Por: Airton Maciel(*)
A partir da esquerda: Ildefonso Flor, Maneol Gomes de Lira, João Jurubeba de Sá Nogueira ( João Gato), João Gomes Jurubeba e Manoel Gomes de Sá.
Irmãos, primos, famílias inteiras se incorporaram às volantes na caçada a Lampião e seu bando. A violência das volantes pelos sertões é uma mancha registrada pela literatura sobre o cangaço.
João Gomes de Lira
O tenente reformado e ex-integrante de volante, João Gomes de Lira, 82 anos (já falecido - centenário 100 anos próximo mês), autor do livro Memórias de um Soldado de Volante, reconhece ações arbitrárias nas perseguições a Lampião, mas restritas aos "coiteiros". "Nunca soube de morte deles pelas volantes" afirma João Gomes.
Recolhido à pequena Nazaré, vila do município de Floresta, a 470 km do Recife, palco e cenário das primeiras desordens de Lampião, o tenente João Gomes conta o começo da história. Em entrevista exclusiva, por telefone, ao Suplemento Cultural.
Suplemento Cultural - Em Lampião - Memórias de um Soldado de Volante, o senhor conta a origem dos Ferreira e os primeiros atritos da família de Lampião coim os Nogueira, clã do qual o senhor faz parte. Como se deu o seu ingresso na volante?
João Gomes de Lira - Estava em Nazaré, em agosto de 1931, e Lampião assolava, miseravelmente, o Estado da Bahia. O governador baiano pediu socorro ao governador de Pernambuco, Carlos de Lima Cavalcanti, que designou o tenente Manoel Neto para formar uma volante.
Manoel Neto
Ele levou mais de vinte meninos de 16 anos a 19 anos, e alistou em Vila Bela, hoje Serra Talhada. Eu tinha 18 anos. Lá, estava o comandante das forças volantes do interior, coronel João Emerson Benjamin, que ficou surpreso com o recrutamento. Ele disse que a força era de meninos e que o Governo não tinha vaca leiteira para dar leite a todos esses pirralhas.
Suplemento Cultural - Como o tenente conseguiu convencer o comandante a aceitar a volante arregimentada em Nazaré, diante da surpresa que quase representa a desmoralização da Força?
João Gomes de Lira - O tenente Manoel Neto não aceitou o argumento e insistiu na continuação da volante. Manoel Neto disse que, quando se encontrasse com Lampião, o Sertão, o Brasil e o Mundo iam saber quem era Manoel Neto e seus meninos. Lampião dizia que a tropa de Manoel Neto era de "cachorrinhos novos que tinha pego em Pernambuco". 12 dias depois do alistamento a gente foi para a Bahia. Lampião andava com 60 a 70 cangaceiros e a nossa volante tinha 45 praças. Em Setembro, no dia 6, Lampião atacou em Santo Antonio da Glória, sertão da Bahia. A volante de Manoel Neto conseguiu alcançá-lo na caatinga. Houve muito tiroteio e feridos, mas ele e o grupo conseguiram fugir. Foi o único confronto qie tivemos.
Suplemento Cultural - As volantes que combatiam o cangaço tinham fama de violência. Há acusações de saques, truculências e atrocidades. As volantes agiam mesmo fora da lei?
João Gomes de Lira - A quantidade de coiteiros não tinha quem contasse. Acoitavam Lampião, informavam ele das volantes. Se a gente perguntava por Lampião, eles diziam que não tinham visto, não sabiam onde estava. Tinham que levar uma surra pra falar, mas nunca vi nenhum coiteiro ser morto.
Suplemento Cultural - Como as volantes conseguiam munições e alimentação para manter a perseguição?
João Gomes de Lira - A munição a gente recebia em Vila Bela, e a comida era mais difícil. A tropa comia muito coroa de frade (planta da caatinga), e carne assada com rapadura e farinha quando tinha. O tenente tinha dinheiro para despesas e a gente comprava nas casas.
Lampião
Suplemento Cultural - Como começaram as desavenças e atritos com os Ferreira, família de Lampião, em Nazaré?
João Gomes de Lira - A minha família era inimiga dos Ferreira. A primeira vez que ele brigou aqui foi em 1919. Na época, havia as famílias Pereira e Carvalho. Sidário Carvalho e seu grupo eram inimigos do cangaceiro Sebastião Pereira.
Sebastião Pereira - o cangaceiro Sinhô Pereira
Um dia se encontraram na vila, discutiram e trocaram ameaças. Meu pai (Antonio Gomes Jurubeba) ficou do lado de Sidário e Lampião o desacatou e a Sidário. Até então, Lampião andava armado, mas ainda não era cangaceiro. Virgulino, Levino e Antonio ferreira tinham frequentes discussões com os Saturnino e os Nogueira (formada pelas ramificações Jurubeba, Souza Ferraz e Souza Nogueira, e mudaram-se de Vila Bela para Nazaré em 1919. Depois da briga na vila, Virgulino mudou-se para Alagoas, e só retornou em 1922, quando Sebastião Pereira foi para Goiás e Lampião assumiu o seu grupo. Em 1º de agosto de 1923, uma prima de Lampião ia se casar na igreja de Nazaré. Lampião veio pra cá com 15 cangaceiros, mas no caminho cortou a linha do telégrafo e fez 15 chicotes. Chegaram na vila dizendo que era para dar 15 surras. Meu pai se retirou com a família para o sítio para não haver morte, mas antes chegou a discutir com Virgulino. Foi assim que nasceu a inimizade. Aqui era tudo parente, por isso todo mundo se integrou à volante tempos depois, para perseguir Lampião.
(*) Jornalista. Repórter do Diário de Pernambuco.
Fonte:
Diário
Oficial
Estado
de Pernambuco
Ano
IX
Julho
de 1995
Material
cedido pelo escritor, poeta e pesquisador do cangaço:
Kydelmir
Dantas
http://blogdomendesemendes.blogspot.com