Por: Rangel Alves da Costa*
O CORONEL, O FRADE E O DOCE DE FRADE
Dizem que numa terra distante, ainda num tempo onde o coronelismo imperava e tomava conta de terra e gente, havia um coronel afamado que se indispôs com o padre da serventia e foi a maior confusão. Dizem que a história chegou até o Vaticano. Sei não...
Verdade é que um jagunço, que de vez em quando ia chorar seus pecados na porta da igreja, ouviu o celebrante, que era um frade, dizendo missa e deixando o sermão das coisas divinas de lado se danou a falar mal do seu patrão, o Coronel Tiburciano Titó.
Perante a igreja cheia de fiéis pecadores e beatas fofoqueiras, o frade não mediu palavras para desqualificar o rei do mandonismo desde sua primeira raiz. Esculhambou com o coronel sem piedade, chamando-o de gerente de escravos, encomendador da morte de pobres donos de pedacinhos de terra, blasfemo, pai de uma ninhada de filho que não dava nenhuma importância, safado, grileiro de uma figa, corrupto e traiçoeiro. E prometeu que diria mais na próxima missa, pois aquilo não era nem metade do que sabia.
Como era de se esperar, ao ouvir aquele palavreado do frade o jagunço nem pensou duas vezes. Dobrou a esquina e seguiu em direção ao sobrado do poderoso, pedindo uma audiência urgente para tratar de assunto dos mais apimentados. Não demorou muito e foi avisado que o patrão estava deitado na rede da varanda lhe esperando.
Depois de tirar o chapéu e se ajoelhar perante o homem, ainda de cabeça baixa disse do que se tratava. O coronel deu um pulo que assustou até o jagunço. E a cada passagem que era contada o homem avermelhava, bufava, cusparava pelo chão, mordia charuto, ficava em tempo de explodir. Num dado momento disse “chega!”. E falou gritando:
“Apois, vosmicê volte até lá agorinha mermo, entre na igreja e procure aquele safado onde ele tiver, seja na sacristia ou de furdunço com beata sem vergonha, e diga a ele que na próxima missa eu vou levar um tabuleiro de doce de frade pra dar de presente, que é pra mostrar ao povo daquela igreja com quantas cabeças de frade safado se faz uma cocada. Vá, chispa daqui!”.
Como se sabe o doce ou cocada de frade tem esse nome porque é feita com a polpa branquicenta de um cacto ovalado, nascido na aridez da caatinga e chamado cabeça de frade. E isto porque na parte de cima do cacto existe uma auréola avermelhada por onde floresce. Retirando-se os espinhos e a casca verdosa e grossa, surge uma polpa que é cortada em cubos e levada ao fogo com leite de coco e açúcar para a feitura da cocada.
Mas voltando ao recado, verdade é que assim que chegou à igreja, o jagunço encontrou o frade já se encaminhando para a sacristia. A igreja estava totalmente vazia e o religioso despreocupadamente com um copo de cachaça na mão, pois era adepto convicto de uma branquinha. Segundo ele, superava em muito o vinho aguado que as beatas traziam. Virou o copo e perguntou o que o rapaz desejava.
E o homem disse ao seu modo: “Só vim dizer que o Coronel Tiburciano mandou avisar que já que o senhor está falando tanto mal dele, então ele vai trazer um tabuleiro de cocada de frade pra presentear na próxima missa”.
O frade não entendeu muito bem o recado repassado pelo homem. Mas começou a refletir no mesmo instante a partir das palavras “falando mal do coronel” e “presente de cocada de cabeça de frade num tabuleiro”.
Então rapidamente perguntou ao homem: “E por aqui alguém faz doce de frade? Onde tem cabeça de frade por aqui?”. E o jagunço respondeu: “Que eu saiba, a única cabeça de frade que tem por aqui é a sua”.
O coitado do frado quase congelou, passou rapidamente a mão pela cabeça para ver se esta continuava no lugar e pediu licença ao emissário do coronel. Disse que voltava num instantinho, mas no momento seguinte já estava pulando a janela da sacristia com sua maletinha e entrando amedrontado, apressado, no oco do mundo. Levando logicamente sua garrafa de pinga.
Para espanto dos fiéis e beatas, nunca mais foi visto por ali. Na ausência do religioso, o coronel até pensou em celebrar, ele mesmo, os ofícios religiosos. Mas depois lembrou que tinha pecado demais para se atrever a tal.
Poeta e cronista
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