... A não ser
estes fatos isolados, Simão Dias não conhecia façanhas de valentões e
cangaceiros, senão pela leitura de livretos com historietas populares em
versos, vendidos nas feiras, cujas ações e façanhas também tinham por cenário
os longínquos sertões do Ceará, Paraíba e Pernambuco, onde se celebrizaram
Antonio Silvino, Lampião e outros.
A cidade e seu município viviam na mais completa tranqüilidade, sem notícias de bandidos.
No ano de 1928, surgiu, no nordeste baiano, o famigerado bando de Lampião, assaltando fazendas e povoações, matando, roubando, violentando mulheres, e impedindo o desenvolvimento da produção em todos os setores.
Um sistema de
espionagem, desconhecido, inteligente e impressionante, surgiu, de um momento
para outro, em toda a região. Era o chamado “coiterismo”, enchendo de pavor as
populações rurais. As fazendas, roças e sítios, foram abandonados pelos
indefesos camponeses.
As correrias do temível bando iam, cada dia mais, se aproximando de Simão Dias.
A população da cidade, de índole pacífica, desconhecendo lutas dessa ordem, vivia sobressaltada, mas de algum modo confiada no destacamento policial, preventivamente reforçado.
A população da cidade, de índole pacífica, desconhecendo lutas dessa ordem, vivia sobressaltada, mas de algum modo confiada no destacamento policial, preventivamente reforçado.
O desassossego cresceu quando o destacamento foi recolhido, mobilizado em face da revolução desencadeada no país, na madrugada de 3 de outubro de 1930.
Desguarnecida, Simão Dias seria presa fácil para Lampião e seus sequazes. Na manhã do dia 17 de outubro de 1930, a cidade foi sacudida por um telegrama recebido pelo coronel Felisberto Prata, alto comerciante da praça, comunicando a tentativa de assalto à cidade de Capela, pelo bando, e a partida de mesmo em direção a este município.
Começou o
êxodo, a princípio ordenado, apenas para os que dispunham de transportes
motorizados; logo mais, com a chegada de notícias do assalto à vila do Pinhão,
distante quatro léguas, estabelecendo-se verdadeiro pânico. As famílias,
desordenadamente, partiam para os matos, com suas improvisadas trouxas.
Cerca das 15
horas, os bandidos se aproximavam da cidade, infundindo maior terror.
Às 16 horas, foi improvisada uma resistência. O Dr. Marcos Ferreira; o ex-aluno da Escola Militar, Antônio Carmelo, e o autor deste trabalho, chefiavam o movimento, constituindo o seu “Estado-Maior”.
A mobilização
foi rápida e sem atropelos. Os mais diversos tipos de armas, obsoletas em sua
grande maioria, apareceram num instante: revólveres de diversas marcas,
pistolas, garruchas, espingardas de caça dos mais variados feitios e calibres,
velhos trabucos, bacamartes de festejos juninos etc.
Uma notável
disciplina, entre os voluntários, enchia de entusiasmo e confiança os três
homens do Estado-Maior. Reunido este, concertando os planos para a defesa da
cidade, eis que chega o primeiro ultimato de Lampião. Era portador da
mal-escrita mensagem, o agricultor Fausto José da Conceição, conhecido por
Fausto Dodô, homem morigerado, que trazia no semblante a aflição por ter
deixado um seu filho menor, o jovem João Conceição Neto, prisioneiro, como
refém dos bandidos. Simão Dias deveria cotizar-se e mandar o dinheiro exigido,
sob pena de ser assaltada imediatamente.
A intimação,
ao invés de desanimar os locais, encorajou-os para a luta, que seria desigual,
dada a inexperiência dos defensores.
Uma segunda intimação vinha de mais de perto, da “Ladeira de Pedras”, onde o bando se encontrava, olhando para a cidade.
Esta nova
intimação levou os defensores a ocupar os seus lugares. As platibandas das
casas residenciais, ou comerciais, as esquinas, os becos, os montes de pedras
ou de material de construção, tudo servia de trincheira aos da resistência. Em
dado momento o silêncio foi quebrado. Ouviu-se um tiro, que pareceu ter sido
disparado lá para os lados da “Ladeira de Pedras”, onde se encontravam os
bandidos. Nisso o corajoso Manuel Oliveira, vulgarmente conhecido por Manuel
dos Motores, que chefiava a um pequeno grupo, foi levado a uma temeridade
providencial. À frente dos seus rapazes, tomou a ofensiva, marchando direto
para o lugar onde os bandidos se achavam. Precipitadamente, o grupo fez fogo
antes de atingir distância para o alcance de suas armas. Foi o estopim. De
todos os pontos da cidade, dos telhados, das esquinas, de todos os lados,
enfim, partiam tiros e tiros, num pipoquear formidável dos mais diversos tipos
de armas, disparadas a esmo. Verdadeiro desperdício de munição. Mas esta
imprudência levou o bando assaltante a acautelar-se. Lampião não contava com
“coiteiros” que lhe expusessem a verdadeira situação da resistência, e não quis
atrever-se a entranhar-se nas estreitas ruas, perigoso labirinto que
desconhecia.
Houve a retirada para o interior, a tudo levando de roldão, num requinte de perversidade.
Ao passar pelo sítio Olhos d’Água, o bando infrene espantou famílias ali desconhecidas, que correram de volta.
À meia-noite
em ponto, o lúgubre silêncio da cidade escura foi quebrado por um disparo
partido de um mata-burro, na estrada de rodagem, que servia de linha-avançada
dos defensores.
Atordoadas, as
famílias fugitivas não compreenderam a senha que se pedia da trincheira,
avançando precipitadamente de encontro à mesma. Uma infeliz senhora, em
adiantado estado de gravidez, foi fulminada por uma bala que partira da
resistência, num evidente erro de fato. Também o disparo casual de uma arma
conduzida por um dos rapazes de Manuel dos motores fulminou outra mulher.
Com a retirada
dos bandidos para o interior, mesmo assim a intranquilidade permaneceu, pois,
conforme se sabia, a retaguarda do “capitão” era sempre coberta pelo seu
lugar-tenente, o temível Corisco, à frente de bando menor, mas igualmente
destro e perverso.
Corisco, porém, não viria, pois que fora também obrigado a acautelar-se, com a experiência de seu ataque ao sítio de Porfírio Chagas, na Caraíba. Porfírio, setuagenário valente, sozinho em sua residência, com um rifle “papo-amarelo”, recebeu o grupo de Corisco à bala, com bastante ânimo para resistir. Fugiram os assaltantes. Deixaram marca de sangue nas estradas.
Os bandoleiros, anos a fio, mantiveram a intranquilidade em todo o município, obstando o desenvolvimento da produção. O comércio de Simão Dias sofreu as desastrosas conseqüências do “ciclo lampiônico”.
Com a vitória
da revolução de 1930, nomeado Interventor Federal em Sergipe o bravo militar
revolucionário Augusto Maynard Gomes, todas as garantias foram dadas às
populações, até o completo extermínio do cangaceirismo na região.
Texto extraído
do livro “Simão Dias – Fragmentos de sua História”, de CARVALHO DÉDA, advogado,
jornalista e político baiano (vide resumo biográfico do autor).
Fonte: facebook
Página: Antônio
Corrêa Sobrinho
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