Por Rangel Alves
da Costa*
O silêncio
quer apenas silenciar, mas a pessoa em silêncio não deixa. Sua voz emana do
pensamento, vem da recordação, grita na tristeza e na aflição.
Ao entardecer,
sem pessoas ao redor, com tudo parecendo deserto e distante, a janela é aberta
para que entre alguma luz e um perfume na brisa. E logo chegam as vozes do
silêncio.
O vento sopra,
passa carregando folhas mortas, e no seu passo um livro antigo guardando
recordações. Relembranças amareladas, envelhecidas, mas ainda tão presentes.
Então o
silêncio é entrecortado pela palavra. E esta vindo de um baú antigo que é
reaberto para dele surgir a revivência de tudo. E surgem as vozes a e as
palavras.
É triste o
diálogo entre o presente e o passado. A voz que emerge na estrada do tempo
outra coisa não traz senão o desejo do reencontro. Doloroso porque impossível
de acontecer.
“Minha mãe,
minha mãe, como a senhora está bela nesta fotografia. Não tão bela quanto a
presença e quando vestia aqueles vestidos rendados para a missa dominical”.
Diante da
fotografia retirada do baú da memória, é esta a voz que surge perante muitos
outros diálogos que vão surgindo. E sempre afligindo por dentro, dilacerando a
alma.
“Ainda hoje
guardo na boca o gosto daquele bolo de ovos e daquele doce de leite que a
senhora fazia para tomar minhas rédeas. Ou faz assim ou não ganha bolo nem doce
de leite”.
Ao redor o
silêncio, mas a voz interior. Enquanto o vento sopra e canta sua canção da
tarde, a memória vai buscar relíquias e a saudade insiste em chegar ao olhar.
“Ainda hoje
recordo desse rosário de contas. E também do oratório no canto do quarto e a
Bíblia na banquinha ao lado da cabeceira da cama. E suas mãos procurando um
Salmo”.
Imagina que
fechando o baú e caminhando um pouco pelos cantos do quarto, as memórias se
dissiparão e enfim retomará apenas o seu instante de silêncio e solidão.
Mas não
consegue. Fecha os olhos, cai um fio de lágrima, e as páginas do passado se
abrem ainda mais visíveis diante de si. Álbuns, retratos, escritos,
fotografias, relíquias.
“Mamãe, mamãe,
por Deus como eu preciso encontrar aquela corrente dourada que um dia a senhora
me presenteou. Tão belo o meu retrato descendo na pequena moldura”.
O cortinado se
agita pela ventania que passou a soprar. As folhagens murmurejam ao redor, as
árvores parecem gemer, mas nada disso percebe. Apenas a recordação tem voz.
“Um retrato
que encontrei muito tempo depois, muito tempo depois da partida, daquele adeus
tão próximo um do outro. Meu pai partiu de saudade, minha mãe, bem sei”.
Cai ao chão um
jarro com flores de plástico. Uma folha seca avança pelo quarto e vai repousar
bem acima do colo. Mas é como se nada acontecesse além da recordação.
“Meu pai nunca
mais mostrou alegria depois de sua partida. Fingia felicidade, mas a tristeza o
consumia por dentro. Chorava escondido, sofria escondido. E foi ao seu
encontro”.
Depois de uma
lufada de vento mais forte, então uma chuva começou a cair. Os pingos entravam
pela janela como num açoite, molhando tudo ao redor. Mas nada era percebido.
“Depois disso
a minha solidão. Por mais que a vida me chame a viver, sei que não posso me
distanciar do passado. Ali toda a minha felicidade, ali o verdadeiro viver”.
Não sentia os
pingos chegando até onde estava nem as lágrimas descendo em rios pelo seu rosto.
Não sentia sequer que a escuridão agora tomava conta de tudo.
“Hoje somente
retratos, somente lembranças, somente os retratos da parede. Minhas alegrias
estão nos reencontros de todo dia e minhas tristezas também. E tudo dói
demais”.
Tudo parecia
noite fechada. Mas a noite havia chegado mesmo. Passou a mão pelo rosto e se
percebeu chorando. Não era para chorar, não tenho motivos para chorar, disse.
E ao dizer sua
voz cortou o silêncio. Em seguida levantou para guardar sua caixa de tristezas
e recordações. Tudo dentro de um coração sofrido e amargurado.
Poeta e
cronista
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