POR JOSÉ BEZERRA LIMA IRMÃO
Sou um estudioso do tema cangaço. Causou-me profunda indignação a leitura do livro “Lampião, o mata sete”. Livro em que o seu autor, o senhor juiz aposentado Pedro de Morais, em instante de pura infelicidade, tenta de todas as maneiras possíveis e imagináveis desmerecer a honra masculina de Virgulino Ferreira da Silva – Lampião, com desastradas e injuriosas afirmativas que constam em praticamente todas as páginas de seu tendencioso livro.
A afirmativa de que Lampião era gay é tão absurda que não merece nem ser comentada. Bastando apenas conhecer as posições de dois dos maiores pesquisadores da história cangaceira, Alcino Alves Costa e João de Sousa Lima, sobre o desastrado assunto.
Em um primoroso artigo rebatendo os dizeres do juiz, Alcino escreveu: “Dizer-se que Lampião era homossexual e Maria Bonita uma adúltera, e os dois, Lampião e Maria Bonita, coabitavam com Luís Pedro, vivendo assim, em plena caatinga, um triângulo amoroso, é algo que em sã consciência ninguém tem o direito de acreditar”
E João de Sousa Lima, outro pesquisador sério e competente, escreveu em seu Orkut: “Para os homens e mulheres que estudam o cangaço com seriedade e imparcialidade, salientando que não se trata aqui de homofobia, ou qualquer tipo de preconceito, no cangaço não existiu casos de homossexualismo, nenhum estudo em todos os aspectos do fenômeno apontou essa prática”.
Portanto, não será preciso prosseguir neste assunto. No entanto, se faz necessário mostrar ao povo do Nordeste e do Brasil que o senhor Pedro de Morais, além da tão desqualificada tentativa de rotular Lampião como se fosse um boiola desses bem pervertidos, registrou em seu livro episódios e fatos que demonstram o seu total desconhecimento da saga cangaceira; Eis alguns desses medonhos erros:
No “Lampião, o mata sete” está nas páginas 83 e 84 que Lampião teria perdido a bolsa escrotal ao “tentar assaltar” a fazenda Tabuleiro, em 1922.
Se tivesse mais cuidado com a história, o Dr. Pedro jamais iria afirmar uma loucura desta. Dizer que Lampião iria assaltar a fazenda de Neco Alves é um absurdo.
Doutor, se o senhor não sabia fique sabendo que Neco Alves era casado com Mariquinha, uma sobrinha de Sinhô Pereira, portanto gente da família e mesmo assim a fazenda Tabuleiro ia ser assaltada por Lampião? Tenha paciência doutor.
Ora doutor, por ocasião desse acontecimento Lampião estava sob o comando de Sinhô Pereira e estava ao lado dele quando recebeu os três tiros. Um entre o peito e o braço, outro de raspão na cabeça, e outro acima da virilha – repito acima da virilha.
E o tiro que esbagaçou a bolsa escrotal de Lampião?
O juiz diz essa asneira porque ele não conhece os depoimentos e entrevistas de Sinhô Pereira sobre este assunto.
Diz Sinhô que no instante em que Lampião recebeu os tiros estava ao lado dele e que o mesmo havia recebido uma bala “na altura do escroto, como ficamos sabendo mais tarde”.
Uma bala na altura do escroto. Portando não afirmando que uma bala havia mutilado o escroto. Vale reproduzir as palavras do Dr. Mota, o médico que cuidou dos ferimentos de Lampião, quando ele afirma: “Nunca vi tanta sorte; por um triz a bala não pegou a bexiga e a espinha. Se fosse de carabina a bala teria atingido esses órgãos. Só não pegou porque era bala de fuzil, mais fina”.
Outros erros gritantes: Na página 219 de seu livro, o doutor registrou que o cangaceiro Penedinho matou “um companheiro” – na verdade, Penedinho matou o cangaceiro Canário – alegando que o assassinato aconteceu em 1932. Grosseiro engano: Penedinho matou Canário, na fazenda Cururipe, em 1938, logo após a morte de Lampião e foi se entregar a Zé Rufino na Serra Negra.
Tem mais: Na página 216, o doutor confunde Santo da Mandaçaia, assassinado por Corisco, com Zé Vaqueiro, da fazenda Paus Pretor, e confunde Novo Tempo, irmão de Sila, com o cangaceiro Criança. Também erra feio quando diz na página 283 que o cangaceiro Criança morreu no combate do Cangaleixo e tendo ficado gravemente ferida a cangaceira Adelaide.
Infelizmente, não se pode dar crédito a um trabalho pretensamente literário que dentro dele constem tantas aberrações. Criança não morreu no combate do Cangaleixo, esse é um dos cangaceiros que após “as entregas” arribou no mundo e foi residir em São Paulo até o dia final de sua vida. Adelaide não estava no combate do Cangaleixo. Ela já estava em outro plano de vida, pois havia morrido de parto em um umbuzeiro nas proximidades do povoado Curituba, em Canindé de São Francisco. Quem estava no Cangaleixo era Rosinha, companheira de Mariano, e irmã de Adelaide, porém não “ferida gravemente”. Estava apenas grávida. Será que gravidez é ferimento grave, doutor?
Sem citar um autor sequer que lhe socorra nesse sentido, ele diz que por ocasião da morte de José Ferreira seus filhos estavam presentes e tirotearam com a polícia (p. 68-69).
Doutor! Tenha paciência: como é que se faz História sem ler, sem pesquisar, simplesmente inventando os fatos?
Esse moço descreve Maria Bonita – que ele chama de “D. Deia” e de “Sinhá Maria” – como se fosse uma mulher vulgar (p. 185/195).
Seguramente, esse moço nunca leu nada sobre a Mulher do Capitão. Maria Bonita jamais foi chamada de “Sinhá Maria”, doutor. E embora o livro se refira a ela várias vezes como “D. Deia”, dona Déia não era Maria Bonita – dona Déia era a mãe de Maria Bonita!
Ele diz que o nome de Maria Bonita seria “Maria Adelaide” (p. 186). A afirmação é destrambelhada. Adelaide é outra pessoa: trata-se da primeira mulher do cangaceiro Criança, que era filha de Lé Soares, irmã de Rosinha, companheira de Mariano, e prima de Áurea, mulher de Mané Moreno.
Por não sair de casa, escrevendo as coisas com base no que lhe vem à cabeça, esse moço, ao descrever a morte de Antônio Ferreira, confunde a fazenda Poço do Ferro com Poço do Negro, e diz que “Poço do Negro” ficava na localidade Pipoca (p. 118).
Poço do Negro, doutor, fica ao sul de Nazaré do Pico, na divisa de Serra Talhada com Floresta.
Por sua vez, Poço do Ferro, onde morreu Antônio Ferreira, duas léguas ao poente de Ibimirim, não fica em Pipoca – a fazenda Pipoca fica a 56 quilômetros do Poço do Ferro, no município de Betânia!
Sem nenhum conhecimento, confunde o coronel João Sá, de Jeremoabo, com o tenente João Maria, este sim, o manda chuva da Serra Negra - página 170. Idêntico erro se repete mais adiante, confundindo João Sá com João Maria – página 174.
Ele se equivoca ao dizer que o combate de Maranduba teria sido em “fevereiro de 1932 – página 225.
Este combate, doutor, ocorreu na tarde do dia 09 de janeiro de 1932.
Esse moço diz que Corisco foi enterrado em Jeremoabo – pagina 295.
Mais um erro, doutor. Corisco foi enterrado em Djalma Dutra, atual Miguel Calmon. Seus restos mortais foram depois levados para Salvador, e encontram-se inumados no Cemitério Quinta dos Lázaros.
Ele afirma, erroneamente, que Benjamin Abrahão foi morto em Vila Bela – atual Serra Talhada (p. 273). Todo mundo sabe que Benjamin Abrahão foi assassinado na vila de Pau Ferro, atual Itaíba.
Nas páginas do “Lampião, o mata sete” existem muitas outras aberrações. Mas, prefiro parar por aqui. Não é meu desejo roubar o tempo dos senhores e senhoras que gostam de Histórias sérias. Tenho que poupar os pesquisadores e leitores desse tão conceituado blog Cariri Cangaço. Sei que é uma perda de tempo se ler tanta besteira de uma pessoa que não se tocou de ter sido detentor de uma atividade profissional que requeria tanto cuidado e zelo, para depois de aposentado registrar em um livro tanta sandice.
Saudações,
JOSÉ BEZERRA
Enviado pelo escritor e pesquisador do cangaço: Alcino Alves Costa