Vida
retrospectiva de um ex-bandoleiro.
RIO DE
JANEIRO, 10, julho (Via aérea) – Depois de 21 anos de cárcere, eis que Antônio
Silvino é posto em liberdade sob livramento condicional.
Nos trágicos anais do cangaceirismo nordestino, Antônio Silvino foi o primeiro
a ter a celebridade nacional. Seu nome há mais de 20 anos atrás, enchia a
imaginação popular de pavor e de lenda. As crianças nordestinas daqueles tempos
conheciam-lhe o nome temível. O seu bando de alpercatas, cartucheira, chapéu de
couro e rifles, dominava os caminhos e as serras do sertão de Pernambuco, de
Paraíba, do Rio Grande do Norte, Ceará e outros Estados.
Antônio Silvino era branco, de olhos azuis, diziam. Antônio Silvino sabia de
uma oração que o tornava invulnerável às balas das forças “volantes” que o
perseguiam. Antônio Silvino tinha o poder de se encantar e se virava em charuto
aceso sobre um toco de estrada, contavam. Antônio Silvino chegava no armazém de
uma fazenda e passava a faca no ventre entumecido de uma saca de farinha e
mandava o povo aparar, em baixo, a chuva de grãos. Distribuía fazenda,
distribuía “chita” com as mulheres do poviléu. Mas, Antônio Silvino tinha
relações misteriosas com certos “coronéis” e senhores de engenho importantes do
interior. A uns perseguia; com outros mantinha uma espécie de “pacto de não
agressão”.
Na perseguia nem “fazia mal” a moça. Vingava o pai e brigava com os
“mata-cachorro” da polícia. Tratava um antigo chefe político de um dos Estados
nordestinos, padre, e que foi senador federal e governador, de “cara de
mochila”. Ai daquele que o denunciasse ou perseguisse! Teria que ajustar contas
com ele, onde quer que se encontrasse, e sua família também pagaria.
Era este o Antônio Silvino da lenda popular.
E seus principais lugares-tenentes, como “Cocada”, “Zé Moleque”, “Pilão
Deitado”, “Gavião”, etc., eram envolvidos também na auréola legendária, embora
nesta já repontasse um traço mais realista e crítico em que o caráter ou a
psicologia do personagem tomava aspecto mais preciso.
Assim “Cocada” era célebre pela sua perversidade; “Gavião”, pela astúcia;
“Pilão Deitado”, como sua alcunha indica, destacava se pela sua certeza em
escapar ao cerco da polícia rebolando, abraçado ao rifle, e atirando; “Zé
Moleque” se celebrizava pela agilidade.
Este último foi preso antes do chefe; “Cocada” foi assassinado a punhal, quando
dormia. Afinal, os podres sobrenaturais do chefe bandoleiro era vencidos, e, em
1914 caía nas mãos do inimigo, gravemente ferido. A tala que o prostrou rasgava
também o véu de lenda que o envolvia. Antônio Silvino entra para o cadastro
prosaico de justiça do Estado como um delinquente social, como o cardo, fruto,
da fatalidade mesológica do Nordeste.
Ao fechar-se sobre eles as grades da penitenciária, a imaginação popular
bandoleira, também, nos seus fervores, já começava a tecer a lenda de outro
astro do banditismo, que se levanta pelos sertões: “Lampião”. Mas, Lampião,
como diz o coco, “não anda de pés no chão”. O seu grupo cresceu, e se não usa
ainda automóveis blindado, nem fuzil-metralhadora, como Al Capone ou Dillinger,
os gangsters das grandes cidades norte-americanas, em todo o caso, já usa
cavalo, como os Búfalo Bil ou os cowboys do Far-West, revelados pelo cinema.
Não se diz também que Lampião “não faz mal a moça”, nem se afirma que está
“vingando” o pai assassinado. Nasceu no cangaço; é a profissionalização do
cangaceirismo atingindo o seu grau mais alto, dentro das condições de
civilização do Nordeste. Essas condições no Brasil não comportam um “Scarface”
ou um Dillinger.
Egresso da lenda, egresso da penitenciária, Antônio Silvino vai remontando na
vida as condições de sua infância. Na prisão, tornou-se ledor da Bíblia, fez-se
evangelista, e cita e comenta os Evangelhos, como um prosélito do Exército da
Salvação. Contemporanizou-se, a ponto de ser espírita. E assim sai do cárcere,
não mais como “Antônio Silvino”, mas como Manoel Batista de Morais, nome que
tinha na infância e que recebeu na pia batismal.
"Correio
de Aracaju" - 02/08/1935
Fonte: facebook
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