Por Wesley Ferreira da Silva
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Por Wesley Ferreira da Silva
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Por Geraldo Júnior
https://www.youtube.com/watch?v=oeHbvNd0Ddo&ab_channel=Canga%C3%A7ologiaDepoimentos como esse que vocês terão acesso ao assistirem esse documentário estão a cada dia mais difíceis de se encontrar. Um relato formidável de um antigo morador da cidade cearense de Penaforte que cresceu ouvindo as histórias contadas por seus pais e pessoas próximas a respeito da passagem devastadora e sangrenta do cangaço pela região e principalmente sobre os motivos que levaram o célebre Arlindo Rocha a abandonar sua vida pacata e se alistar na polícia pernambucana a fim de resguardar sua honra e a sua integridade física e de amigos e familiares. Arlindo Rocha tornou-se em pouco tempo um dos maiores inimigos de Lampião e de seus aliados durante a chamada primeira fase do cangaço lampiônico que durou até agosto de 1928, quando Lampião e o que sobrou do seu dizimado bando atravessam para o estado da Bahia. Histórias do nosso sertão nordestino guardadas na memória de pessoas simples e humildes como o senhor Joaquim Pereira Lima (In memoriam), que contará o que sabe a respeito dos acontecimentos. Assistam e ao final deixem seus comentários, críticas e sugestões.
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Por Helio Xaxá
Um dia tudo isso passa
Eu sei, Deus É Maior!
Vida eterna é uma graça
Porém olhar ao redor
E ouvir tanto choro triste...
A dor que estou sentindo
Duvida que Deus existe
Vendo os amigos sumindo...
Pai, mãe, amigos e irmãos
Somente amados se indo...
Anjo de Deus do Céu vindo
Leva-os e deixam-nos órfãos.
Como posso ter paciência?
Como vou sentir gratidão?
Sei, são grandes dons
Mas por que só os bons
Que tipo é esse de ascenção!?
Não seria uma incoerência
Bons morrem, maus não?
Responda-me, Senhor!
Eu tenho fé no teu amor
Mas sou leigo de reencarnação.
Ilumina-me o pensamento
Dá-me o entendimento
A Graça da tua compreensão...
Perdoa o meu atrevimento
Alivia-me o sofrimento
Peço para Terra cura e benção.
Hélio Xaxá
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Por Sálvio Siqueira
Há vários fatos, e contrafeitos, referentes a historiografia cangaceira que nos mostram, através de alguns autores, a falta de aprofundamento, pesquisa e análise sobre os mesmo e, infelizmente, vem a tona a desagradável geração, criação e o fantasiamento destes fatos, locais e lugares sobre a história de um povo num passado recente.
Dentre tantos e tantos acontecimentos ocorridos encontramos ‘falhas’ descrevendo-os. Tanto entre aqueles que relatam o que não aconteceu como aqueles que escrevem o que outros não proferiram. Parecendo como querendo o autor, ou orador, puxar para si uma verdade inexistente ou a criação do ocorrido, falando ou colocando no papel o que queria que tivesse acontecido. Quebra-se, com tais infortúnios falados e escritos a História vivida.
Felizmente, para nós que gostamos da verdade histórica, de seus relatos imparciais, ainda existem aqueles que são verdadeiros, sinceros e repassam tudo isso para seu trabalho literário.
Retornando ao fator polêmicas da historiografia cangaceira, eis que surge a maior dentre todas: a morte de Lampião na aurora do dia 28 de julho de 1938.
O pesquisador e escritor Sérgio Dantas, Juiz de Direito, autor de diversos livros como “Lampião Entre a Espada e a Lei”, “Corisco – A Sombra de Lampião”, “Antônio Silvino – O Cangaceiro, O Homem, O Mito”, “Lampião na Paraíba – Notas para a História”, “Lampião e o Rio Grande do Norte – a história da grande jornada”, "Lampião O Processo de Martins", que, infelizmente, confidenciou-me que não mais editará trabalhos literários, livros, sobre determinadas personagens históricas do Fenômeno Social Cangaço, produziu um trabalho sobre esse fato polêmico, a morte de Lampião, vindo, cientificamente esclarecendo alguns tópicos colocados em tese por outros autores.
Sálvio Siqueira
Abaixo, o trabalho original, na íntegra, do grande escritor.
PS// Esse trabalho vale a pena imprimir, encadernar, encapar e, depois de ler, coloca-lo na estante para futuras consultas.
"NOTA EXPLICATIVA" E "TERIA SIDO O SANDES??"
Por Sérgio Dantas
NOTA EXPLICATIVA:
O pequeno texto abaixo discute, brevemente, a morte de Virgulino Ferreira, o ‘Lampião’ e a suposta autoria da fabulosa façanha.
A princípio a questão seria colocada na segunda edição no nosso livro ‘Lampião Entre a Espada e a Lei’. Todavia, diante do crescimento assombroso das mídias sociais - e da queda diretamente proporcional do estudo sistemático através dos livros -, o projeto infelizmente foi abandonado.
O texto que se segue é bem simples. O enxugamos bastante, mas seguimos o rigor científico.
Para que não nos acusem mais tarde de não ‘citar as fontes’ usadas na pesquisa, aqui as aponto exaustivamente – aliás, como sempre fiz. E todas elas declinadas com datas precisas. Sejam notícias; sejam trechos de entrevistas que fiz há anos atrás, quando muitos dos atuais mestres no assunto ainda sequer se debruçavam sobre ele....
Espero que as linhas a seguir sirvam como subsídio para os amigos que ainda pelejam sobre o personagem. Falo o ‘sobre o personagem’ porque o tema ‘cangaço’, em si, não é hoje estudado com a devida profundidade; não é muito levado a sério como deveria. Majoritariamente só se fala sobre Lampião, amiudando o assunto maior que o engloba. Quase nada se fala ou se escreve além do hoje mais explorado símbolo do Nordeste.
E mesmo sobre este cangaceiro, quase sempre só se colocam em relevo os episódios que culminaram com a sua morte na grota do ANGICO em julho de 1938. Toda uma vida de crimes e combates de duas décadas é praticamente deixada de lado. Parece que sequer existiram...
Que coisa danada esse episódio do ANGICO!!! Então, para não sermos diferentes e não fugirmos do palpitante - e repetitivo- tema, vamos debater um pouco mais sobre ele.
Algumas fotografias estão no final do texto.
S.D.
+ + + + + +
TERIA SIDO O SANDES??
Alta madrugada do dia 27 de julho de 1938. A tropa formada por cerca de meia centena de soldados – e comandada pelo tenente João Bezerra da Silva - aproxima-se do coito fincado na hoje bastante celebrada ‘Grota do Angico’.
Vencida a imensa ladeira formada por barrancos e serrotes fincados às margens do rio São Francisco, a aproximação é feita de formaextremamente cautelosa. Qualquer barulho, naquele momento, poderia denunciar definitivamente a presença da tropa e colocar em risco toda a operação.
Ferreira de Melo relembraria:
Andamos de quatro pés, de joelho, rastejamos, e quanto mais nos aproximávamos em meio à escuridão, falávamos aos cochichos, evitando, assim, que algum barulho viesse a denunciar a nossa presença naquelas imediações”.
(Gazeta de Alagoas, 14 de dezembro de 1965.
Elias Marques, um dos soldados da tropa, acrescentaria: “Eu não sei como nós conseguimos chegar até a grota sem que nenhum dos cangaceiros que estavam ali percebesse alguma coisa.
Nós começamos a subir parando a cada passo dado; avançávamos um passo e parávamos um pedaço, para ver se havia algum sinal de movimentação dos cangaceiros ou latido de algum cachorro.
Nada, nada, nada. Era um silêncio e um escuro de dar medo. Já começava a cair uma neblina; uma chuvinha bem fina, que é comum ali naquela época do ano. Se já era ruim a subida, ficou pior, pois não se via quase nada. De repente, o coiteiro que marchava na frente, Durval, deu o sinal que estávamos em cima do coito e aí o tenente mandou fazer alto”. (Entrevista, 20 de abril de 2007)
A volante finalmente chega ao lugar conhecido por Alto das Perdidas, pouco acima do esconderijo de Lampião. Se muito, cem metros de distância. O tenente Bezerra pesa o que pode ser feito naquele momento; qual a estratégia a adotar.
Pedro Rodrigues Rosa (Pedro de Cândido) teria lhe contado que o esconderijo, fincado no leito seco de um riacho, poderia ser cercado com sucesso por três lados: aquele onde acabara de estacionar a tropa, parte do leito pedregoso mais acima e o setor mais abaixo do mesmo riacho. A área imediatamente à sua frente, na margem oposta do leito, onde existe uma furna, não tem como ser atingido e ultrapassado.
Além de se erguer a prumo, é coberto por touceiras de macambira e densa vegetação de espinhos. Além disso, para alcança-lo, teria que seatravessar – de peito aberto - o acampamento inimigo.
Decidiu-se, sem demora, que a ala
encarregada de tomar o riacho em um ponto mais
abaixo seria comandada pelo aspirante Ferreira de
Melo. Pedro de Cândido, sob a mira das armas do
oficial e de seus soldados, os guiaria por aquele setor.
Disposta assim a primeira coluna,
Bezerra segue, guiado por Durval Rodrigues Rosa, com
o resto do contingente em direção à parte superior do
leito do riacho. Aqui se dividiria a tropa mais uma vez.
Ele próprio consignaria, em letra de forma, o seu
plano:
“Ao chegar a outros cinquenta metros
distante, mandei outro grupo avançar e
atravessar o mesmo riacho em que se achava
Ferreira de Melo e ficar ‘vis a vis’ à segunda
tropa já em posição. Eu tomaria o riacho,
ficando assim o grupo de Lampião em um
cerrado cruzamento de fogos”. (Silva,
1940:88).
O soldado Euclides Marques da Silva, o
‘Antônio Jacó’, contou a Antônio Amaury que, com
mais esta divisão, o cabo Juvêncio teria ficado com
cinco homens, o sargento Aniceto com mais cinco e o
restante ficaria sob as ordens de Bezerra. (Araújo,
2013:247)
O cerco aos poucos se fecha. Agora é
apenas questão de espera e paciência. A vida de
Lampião, naquele momento, está por um fio.
A barra do dia lança uma luz tênue
sobre o acampamento dos cangaceiros. Os soldados
começam a enxergar, ainda com alguma dificuldade, o
que lhe parece ser um grupo de ‘toldas’ feitas com
pano de chita. Estão espalhadas por quase toda a área
da grota, lado e outro do riacho, a formar uma
estranha cidadela de tecido ordinário. Também ouvem
o murmurar de vozes. Já havia cangaceiros acordados.
Uma ou outra silhueta humana pode ser percebida
com algum esforço.
O sargento Aniceto Rodrigues
recordaria, posteriormente, a orientação recebida pelo
tenente Bezerra antes de dispor as tropas:
“O nosso guia, o coiteiro Pedro de Cândido,
fixa o local do acampamento de Lampião.
Nossa tropa distingue já alguns dos
cangaceiros, que conversam. O tenente
Bezerra dá ordens. A tropa toma posição”. (O
Povo, 15 de agosto de 1938)
Enquanto isso, mais abaixo, Ferreira e
seus homens progridem pelo leito do riacho. Se
deslocam lentamente, de pedra em pedra, para não
serem percebidos. Os militares que evoluem mais à
frente da coluna também já começam a ver –
igualmente com dificuldade - o mesmo agrupamento de
barracas.
O próprio Ferreira assinalaria:
“Às 4 horas da manhã cercávamos o coito
com cuidado, dando ordem para avançar no
momento aprazado”. (Gazeta de Alagoas, 14
de dezembro de 1965)
Ferreira e seus homens aguardam,
portanto, apenas a ordem de Bezerra para invadir o
coito. Bezerra é o comandante e somente ele pode –
como fora combinado pouco antes – determinar o
ataque.
Enquanto isso, ali bem perto da tropa do
aspirante – até então mais avançada de todas -, um
cangaceiro com cantis nas mãos desce o riacho em
direção a um poço formado no meio das pedras. Sem
perceber, marcha ao encontro do pequeno troço
comandado pelo aspirante Ferreira. Sequer dá conta de
que, naquele instante, está na mira do fuzil do soldado
Abdon Cosmo, um dos membros da vanguarda.
O soldado Antônio Vieira, membro
daquela coluna, nos recordaria:
“Tinha uns companheiros mais adiantados,
em número de quatro ou cinco, eram quatro,
como vanguarda da tropa comandada pelo
aspirante Francisco Ferreira: companheiros
Antônio Ferro, Honorato, Zé Panta e Abdom.
Aí vimos o cangaceiro que vinha em nossa
direção. Olhamos para o aspirante, que
estava mais atrás de nós, e ele fez um sinal
com a mão, como dizendo para aguardar, e
não atirar naquela hora. (Entrevista, 04 de
abril de 2005).
Antônio Vieira, em outro ponto da
entrevista a nós concedida, seria taxativo:
“Fomos avançando devagar, e aí Abdom,
esse companheiro nosso, fez sinal mais uma
vez apontando com um dedo que tava vendo
um dos cangaceiros que vinha para onde nós
estávamos. O aspirante tava perto; assim
bem dizer do meu lado e sinalizou de volta,
como insistisse que não atirasse ainda.
(Entrevista).
O próprio Abdom relataria a Antônio
Amaury Corrêa de Araújo:
“Eu mais os meus companheiros estávamos
de joelho no chão e eu vim trazendo o
cangaceiro, que tava um pouco longe, na
mira do fuzil. O comandante, Chico Ferreira,
deu um sinal com a mão que eu não
atirasse”. (Araújo, 2013:237).
Abdom a princípio atende ao comando.
Continua, porém, com o cabra na mira. A distância
entre os dois, naquele instante, talvez não chegue a
cinco metros. O cangaceiro – apelidado de Amoroso -
se baixa para pegar água e ao se levantar, vê-se
praticamente de cara com o antagonista.
No mesmo instante Abdom atira. E atira
sem a autorização do aspirante. Precipita-se. É
possível que algum gesto feito pelo bandoleiro o tenha
assustado. Possivelmente teria disparado a arma até
mesmo por reflexo.
O tenente João Bezerra, quando ainda
organizava o cerco, minutos antes, havia ordenado a
todos que aguardassem a sua ordem para dar início ao
combate. Teria advertido, repetidamente, que ninguém
deveria atirar antes do seu sinal. Ainda não havia
tomado posição quando Abdom disparara o seu fuzil. A
Antônio Amaury, em entrevista realizada na cidade de
Garanhuns em 1969, relembraria Bezerra:
“Eu vou entrando aqui prá dentro. Digo:
vamos entrar aqui, eu ouvi o tiro lá: touuu!
Menino, foi um estrondo! Eita, que peste foi
aquilo? Que eu disse que não atirasse.
Quando eu me meti assim, aí abriu-se as
portas do inferno.. Faça de conta...ora, você
faça juízo: cem fuzis detonar a um tempo só!”
(Bezerra, Entrevista a Antônio Amaury, 1969,
cópia – gentileza Antônio Amaury C. Araújo).
O fato é que o soldado Abdom, mesmo
que inadvertidamente, teria contrariado a expressa
ordem do comandante da tropa. A ansiedade do
momento, além do próprio temor em ser descoberto
pelo cangaceiro, poderiam justificar o disparo
extemporâneo que quase poria a perder a operação.
O aspirante Ferreira de Melo
confirmaria, anos mais tarde, a versão apresentada a
Antônio Amaury por Bezerra:
“Ficou convencionado que o tenente Bezerra,
tão logo se aproximasse do esconderijo, daria
o primeiro tiro, no que seria seguido por todos
nós. Ocorreu, no entanto, que a minha tropa
tanto se aproximou dos miseráveis, ao ponto
de vermos, a poucos metros da nossa frente,
um cangaceiro de cócoras, apanhando água,
com uma cabaça ou cantil”. (Ferreira de Melo,
entrevista, Gazeta de Alagoas, 14 de
dezembro de 1965)
Importante é anotar que, naquele
momento, o dia ainda não tinha clareado totalmente. O
coito ainda estaria envolvido numa leve penumbra.
Para ver o cangaceiro assim tão próximo, Ferreira teria
que estar necessariamente no leito do riacho, junto a
um poço formado pela água das chuvas onde o
primeiro fora buscar água. De lá até a grota se teria
algo em torno de 70 metros. Não estaria Ferreira,
portanto, acima da furna – como se tem escrito
recentemente -, e sim bem abaixo do coito, junto ao
que se convencionou chamar ‘Poço do Tamanduá’. Foi
neste local que o cangaceiro ‘Amoroso’ teria ido pegar
água.
O tiro de Abdom faz eco nas paredes do
riacho:
‘Abriram-se as portas do inferno’ – como
diria João Bezerra anos mais tarde.
Ferreira de Melo também deixaria as
suas impressões sobre o início do fogo:
“Iniciada a batalha, confesso que nunca vi
quadro tão horroroso, principalmente em
virtude dos gritos horripilantes que os
cangaceiros davam. Eram gritos horríveis,
que assustariam a qualquer cristão, mesmo
preparado para o difícil momento”. (Ferreira
de Melo, Gazeta, idem).
O disparo feito pelo soldado dera início a
uma pesada carga de tiros. Agora, fuzis e
metralhadoras cospem fogo para todos os lados. A
fumaça dos disparos se mistura rapidamente à neblina
da manhã.
Conta-se que, logo aos primeiros tiros,
Lampião teria tombado. Não caíra, porém, sem ensaiar
alguma luta. Segundo Antônio Amaury, o cangaceiro
Vila Nova teria dito a Dadá, a mulher de Corisco - nos
dias imediatamente seguintes ao tiroteio -, que seria “o
único do grupo a estar totalmente equipado e, pelo fato
de estar bastante próximo a Lampião, ouviu o chefe
determinar alto, logo aos primeiros tiros – Oh meninos,
desce uns de vocês pro riacho!”. (Araújo, 2013:57).
O cangaceiro José Ribeiro, o Zé Sereno,
também não estava distante de Lampião naquela
madrugada. Deporia, mais tarde - em perfeita
consonância com o que narrou Vila Nova a Dadá –que
ouvira, efetivamente, o chefe gritar aos comandados:
“Vamos brigar, respondeu e alto para os
outros cabras: oh, meninos, descem aí uns de
vocês pro riacho!”. (Araújo, 1987:107).
Não é outro o depoimento de Manoel
Loyola, o Candeeiro. Em entrevista a nós concedida em
31 de julho de 2006, o antigo cangaceiro fora bastante
claro quanto aos primeiros momentos do entrave.
Assim nos contou:
“Quando o primeiro tiro foi disparado lá
embaixo, dentro do riacho, Lampião ainda
gritou ordem para os que estavam ali mais
perto dele...Quinta-feira, Vila Nova,
Pitombeira; os meninos que tavam ali de-
junto. Corre prá ali, atira ali lá baixo. E o
tiroteio cerrado; um escuro medonho lá pra
baixo, ninguém via quase nada; só se via
bem o clarão do fogo dos tiros”.
Lampião cai. Seu corpo está atravessado
por duas balas de fuzil. (2)
A autoria do chamado ‘tiro fatal’, porém,
permanece até hoje incerta. Antônio Honorato, o
‘soldado Noratinho’, reivindicou, em diversas
oportunidades, a responsabilidade pelo feito. Ninguém
o contrariou. Os militares, em sua totalidade, não se
opuseram à informação dada pelo colega de farda.
Bertoldo também assumiu, durante uma
entrevista, a autoria do disparo (Diário de Pernambuco,
2 de agosto de 1938).
Através de recente teoria, Frederico
Pernambucano sustenta que o soldado Sebastião
Vieira Sandes, o ‘Santo’, seria o responsável pelo tiro
que tirou a vida de Lampião. Em proveito da sua tese,
explica que o militar teria sido deslocado para o alto da
gruta, amarrado ao corpo do coiteiro Pedro de Cândido.
Acompanhava-os – segundo o historiador – o próprio
aspirante Ferreira de Melo.
Algumas observações devem ser feitas
aqui.
Ora, como poderia ter o soldado Sandes
matado Lampião no primeiro tiro - como quer
Pernambucano -, se vários cangaceiros depuseram, em
várias ocasiões, que o chefe ainda teve tempo de ‘dar
ordens’ ??
Curioso! – se dirá, ao mínimo.
Os cangaceiros Vila Nova e Zé Sereno,
bastante próximos do chefe, foram bem claros em
afirmar que Lampião já estava acordado e gritara
ordens aos comandados logo após o primeiro disparo.
Além desses dois, o cabra conhecido por
‘Pitombeira’ teria afirmado ao estudioso Alcino Costa,
anos atrás:
“Quando menos esperamos, o mundo caiu em
cima de nós. Uns ainda dormiam e outros já
estavam acordados. Eu tava bem ao lado da
barraca de Lampião (...) O capitão brigou.
Essa conversa dele não ter brigado é pura
mentira”. (Costa, 2011:395, com grifos
nossos)
Pelo que se vê, são vários depoimentos –
colhidos desde a data do evento até hoje - a contradizer
amplamente o que teria contado o soldado Sandes a
Frederico Pernambucano.
Assim, se foram vociferadas ordens de
comando por parte do chefe, evidente que não morrera
após serem deflagrados os primeiros tiros. A teoria
baseada no único e exclusivo depoimento do soldado
Sandes não se sustenta. Carece de melhores
fundamentos.
De fato, uma única fonte - a contrariar
inúmeras outras em contrário -, por razões óbvias, não
deve ser levada em consideração.
Por outro lado, quem estava no
acampamento naquele amanhecer foi unânime em
afirmar que, no início do combate, os tiros vieram do
leito do riacho, e não da parte de cima da gruta, como
o culto historiador tem tentado defender. O cangaceiro
Santa Cruz, por exemplo, não deixaria dúvidas em
relação a este aspecto em particular:
“A força atacou por baixo, pelo lado do
riacho, por isso nada vimos. Quando ouvi os
primeiros tiros, vi quando Lampião caiu por
terra. Maria Bonita botou as mãos na cabeça.
Aí então eu corri e me enfiei dentro do mato.
Só ouvia era balas zunir por cima da minha
cabeça”. (Jornal de Alagoas, 8 de novembro
de 1938, com grifos nossos)
A área onde se deseja colocar Sandes
amarrado ao corpo de Pedro (acima da gruta) era, na
época, coberta por densa mataria. Não teria como
alguém acessá-la sem fazer barulho – notadamente se
se tem alguém amarrado ao próprio corpo, a dificultar
o deslocamento. Qualquer pisada em um galho seco
poria toda a operação a perder.
A fotografia publicada na revista A
NOITE ILUSTRADA, de 9 de agosto de 1938, abaixo
reproduzida, bem nos dá uma ideia de como seria a
área naquele período. Impossível rompê-la sem usar
um facão! (e, portanto, insistimos, sem gerar ruído que
inutilizaria a delicada operação policial).
Descartada, portanto, a possibilidade de
alguns soldados ali estarem posicionados, em função
da espessa e espinhosa vegetação, vai-se ao nó górdio
do problema:
Quem teria sido, efetivamente, o autor
do disparo fatal? Quem deu o tiro que fulminou o rei
do cangaço?
A pergunta, salvo o aparecimento
posterior de alguma fonte histórica sólida e irrefutável,
permanecerá sem resposta. Não se há como – com base
no que se tem disponível até hoje – apontar autoria.
Em Salvador, no início de outubro de
1938, o já capitão João Bezerra dera entrevistas para
vários jornais. Em certo ponto de suas considerações
sobre a matança de Angico, teria declarado - a não
deixar margem a dúvidas – que seria impossível
atribuir esse ou aquele como autor do disparo fatal,
“visto que Lampião foi alvejado por vários tiros”. (Correio
Paulistano, 4 de outubro de 1938).
Frederico Pernambucano, porém, insiste
que Ferreira de Melo estaria com Sandes no instante
do tiro fatal. Ambos teriam se posicionado, junto com o
coiteiro, exatamente em cima da gruta próxima à
barraca do chefe de cangaço.
Todavia, a fala do próprio Ferreira
contraria a instigante tese. Em entrevista, faria coro às
declarações de Bezerra:
“Lampião já estava de pé e recebeu apenas
uma bala, conforme eu já disse, cuja bala
ninguém pode afirmar com segurança de que
arma partiu. Na época, foi muito comentado
que o projétil que atingiu ao companheiro de
Maria Bonita, teria partido da arma
empunhada pelo cabo Honorato, conhecido
por Honoratinho. Todavia, ninguém poderia
precisar, em meio ao fumaceiro, às
apreensões e à balburdia do momento, que
esse ou aquele policial tivesse atingido ao
nosso terrível adversário. (Gazeta de
Alagoas, 14 de dezembro de 1965, com grifos
nossos)
Ainda na década de sessenta, ao ser
entrevistado pelo professor Estácio de Lima, Ferreira
voltaria a ser taxativo. Sobre a autoria do disparo que
teria tirado a vida do célebre bandoleiro, disse:
“Resposta impossível. Mais provável, a
minha força, por haver sido a primeira que
atirou. Também o nosso tenente poderia tê-lo
abatido, ou o próprio pessoal do sargento
Aniceto. De qualquer forma, LAMPIÃO foi
liquidado pela tropa sob o comando geral de
BEZERRA”. (1965:286, com grifos nossos).
Vê-se que, nem de relance, o oficial toca
no nome de Sebastião Vieira Sandes.
Teria Ferreira de Melo simplesmente ‘se
esquecido’ do importante acontecimento? Teria
passado despercebido por ele e pelos demais
integrantes da tropa um detalhe tão relevante?
A afirmação ‘mais provável a minha
força’, referida no depoimento citado há pouco, nos dá
certeza de que nem ele próprio tinha conhecimento de
quem teria sido o autor do disparo.
Assim sendo, não tem sentido sustentar
a versão de que teria ele, pouco antes do início do
tiroteio, deslocado alguém (no caso, o soldado Sandes)
com a missão específica de atirar em Lampião. E se
assim tivesse sido, claro, não teria se esquecido
completamente do relevante detalhe e certamente não
o omitiria nas diversas entrevistas que deu. Afinal não
se tratava de algo de somenos importância. Era algo
grande demais para ser olvidado.
Há alguma lacuna, portanto, que não se
fecha neste particular. Assim, de se perguntar porque
o soldado Sandes não reivindicou antes – mesmo a
desconsiderar todas as provas em contrário – a sua
própria façanha? Porque ficou calado diante das
sucessivas entrevistas dadas pelo soldado Honorato e
pelo cabo Bertoldo? Porque silenciou por décadas a fio?
Importante notar que, durante a
entrevista do soldado Honorato para o jornal A NOITE,
na presença de muitos colegas de farda – dentre eles o
próprio Sandes -, não houve qualquer refutação à
suposta autoria do disparo fatal. Os soldados que ali
estavam permaneceram calados, como a confirmar a
legitimidade da história. DATA
O soturno Vieira Sandes teria preferido
ficar calado e se privar de contar ao mundo tão
relevante glória?
Parece-nos entranho. Não seria provável
alguém abrir mão do ‘prestígio’ de ser o matador
daquele que por duas décadas assombrou o sertão
nordestino – e mesmo o país – com seus incontáveis
crimes.
Deve ser considerado o fato de que o
próprio Sandes, anos mais tarde, enfurecido com a
insistência da imprensa para que falasse sobre a morte
de Lampião, sempre evitou tocar em assunto tão
delicado. Não se dirigia a jornalistas.
Assim foi colocado pelo jornal Folha de
São Paulo, após uma das tentativas frustradas de
entrevista-lo:
“Santo era o único que conhecia Lampião
pessoalmente, porque, antes de ser da
volante (polícia), tinha servido ao bando do
cangaceiro - foi obrigado a trocar de lado pela
polícia, mas ainda respeitava o ex-patrão.
Santo, que mora em Maceió, recusa-se a dar
entrevistas. Segundo sua família, sempre
chama de "cabra da peste mentiroso" quem
afirma que esteve envolvido na morte de
Lampião”. (Folha de São Paulo, 13 de
novembro de 1996, com grifos nossos) (3)
Resta-nos hoje, portanto, apenas uma
inquietante pergunta: Porque o soldado Sandes - que
sempre adjetivava como “mentiroso” quem o
relacionasse com a morte de Lampião -, mudou tão
repentina e radicalmente de opinião, a ponto de
assumir a autoria do assassinato do cangaceiro? Qual
a razão de apresentar uma história para a família e
amigos e outra, bem diferente, para o festejado
pesquisador pernambucano?
Hoje é difícil saber onde está a verdade
neste aspecto. Afinal, mortos não voltam para dirimir
dúvidas....
E o mistério, assim o cremos,
permanecerá para a eternidade. E será uma porta
sempre aberta às especulações de todo matiz. Afinal,
esse compartimento histórico tem-se tornado a cada
dia mais vasto.
Fica aqui, porém, a intricada questão
como um desafio aos que hoje ainda se debruçam
sobre o tema (e que ainda gostam de fazê-lo).
Eu, infelizmente, estou velho. E
cansado. Ânimo me falta para concorrer com a
modernidade do conhecimento não muito profundo
disseminado pelas redes sociais. Sou antigo; sou da
época dos livros e da pesquisa comprometida.
De todo modo, a minha contribuição
literária e histórica já foi dada tempos atrás. Hoje não
há mais interesse em novas produções.
Saudações,
Sérgio Augusto S. Dantas
Autor dos livros: Lampião e o Rio
Grande do Norte (2005), Antônio Silvino – O
Cangaceiro, o Homem, o Mito (2006), Lampião Entre a
Espada e a Lei (2008), Corisco: A Sombra de Lampião
(2014), Lampião e a Paraíba – Notas para a História
(2018) e Lampião: o Processo de Martins (2020).
REFERÊNCIAS E NOTAS
(1) Não há dúvida que o primeiro tiro daquela
madrugada de 28 de julho de 1938 foi disparado pelo
soldado Abdom Cosme de Andrade. Não houve um tiro
anterior a este. Assim noticiou A Noite, edição de 1 de
agosto de 1938: “O combate da fazenda Angicos, em
Sergipe, entre as forças volantes alagoanas e o bando
de Lampião foi iniciado pelo soldado Abdon Carmo (sic)
de Andrade, que foi o primeiro a romper fogo contra o
covil dos cangaceiros”.
(2) Há controvérsia sobre o local exato dos ferimentos
que vitimaram Lampião. Os depoimentos orais são um
tanto díspares. Todavia, o que parece mais provável é
que um dos tiros lhe atingiu a região abdominal, e um
outro, a região torácica. Durval Rodrigues Rosa, no
entanto, sustentava que um dos tiros recebidos pelo
cangaceiro teria sido na altura do pescoço. Neste caso,
torna-se difícil autenticá-lo, já que a sua cabeça teria
sido cortada bem na base. Além disso, seus restos não
foram periciados na época. N do A.
(3) Sobre as declarações de Sandes, ver Folha de São
Paulo de 13/11/1996 em
https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1996/11/13/bra
sil/24.html.
BIBLIOGRAFIA REFERIDA:
ARAÚJO, Antônio Amaury Correia de. ASSIM MORREU
LAMPIÃO. 4ª edição. Editora Traço, São Paulo/SP,
2013.
__________________________________ GENTE DE
LAMPIÃO: SILA E ZÉ SERENO. Editora Traço, São
Paulo/SP, 1987.
COSTA, Alcino Alves. LAMPIÃO ALÉM DA VERSÃO:
MENTIRAS E MISTÉRIOS DE ANGICO. 3 EDIÇÃO.
Gráfica Real, Cajazeiras/PB, 2011.
LIMA, Estácio de. O MUNDO ESTRANHO DOS
CANGACEIROS. Editora Itapuan, Salvador, 1965.
MELLO, Frederico Pernambucano de. APAGANDO O
LAMPIÃO. VIDA E MORTE DO REI DO CANGAÇO.
Global, São Paulo/SP, 2018.
ROCHA, Melquiades. BANDOLEIROS DAS
CAATINGAS. 2ª edição. Editora Francisco Alves, Rio
de Janeiro/RJ, 1988.
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