*Rangel Alves da Costa
Casarão, casario, sobrado, residência suntuosa, lar senhorial...
Em meio ao latifúndio ou mesmo na cidade de onde comanda destinos e vidas, ali o endereço do poder, do mando, da ordem, da assistência e do auxílio, mas também da cega obediência.
Entre a ira e a devoção, o temor e a adoração, a imponência em pessoa...
Um homem e sua biografia incerta. Ora nascido na pobreza dos iguais, ora vindo ao mundo em berço de ouro. Quase sempre, contudo, tendo de lutar para estabelecer seus limites de poder e riqueza.
Mas de que se fala, estando-se diante de um espelho da história?...
Fala-se do coronel. Aquele mesmo dos livros de história, desbravador dos mundos distantes e das terras sem-fim, semeador dos louros cacaueiros, enlaçados no poder político local, regional e nacional, segundo tão bem descreveu Jorge Amado.
Mas do que se fala ainda mais?...
Fala-se do coronel nordestino, sertanejo, patenteado no poder político, no mando de vidas, na manipulação de situações, na transformação da política em uma extensão de seus próprios latifúndios. Aquele coronel de mansidão perigosa e sanguinária.
Há um solene instante. Lá vem o coronel...
Envolto no brilho oloroso do cacau, das terras do sem-fim, do poder e da influência, na varanda do casarão desponta o coronel. A citação do seu nome já motiva medo, temor e reverência, afinal ninguém sabe se o mesmo chegará com uma chibata à mão.
Há um olhar de respeito e acatamento. Vem chegando o coronel...
Não é apenas um homem, não é apenas o homem, é o coronel. Depois que a porta se abriu, em passos lentos, comedidos, eis a figura imponente do senhor de fama e glória. A terra chega a tremer e o homem a se ajoelhar.
Há um reconhecimento devotado do próprio ambiente. Ali chegado o coronel...
Parece uma fotografia antiga, uma moldura cravejada de riqueza e poder, uma feição que remonta ao latifúndio nascido da terra nua, num tempo de vinditas e conquistas. Um cheiro de lavanda francesa, mas aroma impregnado da putrefação sanguinária.
A cadeira de repouso se embala à sua presença. Espera o coronel...
De seu olhar brilhoso e penetrante se avista aquele mundo de terras do sem-fim que os livros ainda relembram como um tempo de nobre pujança. Mas a história é ele mesmo: o coronel.
Pessoas se achegam. Todos desejam servir ao coronel...
Mas não lhe interessa mais as guerras sangrentas de antigamente. O seu mando não mais é forjado na tocaia, na emboscada, na violência. Os seus desafetos são combatidos pela arte do poder.
Uma missiva lhe chega às mãos. É um governante implorando apoio...
Não precisa mais confrontar o inimigo. Sua fama submeteu as desavenças. Dali da cadeira ordena somente que lhe chegue um bom charuto, um cálice de vinho, um amigo em proseado.
Haveria de se pintar seu retrato para a posteridade. Mas como seria?...
Difícil um retrato único, uma síntese retratando sua imponência. Talvez um homem com seu terno de linho branco com lenço de seda, um senhor vestido em corte do melhor alfaiate, um nobre com seu bigode bem cuidado, de charuto à mão e chapéu importado.
Por que aqueles olhares apreciam tamanha elegância, se tantas vezes o branco do terno apenas oculta as vermelhidões dos sangues tantas vezes respingados nos desafetos?
Pela ilusão do poder. Pelo poder de ilusão do mando. Os olhares submissos e amedrontados já não avistam o passado nem as nódoas de sangue, mas tão somente a nobreza ali representada na rígida e fria imponência.
Mas os coronéis se foram, e o que restaria para relembrar sua personalidade, sua importância histórica, seu brio coronelista?
Sua roupa, seu vestir, seu terno. Seu terno de linho branco, suas vestes emoldurando um tempo de grandes tocaias, de emboscadas, de mortes pelas terras do sem-fim. Seu terno importado, sua flor na pele, seu cajado cravejado de diamantes. E no demais as armas mais infames possíveis.
Há que se relembrar tão perigoso poder, há que se falar ainda nesta nobreza tão avultosa à dignidade humana?
Tudo é história. E o coronel é a história ainda viva de um tempo não esquecido. E jamais esquecido por que seus resquícios permanecem em outros e modernos coronéis. Não com o destemor e, tantas vezes, a nobreza do velho coronel, mas no mesmo poder de mando.
Os livros apenas relembram seus cuspes secando enquanto as ordens estavam sendo cumpridas. As páginas de hoje apenas dizem de mundos nas mãos de uns poucos homens e do quanto eles eram capazes de fazer para a manutenção de seus interesseiros. A força, o império da força.
Os casarões já estão, na sua maioria, em escombros. As varandas já não possuem cadeiras de balanço esperando aquele dono de mundo balançar seus pensamentos e redemoinhos. Os jagunços baixaram as armas. Mas as tocaias continuam.
O tempo amarelou, definhou o termo de linho branco. O coronel é apenas um fantasma. Mas como continua assustando perante o coronelismo de agora.
Escritor
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