte.” Com
essas duras palavras, o também senador Arnon de Mello, de Alagoas, inaugurou os
serviços no Senado no dia 4 de dezembro de 1963.
Os
desentendimentos entre Arnon e Silvestre se arrastavam havia tempos, desde que
tentaram medir quem era mais influente em Alagoas, Estado de origem de ambos. O
presidente da Casa, o paulista Auro de Moura Andrade já dava evidências da
preocupação que tinha com o clima de tensão que ali vinha se instalando. A fala
de Arnon diretamente dirigida ao seu inimigo político foi o estopim para que se
iniciasse um faroeste caboclo no Senado.
Silvestre não
aceitou o desaforo e atacou verbalmente Arnon, que, por sua vez, sacou o
revólver que carregava consigo – um Smith Wesson 38, ou três-oitão, na
linguagem popular, de cano longo e cabo de madrepérola – e disparou várias
vezes. Nenhum dos tiros atingiu Péricles, que também estava armado, mas que
“jogou-se no chão e rastejou entre as fileiras de poltronas com seu revólver na
mão”, como relata reportagem do Jornal do Brasil, antes de ser amparado e
desarmado pelo colega paraibano João Agripino.
Dois
projéteis, no entanto, acertaram José Kairala, senador do PSD do Acre, que,
junto com Agripino, procurara conter os “excelentíssimos senhores” de armas em
punho. Kairala tinha 39 anos e substituía momentaneamente José Guiomard, do
mesmo partido. Eram suas horas derradeiras no exercício da função, pois
devolveria o cargo no dia seguinte ao titular. Ele foi baleado na frente do
filho pequeno, da esposa e da mãe, que haviam ido prestigiá-lo no último dia de
tão nobre trabalho. O disparo acertou seu abdômen. Embora tenha sido socorrido
rapidamente e levado ao Hospital Distrital de Brasília, ele faleceu no mesmo
dia, pouco depois das oito horas da noite.
Inocentes
Nascido em
setembro de 1911 no Estado pelo qual foi eleito, Arnon de Mello tornou-se
jornalista já quando morava em terras fluminenses, para onde mudou aos 19 anos.
Pouco depois, se formou em direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ). Sua carreira política começou em 1945, com o fim do Estado Novo, quando
entrou para a UDN, partido pelo qual foi eleito suplente de deputado federal e,
em 1950, governador de Alagoas, cargo que ocupou ao longo de cinco anos.
Depois, em 1962, um ano antes de cometer o assassinato, foi eleito senador pela
mesma unidade federativa.
Jornal O Globo
destaca a rixa entre os senadores / Crédito: Reprodução
Sua
trajetória, evidentemente, não apagou seu crime, mas ajudou a contorná-lo.
Pressionados pela população, logo os demais parlamentares aprovaram, por 44
votos a 4, a prisão dos dois colegas pistoleiros. Apesar de serem presos em
flagrante, assim como ocorre hoje, os outros senadores precisavam dar o aval
para que Arnon e Silvestre fossem encarcerados – mesmo com o segundo garantindo
ser uma “vítima desprevenida”, conforme registra o Jornal do Brasil na época.
No entanto, não demorou para que ambos estivessem soltos novamente. Antes do
meio do ano de 1964, tanto Arnon quanto Péricles foram declarados inocentes
pelo Tribunal do Júri de Brasília.
Revólver na
cintura
Ainda que
Arnon tenha desmentido, histórias contadas e recontadas na época garantem que,
enquanto permaneceu na cadeia, o senador mantinha o seu Smith Wesson 38
sempre consigo, o que intimidava os policiais responsáveis por garantir a
segurança do presídio – que se recusavam a se aproximar da cela do parlamentar
detido.
Na época,
curioso também foi um dos editoriais do jornal O Globo a respeito da
prisão de Arnon, então amigo e sócio de Roberto Marinho, proprietário do
periódico. “A democracia, apesar de ser o melhor dos regimes políticos, dá
margem, quando o eleitorado se deixa enganar ou não é bastante esclarecido, a
que o povo de um só estado – como é o caso – coloque na mesma casa legislativa
um primário violento, como o senhor Silvestre Péricles, e um intelectual, como
o senhor Arnon de Mello, reunindo-os no mesmo triste episódio, embora sejam
eles tão diferentes pelo temperamento, pela cultura e pela educação”, publicou
o jornal, deixando claro o lado que apoiava, ao usar adjetivos como “primário
violento” para Péricles e “intelectual” para Arnon, e fazendo questão de também
separá-los pelo temperamento”, pela “cultura” e pela “educação”, ainda que
fosse o incensado o responsável direto pelo crime.
Crime, aliás,
que voltou a ser notícia em Brasília em 2009, pelas lembranças do senador Pedro
Simon, que, após uma discórdia com Fernando Collor de Mello, afirmou: “É
incrível! Me veio a imagem do pai dele, que atirou no senador Kairala e o
matou. O pai do Collor errou o tiro, mas ontem [parecia] que ele estava na
minha frente, na minha reta! Foi assustador, saía fogo dos olhos do senador
Fernando Collor (...). E eu não falei nada demais dele, quando o vi entrar
correndo, completamente transtornado”. Sim, Arnon de Mello era pai do
ex-presidente do Brasil Fernando Color de Mello, que renunciou ao cargo em
1992 durante processo de impeachment e atualmente é senador por Alagoas, como o
pai havia sido.
Depois de
deixar a prisão, Arnon foi nomeado novamente em 1970 para o mesmo cargo que
ocupara antes. E, quando faleceu, em 1983, ainda representava o estado de
Alagoas no Senado.
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