Por Antonio Corrêa Sobrinho
AMIGOS,
Em 1969, o
JORNAL DO BRASIL, através do jornalista OSWALDO AMORIM, entrevistou, em
localidade no interior do estado de Minas Gerais, o, na época, proprietário de
uma pequena farmácia e, nos anos iniciais do século XX, o famoso bandoleiro
“SINHÔ” PEREIRA, o homem que conheceu, conviveu e chefiou VIRGULINO LAMPIÃO,
aquele que viria a ser considerado o rei do cangaço.
E que aqui
trago, em tomos, para apreciação e consideração dos amigos, com a recomendação
de deixar para depois da publicação da parte conclusiva, ou seja, para a
consolidação de todo o texto, a apresentação de críticas, censuras, dúvidas,
questionamentos ao dito por Sinhô Pereira, segundo o referido jornalista.
O HOMEM QUE
CHEFIOU “LAMPIÃO” - I
VIRGULINO NO
BANDO DE “SINHÔ” PEREIRA
Durante sete
anos Sinhô Pereira andou pelo sertão, em Pernambuco, Alagoas, Ceará, Paraíba e
Piauí; durante dois, destes sete anos, Sinhô Pereira chefiou Virgulino
Ferreira, Lampião. Assaltos, lutas, mortes, eles as viveram em conjunto até que
Sinhô Pereira – atacado de reumatismo, cansado – resolveu retirar-se da vida do
cangaço. Entregou o comando a Lampião, tinha fim um período, iniciava-se uma
lenda. Hoje, 45 anos depois de seu afastamento do cangaço, 30 depois da morte
de Lampião, o JORNAL DO BRASIL descobre Sinhô Pereira em um vilarejo, nas
cabeceiras do rio Paracatu, interior de Minas – um modesto negociante, dono de
uma pequena farmácia. Pela primeira vez em sua vida, Francisco Araújo (Sinhô
Pereira) falava a um jornalista. Com a reportagem de hoje, o CADERNO B inicia a
publicação de uma série de quatro.
Sinhô Pereira
era um chefe famoso quando Lampião se juntou a ele em meados de 1920, no
município de Vila Bela (Serra Talhada), Pernambuco, onde ambos nasceram. Pouco
antes, Sinhô Pereira tentara abandonar o cangaço. Atacado pela polícia e
jagunços no Piauí decidiu voltar a Pernambuco para combater seus inimigos,
enquanto Luís Padre, seu primo e companheiro, de quem se separara antes do
ataque para facilitar a fuga, prosseguia no rumo de Goiás, sem nada saber.
O bando de 20 e tantos homens fora dispersado às vésperas da viagem. Mas seis
homens acompanharam Sinhô Pereira e Luís Padre. Por isso, quando ele chegou à
Vila Bela, em maio para junho, estava com seis homens. É ele quem conta:
- Na fazenda Passagem do Brejo, na beira do Pajeú, pertinho do arraial de São
Francisco, fui procurado por Lampião. Eles eram uns sete homens. Ele, os dois
irmãos, Antônio e Livino, mais Antônio Rosa, primo, Meia-Noite e João Mariano.
A idade dele regulava com a minha: uns 24 anos. Acho até que ele era mais novo.
Ele havia lutado com gente que me acompanhava. Esses homens gabavam muito o
Lampião. Diziam que ele era de muita coragem. (Até era esquisito: ele era mais
novo e ficou chefiando os outros). Eu considerava Lampião como um chefe também.
- Dos irmãos ele era o mais saliente. Até não era feio não. Tinha meu corpo e
minha altura, coisa de um metro e oitenta. Livino e Antônio eram mais baixos.
Antônio era magro e Livino, grosso, corpulento. Eles todos atiravam bem e não
sei qual era o de mais coragem. Nas lutas, Lampião quase não atirava. Não
gostava, como eu, de atirar à toa. Ficava aguardando uma oportunidade. Munição
para nós era muito difícil. Por isso ele se expunha muito, pois ficava querendo
ver onde estava o inimigo, levantando muito a cabeça.
- Ele usava óculos por luxo: tinha a vista até boa, sem defeito nenhum.
- Ele era meio curvo, sim, mas muito forte e muito sadio.
- Por que ele me procurou? Os inimigos de Lampião eram meus inimigos – os Saturnino
e o José Lucena. Este até eu não conheci não, mas sei que era um cabra muito
perverso.
A RAZÃO DE
LAMPIÃO
- Acho que
Lampião e seus irmãos tiveram razão de ser maus. O pai foi assassinado
covardemente e a mãe logo morreu de desgosto. Mas tem muita coisa que dizem
dele que eu não acredito. Agora, tem muito jagunço que podia fazer. Do Lampião
mesmo eu acho que muita coisa é fábula.
- Lampião era de uma família humilde, mas não era arrebentado não. José
Ferreira o pai, eu conheci muito. Conheci até o pai do pai dele, Pedro
Ferreira. Nossas famílias até eram ligadas: a mãe dele era afilhada de meu pai.
O pai dele era afilhado de batismo do tio Padre (Manuel Pereira Jacobina), pai
do Luís Padre. Ele nasceu a umas três léguas de São Francisco, onde eu morava e
seu pai fazia a feira e batizava os filhos. Conheci Lampião desde menino. Ele e
seus irmãos eram independentes e muito trabalhadores.
Sinhô Pereira nega que Lampião tenha sido preso sob a acusado de haver roubado
chocalhos de bodes:
- Lampião nunca foi preso. Ele e seus irmãos foram até morrer sem ser presos.
- A questão dele foi questão de terra. Saturnino, pai de Zé Saturnino, queria
tomar um pedaço de terra da fazenda Serra Vermelha, de José Ferreira, onde
Lampião nasceu. A de Saturnino, as Pedreiras, era grande. Houve uns tiros entre
eles. Morreu um dos jagunços de José Saturnino, um negro, Antônio Ferreira saiu
ferido. Aí os Ferreira se retiraram para Matinha de Água Branca, em Alagoas,
onde ficaram sob a proteção do coronel Ulisses Lunas, em 1917.
A PAZ
INTERROMPIDA
- Eles estavam
até destituídos de questão, quietos, trabalhando, quando em 1920, foram
procurados por Antônio Matilde, casado com uma parenta deles, para, juntos,
perseguirem José Saturnino. Antônio Matilde tinha um grupo de homens. Houve
algumas lutas, morreu um sobrinho de Antônio Matilde e Casimiro Honório, tio de
José Saturnino, um célebre lá. Depois disso, Antonio Matilde desapareceu,
deixando Lampião e seus irmãos encrencados também com a polícia. E essa
encrenca foi que provocou a morte de José Ferreira.
- Depois da morte de Casimiro Honório, o tenente José Lucena saiu em
perseguição a Antônio Matilde. O tenente soube que José Ferreira estava em casa
de um Fragoso, foi lá e matou o velho. Antes havia matado Luís Fragoso, filho
do dono da casa. O tenente Lucena era um homem muito perverso. D. Maria José, a
mulher de José Ferreira, morreu 19 dias depois, de desgosto.
Adendo: (http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Teria dona Maria falecido 19 dias antes do assassinato do José Ferreira? O escritor Alcino Alves Costa diz em seu livro "Lampião Além da Versão Mentiras e Mistérios de Angico", que a morte de dona Maria Sulena da Purificação foi antes da morte do seu esposo.
Devido o desrespeito de Zé Saturnino contra o seu esposo, ela não suportando, infartou e veio a óbito. Confira neste livro sobre a morte dos pais de Lampião. Lampião a Raposa das Caatingas).
- Depois da morte do velho, eles se juntaram com os irmãos Porcino, Antônio,
Manuel e Pedro. Mas foi por poucos dias. Então Lampião mais os irmãos dele, o
cunhado Luís Marinho e outros rapazes do grupo de Antônio Matilde saíram atrás
de José Lucena e tiveram um encontro num lugar por nome Espírito Santo,
fronteira de Pernambuco com Alagoas. Morreu gente de parte a parte. Um cabo foi
confundido com José Lucena e recebeu 12 tiros. A força era muito grande. Eles
não eram nem a metade. Aí eles fugiram, achando que tinham matado José Lucena.
- Nessa ocasião também, Lampião e seus irmãos mataram Artur Ribeiro,
subdelegado de um comerciozinho chamado Pariconha. Depois cercaram a casa do
delegado Amarílio Batista, quebraram as portas e mataram o dono, Mainha, que
tinha entrado para a casa neste dia. O delegado havia se mudado para outra.
Eles tinham muito desgosto por essa morte.
Pouco tempo depois, eles me procuraram na fazenda Passagem do Brejo, na beira
do Pajeú, pertinho de São Francisco.
LUTANDO JUNTOS
- Quatro ou
cinco dias depois houve o primeiro encontro, na fazenda de Né da Carnaúba, meu
tio, onde fomos atacados por uma força de uns 40 homens para cima, comandados
pelo capitão Zé Caetano. Nós éramos 13. No tiroteio, morreu Luís Macário, um
dos meus camaradas. Fugimos. Logo imediato tivemos outro encontro, na fazenda
Ponta de Poço, à beira do Pajeú. Morreram um negro e um soldado deles. Nós
éramos uns 16 e eles uns oito.
- Oito ou dez dias depois teve outro encontro. Nós éramos 16 ou 17 e eles mais
ou menos igual. Morreu um deles e outro ficou ferido. Dos nossos, nenhum.
- Passado um mês mais ou menos, tivemos outro encontro, pertinho de Serra
Talhada, uma légua e pouco. Nós éramos 23, eles também. Morreram dois deles e
três saíram feridos. Dos nossos, dois saíram baleados. Eles fugiram.
- Nós seguimos para Abóbora, fazenda do coronel Marçal Diniz. Lá o capitão Zé
Caetano e os tenentes Bigode, Ibraim e Geraldo cercaram a casa. O tiroteio
durou quase cinco horas. Morreu um rapaz da casa e dois dos nossos ficaram
feridos. Um deles era Antônio Ferreira, com um tiro de fuzil no ombro e outro
na coxa. Eles correram.
- Nós fomos para a fazenda do Barro, no Ceará, com quatro feridos, a chamado do
major José Inácio, que tinha arranjado uma encrenca com o padre Lacerda, do
arraial de nome Coité. O padre Lacerda, do arraial de nome Coité. O padre
estava incorporado com forças. Soldado até era pouco. Tinha muito jagunço.
- Cercamos o arraial de Coité com 70 homens. Eles tinham uns 30 e tantos
homens. O tiroteio começou cedo e durou até de tardinha. Isso foi no dia 20 de
janeiro de 1921. Me lembro porque era dia de São Sebastião.
- Lá eu perdi quatro homens, três do major José Inácio e um meu. Dos deles,
constava que morreram quatro ou cinco. Mas eu não dou certeza. Feridos eu sei
que saíram diversos. Dos nossos, saíram três feridos, inclusive Antônio
Ferreira, no braço. (Antes de entrar para meu grupo ele havia sido ferido numa
perna e na mão direita, onde tinha dois dedos que não mexiam). Depois que
chegaram mais 15 ou 16 homens, comandados pelo sargento Romão, nos retiramos,
pois não estávamos levando vantagem.
- Daí fomos para uma fazenda de nome Araticum, no município de Milagres.
Estávamos com umas vacas no curral para matar, mas desistimos e seguimos
viagem. No outro dia, chegando na fazenda das Queimadas, tivemos um encontro
com uma força de 20 tantos homens, chefiada pelo sargento Romão. Logo depois
apareceu o tenente Zé Galdino com 25 a 30 soldados.
- Depois de uma hora, uma hora e tanto, eles correram e depois voltaram
reforçados pelo grupo de Antônio Miguel, comissionado sargento, com um grupo de
15 a 20 homens paisanos. Nos encontraram preparados. Resistiram uma hora e meia
e tornaram a fugir. Formaram uns 70 homens. Eu estava com meu pessoal e o
pessoal do major Inácio. Ao todo, uns 60 e tantos homens.
- Eu dividi o povo. Uma parte ficou na casa e no curral. Outra parte ficou no
cerrado. Estes viram quando eles foram chegando e deixaram que passassem. Um
grupo estava com Lampião e outro com Baliza. De repente, eles ficaram entre
dois fogos.
- Mas estratégia era quando dava tempo. Quando não dava, era na bruta mesmo.
- Morreram cinco deles, três paisanos e dois soldados. Nós perdemos um chefe de
grupo, Pitombeira (Manuel Vitória), que estava no curral. Era mesmo dos meus.
Outros dois feridos: Lavandeira e Manxé Porvinha.
FURANDO O
CERCO A BALA
- Daí nós
voltamos para o Barro. Lá o velho Zé Inácio pediu que a gente se retirasse.
Então eu voltei para Serra Talhada com meu pessoal. Mas lá, montaram uma
perseguição danada em cima de nós. Na serra de Forquilha fomos cercados por 128
homens chefiados pelo tenente-coronel Cardim, o capitão Zé Caetano e tenentes
Bigode, Assisino e João Gomes. Teve uma hora de fogo. Éramos só 11. Dois dias
antes havíamos separado em Nazaré, um comerciozinho. Pedro Caboclo ficou
comandando o resto, uns 17 homens. Lampião e os irmãos estavam comigo.
- Eles davam descarga no telhado da casa, que ia ficando cada vez mais cheia de
pedra. Nós estávamos em tempo de ficar desarmados, pois a areia estava caindo
dentro das carabinas quando a gente manobrava. Aí resolvemos furar o cerco.
Combinamos de cinco atirar para um lado e seis para ou outro.
- Quando chegamos a uma baixada, a uns 200 metros dali, comecei a perguntar por
um e por outro, e vi, com surpresa, que todos estavam salvos e sem ferimentos.
- Deles, acho que saíram uns feridos. Mas acho que não foi coisa que valesse a
pena não, que nem comentado foi.
- Depois, houve outro combate na fazenda Tabuleiro, na Paraíba, fronteira com
Pernambuco, de um sujeito casado com uma sobrinha minha, Neco Alves. De longe
avistamos uns homens. Pensamos que fossem nossos companheiros. Lampião ia na
frente com o Livino e João Ferreira. Os soldados atiraram e erraram. Lampião
perdeu o chapéu, ao pular para se livrar das balas. Ao voltar para apanhá-lo,
tomou dois tiros, um na virilha e outro acima do peito. Todos dois saíram
atrás.
- Mandei chamar um médico amigo da minha família, o doutor Mota. Examinou
Lampião e disse:
- Nunca vi tanta sorte. Por um triz a bala pegava a bexiga e a espinha. Se a
bala fosse de carabina (mais grossa), teria pegado.
- Na hora ele saiu andando, mas não aguentou e caiu. Livino e Meia-Noite o
arrastaram até um lugar seguro. Ficou uns 20 dias na fazenda de um pessoal de
Cosmos, gente humilde, mas muito amiga. Fizemos um rancho, onde ficamos até
Lampião poder andar.
- Antes disso, tivemos um combate na fazenda Tamboril, município de Belmonte.
Gente dos Piranhas, meus inimigos, e famílias aliadas deles, foram a nossa
procura. Tinham uns 70 homens. Tive notícias deles em Bom Nome, a uma meia
légua da Tamboril. Então mandei uns rapazes dar uns tiros para atraí-lo. Eles
vieram.
- O córrego Tamboril dava uma volta em forma de meia-lua. Dispus os homens em
volta do córrego, de dois em dois, separados uns 15 metros uns dos outros, e
mandei seus homens para uma pedreira em frente. Deixamos que eles entrassem na
meia-lua e fizemos fogo. Uma parte recuou logo, muitos não chegaram a entrar. O
tiroteio durou pouco mais de meia hora. Morreram dois deles e 11 ficaram
feridos. Era só jagunço. Setenta e dois a 71 homens, chefiados por Antônio
Cipriano, Mariano Mendes e Miguel Umbuzeiro. Este último havia sido chamado em
Pilão Arcado, Bahia. Diziam que era a ‘onda esmagadora’, mas tiveram de fugir.
SINHÔ DEIXA O
CANGAÇO
- Depois do
combate em que Lampião saiu ferido, eu resolvi me retirar daquela vida. Isso
foi no Tabuleiro de Neco Alves. Saí mais por causa do reumatismo. O reumatismo
me atacava tanto, que tinha dia que eu não podia nem caminhar. Lá no Norte
quase não chovia, mas nos anos 20, 21 e 22 choveu até demais. Chovia tanto que,
uma vez, em Passagem do Meio, em Serra Telhada, no riacho Terra Nova, as forças
não puderam me seguir por causa da enchente. Lampião ficaria chefiando o grupo
no meu lugar.
- Lampião, Antônio, Livino, Gato, Elias, Vicente, Lavandeira e um ‘cabritinho’
foram comigo até a fazenda Preá, município de Jardim, Ceará, em fins de agosto
de 1922. De lá voltaram, menos Vicente e Lavandeira, que seguiram comigo no
rumo de Goiás, passando por Piauí e Bahia.
- Os homens que ficaram com eles foram esses: Antônio Rosa, Meia-Noite, Joaquim
Coqueiro, Plínio, Bem-te-vi, Patrício, Raimundo Agostinho, João Genoveva,
Pedrão, Zé Dedé, José Melão, Laurindo, João e Antônio Mariano, além de seus
irmãos. Outros já tinham parado. Acredito que esses mesmos acabaram saindo para
outras zonas. Do pessoal que morreu com ele nos Angicos eu não conhecia nenhum.
Sinhô Pereira dava adeus à sua carreira de chefe de bando e Lampião começava a
sua.
“Jornal do
Brasil” – 25/02/1969
Imagem de Sinhô Pereira, extraída do site do Cariri Cangaço
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