Por: Professor Manoel Neto
Popularíssimo
nas primeiras décadas do século passado com uma legião incontável de leitores
espalhados por esse país continental, Humberto de Campos Veras, maranhense,
nascido no ano de 1886, em Miritiba – cidade que hoje carrega o seu nome –
morreu prematuramente no ano de 1934, aos 48 anos, no Rio de Janeiro, para onde
se transferira em busca de melhores condições de trabalho e de vida, tendo com
ele desaparecido sua popularidade, sendo hoje absolutamente ignorado pela
grande maioria dos brasileiros, mesmo àqueles menos desinformados.
Garoto pobre,
órfão de pai nos primeiros anos da sua breve existência, Humberto cedo conheceu
a obrigação cotidiana do trabalho, transformado que foi com o passamento do seu
genitor, em arrimo de família. As tarefas cotidianas se dificultaram sua ida à
escola não o afastou, porém, dos livros e das leituras, amor que carregaria por
todo tempo.
Autor
prodigioso, dono de uma prosa fluente e erudita, porém, saborosamente
coloquial, o escritor maranhense que também viveu no Pará, estreou na
literatura com o volume de poemas “Poeira” entregue ao público em 1910, quando
contava 24 anos de idade. Capítulo em separado dos seus escritos são os
“Diários Secretos”, narrativa em dois volumes que postumamente lançadas
provocou escândalo entre os intelectuais e a sociedade como um todo, em razão
das inconfidências e comentários desairosos sobre figuras de destaque na vida
pública da Capital Federal, o provocando constrangimentos
generalizados.
Desembarcado
no Rio de Janeiro em 1912, procedente de Belém do Pará, onde já se fizera
notório como cronista escrevendo para os jornais “Folha do Norte” e “Província
do Pará”, galga prestígio rapidamente e já em 1919 é eleito para a Academia
Brasileira de Letras, na cadeira número 29, sucedendo ao seu amigo Emílio de
Menezes, láurea que vai lhe acrescer em fama e respeito junto aos seus leitores
e pares.
Humberto de
Campos
Prosador e
poeta, crítico, jornalista e político, Campos nos legou uma obra que relida nos
dias que correm demonstram o seu talento singular, em que pese fortemente
marcada pela temporalidade, o que por outro lado nos permite também revisitar o
país que Humberto viveu e reportou com a assiduidade de um militante da palavra
que ele incontestavelmente o foi, Diria mesmo que os seus textos são fontes
documentais valiosas para o historiador que deseje estudar o Brasil daqueles
dias tumultuados.
Pois foi
relendo um dos seus muitos trabalhos, conjunto de crônicas reunidas e que
originaram os volumes “Notas de Um Diarista”, publicados em duas séries, nos
anos de 1935 e 1936, após o falecimento do escritor, que surpreso constatei não
ter passado despercebido ao cronista, as façanhas do Capitão Virgolino Ferreira
nas caatingas da Bahia e outros estados nordestinos. Ao contrário, mais de uma
vez ele fez do cangaço o seu tema, o que ratifica ter sido o assunto recorrente
na imprensa “brasilis” do Oiapoque ao Chuí.
A primeira
destas crônicas – “A Última Proeza de Lampião” – estende-se da página
27 a pagina 30, em frente e verso. Logo de saída o articulista anuncia a sua fonte
de informação:
“Um telegrama
da Bahia, publicado ontem no Rio de Janeiro, descreve mais um feito sanguinário
do maior e mais terrível sanguinário que tem imperado nos sertões do Brasil: a
frente de 60 apaniguados ferozes e bestiais, “Lampião” invadiu a vila de Curuçá[1] (sic),
estuprou, roubou, depredou, matou, afixou, enfim, em cada rua e em cada casa, o
selo fatídico e vermelho que assinala sempre a sua passagem. Quinze
homens válidos e pacíficos tombaram sangrados pela suas mãos. E o coração de um
deles, arrancado pela garganta, foi levado em troféu entre gritos de animação,
de entusiasmo e de vitória”. (CAMPOS. Notas De Um Diarista, p. 27).
O forte apelo
dramático do texto não é casual. Ao apresentar para seu leitor homens ferozes e
bestiais, violentos e capazes de ações que nos remetem a barbárie, Humberto de
Campos não foge a regra vigente, era assim que a mídia retratava os
cangaceiros. Demonizá-los era imprescindível para justificar a violência do
braço aramado do Estado. Não há dúvida que os bandos que infestavam o Nordeste,
usavam o terror como instrumento de coação e controle sobre as populações,
notadamente os grupos sociais mais vulneráveis, geralmente trabalhadores rurais
e pequenos proprietários. Para aqueles que não aderiam direta ou indiretamente
ao cangaço, integrando os bandos ou servindo como coiteiros e informantes, a
existência era perturbada pela atribulação, pela violência que partia tanto dos
grupos marginais, quanto do próprio Estado, através das volantes que agiam de
forma arbitrária e discricionária.
Quanto à
notícia propriamente dita ela merece muitos outros reparos. Que a região
e a cidade eram local de passagem contumaz dos malfeitores e das forças de
repressão é fato incontestável. Duvidosa é a informação de que Virgolino se
fizera acompanhar de “60 apaniguados”, quando nesta fase da luta o Rei do
Cangaço já procedera à subdivisão do seu pessoal dispersando-os em pequenos
ajuntamentos, visando maior mobilidade e, por consequência, mais segurança. Por
outro lado ataque de tal monta, com tantos mortos, mutilados e violência sexual
repercutiria muito mais amplamente. Na Bahia mesmo temos como exemplo a chacina
em Queimadas, no ano de 1929, incidente até hoje fartamente
documentado e referenciado por escritores, jornalistas e pesquisadores.
[1] Curuçá, como
grafou Humberto de Campos é uma cidade do Pará, como também, um distrito com
topônimo semelhante, pertencente à cidade de São Paulo. Na Bahia
existe o município de Curaçá, cuja existência como tal remonta ao
final do século XIX, mais precisamente 1890, quando o local foi elevado a
categoria de cidade, estando inserido até hoje me zona onde transitaram e de
onde saíram muitos cangaceiro zona do semiárido baiano..
Continua...
Manoel Neto
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