(3 versões
sobre o homem que aterrorizou a vida de muita gente)
Um simples de
chinelo ou um pirangueiro
Na década de
80, um bandido cearense, da cidade de Russas, de 21 anos, tornou-se famoso no
Brasil inteiro por aterrorizar a população de várias cidades em sequências de
assaltos e fugas que deixavam a Polícia atônita. Fernando Soares Pereira, o
"Fernando da Gata" acabou morrendo à bala, no dia 3 de setembro de
1982, durante uma perseguição policial, no município mineiro de Santa Rita do
Sapucaí, que vivia em clima de terror em decorrência das ações bandidas. Mas de
repente o transformou numa espécie de "herói". A morte de Fernando da
Gata que era acusado pela Polícia, na época, de 21 assaltos e 19 estupros
somente em São Paulo foi noticiada com destaque na imprensa de todo o País,
principalmente nos noticiários de televisão. O corpo dele foi sepultado, mesmo
como indigente, de terno e gravata e urna de luxo, doados pela população da
cidade mineira de Pouso Alegre, que também viveu em clima de terror. Lá um
industrial muito conceituado na cidade, por conta do terror que se criou sobre
Fernando da Gata, matou em casa, de madrugada, a própria filha ao confundi-la
com o assaltante. Mas no Ceará o mito Fernando da Gata também não foi
diferente. Na época me reportei sobre o assunto nos noticiários policiais do O
POVO. O corpo de Fernando da Gata, depois de exumado no cemitério de Pouso
Alegre foi trazido de avião para Fortaleza. No momento do seu desembarque no
Aeroporto Pinto Martins, dezenas de curiosos estavam lá e houve até quem o
aplaudisse como herói. Do Aeroporto Pinto Martins, o corpo de Fernando da Gata
foi levado para Russas, na Região Jaguaribana. Na tarde do dia 21 de setembro
foi sepultado. Dezenas de pessoas dormiram no portão principal do cemitério
aguardando a hora do enterro. A Rádio Progresso de Russas anunciava em
sucessivas edições extraordinárias a chegada de caravanas de cidades e
distritos vizinhos, em ''paus-de-arara" para assistirem o sepultamento.
Muitos traziam flores. Um locutor de uma TV de Fortaleza disse que a emissora
estava no ar extraordinariamente naquele momento (do enterro) por causa da
importância do fato. Depois do sepultamento de Fernando da Gata, a imprensa
cearense voltou a se reportar sobre o assaltante maníaco que aterrorizou
cidades do Pais. O repórter Francisco Taylor, o "Mão Branca", da TV
Cidade, questionou o fato de que o assaltante cearense morreu mais por fome do
que pelo único tiro levado. Disse quando caçado nas matas de Santa Rita do
Sapucaí passou dias sem se alimentar. O jornalista Oswald Barroso, do O POVO,
na época questionou a fama que se formou sobre o assaltante e escreveu uma
reportagem intitulada: "Fernando da Gata, um simples de chinelo ou apenas
um pirangueiro".
Landry Pedrosa
FERNANDO DA
GATA
Russas nunca
gerou um individuo de mais alto grau de quociente de inteligência e imaginação
excessivamente projetadas pelo seu próprio idealismo criminoso, como Chagas da
Gata e Fátima Paz, ao tornarem vulto, o famoso bandido Fernando da Gata,
Francisco Soares Pereira. Menino pobre, bonito, inteligente, esperto, rápido,
educado, diferente dos outros, cresceu na infância, calmo, sem traumas,
maus-tratos e violência, no desejo de ser cantor sem pensar em ser bandido, o
seu maior sonho era ser soldado do exército. Por conta desse sonho, aos 13 anos
de idade, partiu para Fortaleza e trabalhou com o seu tio. Estudou e terminou o
ginasial, mesmo no ofício de encanador. Aos 17 anos, partiu para São Paulo,
trabalhou e conheceu aquela imensidade. Quando veio o recrutamento voltou para
Russas e convocado para servir o Tiro de Guerra, raspou logo a cabeça como
soldado, e ao se apresentar com cabelo de militar, fizeram uma investigação e
ele foi preso. Prisão essa que findou o sonho de ser sargento do exército e
começou o seu tormento. Fernando da Gata só tinha na sua ficha policial um
crime de furto com a sua primeira prisão no distrito de Redenção, quando fora
autuado em flagrante delito. Mas, para distanciar do fantasma de menino pobre,
Fernando, com aplicação em tudo que fazia, sua ambição era ganhar muito
dinheiro para tirar a sua mãe da pobreza. Por conta dessa extrema generosidade,
na pretensão de ser militar, consegui uma farda e se passando por sargento do
exército, em Russas, pegou mais um apelido, o de sargento. Embora considerado o
mais célebre dos estupradores, Fernando da Gata foi um bandido romântico,
escrevia cartas para a mãe e mandava flores para a namorada, a desaprovar
qualquer negação de Deus, com a oração de São Francisco do Canindé que lhe dava
sorte e protegia a vida. Com as cem mulheres estupradas com um sorriso no
rosto, nem mesmo no disfarce da face do mal, e no pesadelo dos ataques, nunca
demonstrou ódio do terror e do espanto como prática de assassinos tenebrosos
que estupram e matam por prazer. Desconhecia as crueldades dos bizarro, loucos,
cruéis e assustadores monstros que desfilaram mundo afora nas galerias dos
serial Killers. Como os que matam quem mais ama, que planejam fantasias
sexuais, estupram, torturam, estrangulam e retalham as suas vítimas. A imprensa
simplesmente escrupulosamente sobre o perigoso bandido dava notícias de
análises e impactos de crimes absurdos e violentos, de forma atroz e odiosa a
pintar como Michelangelo, as terríveis cenas do inferno com as façanhas e a
famigerada alcunha de Fernando da Gata, muito embora que esse apelido infernal
e duvidoso, terrivelmente bizarro de Fernando da Gata, tenha surgido por uma
extrema brutalidade, de quando criança, perante ao comandante do quartel de
Russas, ao fulminar friamente uma gata ao jogá-la na parede. A outra pelo
estigma do destino de que como um fantasma o desgraçado corria por cima dos
muros e dos telhados com agilidade dos felinos. E a última, particularmente,
por o seu genitor chamar-se Chagas da Gata. E a sua avó conhecida como a velha
gata. Para quem era considerado como um bandido perigoso, nunca cometeu nenhum
crime violento, homicídio ou assalto a mão armada, mas deixou o país perplexo
com os furtos e os estupros. Um dos casos de maior repercussão na trajetória do
maníaco, foi quando em Minhas Gerais, o empresário Jair Siqueira, atirou e
matou sua filha adolescente, pensando ser o estuprador Fernando da Gata, que
invadira a sua residência. Com as histórias de que Fernando da Gata estuprou
mais de cem mulheres, o que renegou a sua própria mãe: “100 mulheres
estupradas, essa história está errada, meu filho estuprava moça.” Embora que
Fernando da Gata tenha estuprado somente moça. Nunca se ouviu dizer que ele
tivesse drogado, espancado ou assassinado uma delas. Nem cometido crime de
rapto, corrupção de menores ou lesão corporal. Pois por muitos policiais e
pelas próprias mulheres estupradas, todos afirmaram que ele era um rapaz,
calmo, educado, meigo e muito afável, embora considerado um dos maiores
criminosos de todos os tempos. E de tanto vivificarem o bandido, fizeram samba
enredo, filme, poesia, literatura de cordel, embora temido, para muitos
tornou-se querido até pela polícia que dele tinha medo. Fernando da Gata não
nasceu em nenhum mundo-cão, nem fora a besta humana que pintaram, não teve
parceiro, nunca usou arma, droga e nem álcool, nem apresentava distúrbio
psíquico. Apenas no triunfalismo dos mistérios e invocações demoníacas,
Fernando da Gata, sabia ler o destino nos olhos dos gatos, ao ponto de se
tornar invisível diante dos policiais e dos cães que quando o farejam voltavam
espavoridos. Assim como o homem tentou descobrir o elixir da eterna juventude e
o segredo da invisibilidade, Fernando da Gata considerado um dos bandidos mais
astucioso e inteligente que esse país conheceu, no uso da extrema manifestação
sobrenatural desaparecia diante dos olhos da polícia sem deixar rastro. Assim
como furou vários cercos policiais, no Ceará, São Paulo e Minas
Gerais. Assim, como nas inúmeras perseguições, com helicóptero, cães
treinados e centenas de policiais experientes. Principalmente com a fuga
cinematográfica da cadeia de Mossoró, pondo fogo no teto do xadrez e
com o grampo de cabelo de sua namorada abriu o cadeado da cela, fugiu e nunca
mais foi preso. Ele entrava nas casas, pedia para a mulher fazer comida,
descansava, estuprava e depois ligava para a policia e sumia. Era um facínora
de malícia, orgulhoso e astuto. Ameaçava juiz e delegado, telefonava, mandava
bilhete e recado que ia estuprar, escalava o muro e invadia as casas com maior
tranqüilidade deixando o General Assis Bezerra desmoralizado. Fernando da Gata,
Francisco Soares Pereira, morto pela polícia mineira foi enterrado quatro
vezes, a última no cemitério de Russas.
Airton
Maranhão
POR AIRTON
CHIPS
Fernando
Soares Pereira nasceu em 1961 na pequena Russas-CE e aos 21 anos, depois de
meteórica carreira na capital paulista e em Pouso Alegre, tornou-se a pessoa
mais temida e mais popular do Brasil. Sua fama começou na própria Russas onde
mais tarde ele voltaria de avião fretado pelo governo do Estado e, sob o ruflar
de tambores seria….. enterrado, como herói e mártir. Suas estripulias,
brincadeiras com a polícia e abusos sexuais começaram ainda na adolescência e
aos vinte anos Fernando já era o mais ilustre ladrão e estuprador da cidade… e
o maior fujão do velho hotel de Russas. Prendê-lo até que não era tão difícil.
Bastava chantageá-lo. O difícil era mantê-lo na cadeia. Diziam que ele tinha
parte com o demônio, praticava magia negra ou algo assim, pois simplesmente
desaparecia da cadeia na hora que queria. Quando os policiais não conseguiam
prendê-lo, diante da pressão da população, prendiam algum de seus familiares e
então ele se entregava e o chefe da polícia o exibia na sacada da delegacia
para acalmar a população. Esta última parte até que pode ter acontecido, pois
naqueles tempos, antes do advento da Carta Magna do jurássico Ulisses
Guimarães, nos mais distantes rincões do nosso brasilsão verde-amarelo,
especialmente nas pequenas cidades, políticos e policia faziam as leis de
acordo com suas conveniências – Faziam…?
Mas o baixinho que na lá no Ceará gostava mesmo de meninas novas de família,
cansou-se da farra, da rotina e da pobreza do nordeste e resolveu descer para o
rico sudeste. Fixou residência na periferia de São Paulo e se tornou Manoel
Rufino da Silva, trabalhador da construção civil. Casou-se com Maria de Fátima,
mas logo recomeçou a vida de crimes contra o patrimônio e contra os costumes.
Seis meses depois estava em todos os noticiários impressos, radiofônicos e
televisivos do país. Agora, o Fantástico Show da Vida já o apresentava ao
Brasil como o misterioso “Fernando da Gata”. Em São Paulo ele pulava muros e
quintais usando apenas um calção, dominava cães ferozes com um simples estalar
de dedos, entrava nas ricas mansões de revolver em punho, estuprava a dona da
casa no seu quarto com o marido trancado no banheiro ao lado ou na presença
dele mesmo, comia refeições frias ou quentes preparadas pela dona da casa. As
vezes fazia xixi – e o ‘dois’ também – nos pratos e panelas e ia embora levando
somente objetos que pudesse carregar nas mãos ou numa sacolinha presa à
cintura; joias.
Herói, bandido, demônio, mito, folclore. Não sabemos o que é fato e o que é
boato, mas foi com este perfil que Fernando da Gata chegou a Pouso Alegre em
meados de agosto de 82. Aqui começa a história que podemos atestar sobre o
maior bandido que conhecemos, o qual passou como um furacão por Pouso Alegre e
morreu na margem direita do rio Sapucaí, no bairro Pouso do Campo, em Santa
Rita do Sapucaí. Morreu tão solitário quanto sua vida criminosa, duas semanas
depois de adentrar o Estado mais eficiente do Brasil no combate ao crime.
Um pouco de sua fama era verdadeira, pois os mais famosos policiais de São
Paulo vieram para Pouso Alegre tão logo souberam de sua presença… para
espantá-lo.
Quando um próspero comerciante da cidade recebeu a visita sorrateira de um
baixinho seminu, na calada da noite, sem ser incomodado pelos dobermans, o cão
de guarda da época, a polícia se lembrou da principal reportagem do Fantástico
na noite anterior e ligou os fatos ao bandido. Mas somente depois da terceira
visita noturna, três estupros e roubo de cerca de um quilo de joias diversas, é
que a polícia de mobilizou à altura do perigo que enfrentava. As principais
autoridades da cidade se reuniram formando uma mesa redonda, composta pelo
General Carlos Aníbal Pacheco, comandante da AD4, Dom Jose D´Ângelo Neto, bispo
arquidiocesano, Candido de Souza, prefeito Municipal, Abel Lobo Cordeiro,
Delegado Regional, Capital Odilon Jose Gomes, comandante da 56ª Cia do 8º BPM e
Jose Murilo Maia, radialista proprietário da Rádio Clube – coincidentemente
conterrâneo do meliante – para manter a população informada do que estava sendo
feito para capturar o perigoso marginal, supostamente Fernando Soares Pereira,
O Fernando da Gata, bem como transmitir à população orientação de como evitar
pânico, pois este era o caso.
Todos os policiais da cidade foram convocados, independentemente de escala de
serviço, para participar da caçada ao maníaco. Era uma operação de guerra. Foi
aí que eu entrei na história de Fernando da Gata. Eu acabara de sair do plantão
de 24 horas e fui chamado para voltar para a Delegacia e continuar de plantão
enquanto os colegas saiam na captura. Eram mais de 60 policiais rondando a
cidade a noite toda, em carros particulares, pois não havia viatura para todos.
Na cidade todos se trancavam em casa, mas ninguém dormia, tamanho o medo que
sentiam de ser a próxima vítima. Duvido que alguém tenha passado tanto medo
quanto eu ali naquelas três noites frias de agosto. Meu raciocínio era que se o
meliante era ousado o suficiente para enfrentar cães ferozes e pais de famílias
assustados e armados, ele devia saber que eu estava sozinho na delegacia
assistindo “Starsk & Hutch” na tv Philips preto branco. O que o
impediria de visitar o jovem policial com um caquético HO enferrujado e seis
balas com a pólvora solta, na cinta?
Em Pouso Alegre Fernando da Gata fez apenas três visitas nas quebradas da
noite. Só anfitrião escolhido, dois ricos empresários e o mais famoso advogado
criminal da cidade e região, todos tiveram suas joias levadas… e a honra de
suas mulheres também. Numa das casas, a de um empresário do ramo de automóveis,
ele chegou com fome… de arroz com feijão de corda, buchada de bode ou jabá com
farinha como estava acostumado no Nordeste e ficou mais tempo que o habitual,
pois tinha também fome de sexo. Após satisfazer seus apetites sexuais, exigiu
que a dona da casa fosse para a cozinha preparar-lhe um banquete. Somente
depois de encher o ‘pandu’, e fazer suas necessidades fisiológicas em pratos e
panelas ele foi embora levando as joias, a dignidade e a paz da família.
No entanto, o maior dano que Fernando da Gata causou em Pouso Alegre, viria
três dias depois de sua última visita noturna, já com dezenas de homens na sua
sombra e ele a centenas de quilômetros da cidade.
Um prospero empresário, que se tornaria um dos maiores políticos da história
recente de Pouso Alegre, apavorado como todos os pais de família da cidade,
dormia com o revolver na cabeceira da cama. No meio da madrugada a porta de seu
quarto se abriu lentamente. Ele despertou sobressaltado, pegou a arma e
atirou…. Não era o bandido. Era sua filha adolescente de 13 anos, que sem
conseguir dormir, fora buscar abrigo no seu quarto, e tombou sem vida. O tiro
disparado no meio da madrugada despertou toda a vizinhança e atraiu os
policiais que faziam a ronda, mas não havia nada mais a fazer. Desnecessário
dizer que o empresário recebeu o perdão judicial, pois o mal que ele causou a
si mesmo foi muito maior do que o que a justiça poderia lhe impor.
Desde que todas as forças policiais da cidade se mobilizaram para prender o
maníaco, os crimes cessaram. Mas as investigações continuaram e dias depois
Fernando da Gata fez contato com sua esposa Maria de Fátima, dizendo que estava
na histórica Mariana, na região metropolitana de Belo Horizonte. Marcaram um
encontro no posto Mavesa, no trevo da “Brasilinha”, entroncamento da BR 381 com
459, onde ele entregaria a ela as joias roubadas, para fazer dinheiro.
O encontro foi marcado para as duas horas da tarde do dia seguinte, no “play
graund” do restaurante ao lado do posto e desde a manhãzinha, frentistas e
garçons viraram policiais à paisana, prontos para dar o bote. O dia passou sob
imensa tensão e somente às quatro da tarde um baixinho com pinta de somongó,
levando mochilinha nas costas aproximou-se do fiat 147 que aguardava na sombra
frondosa de um Ficus. Ao volante estava o advogado de Maria de Fátima e ela ao
seu lado. No banco de trás estavam o famoso investigador Fininho e um delegado
paulista, que fizeram questão de participar da prisão. – Na verdade, concluímos
depois, o objetivo dos policiais paulistas era exatamente o contrário. Queriam
afugentar Fernando da Gata, para que ele não fosse preso em solo mineiro. Eles
queriam ter a honra de prender o mais famoso bandido do país – Ao
reconhecê-los, O gatuno fugidio nem chegou a falar com a esposa, saiu correndo
em direção à rodovia e embrenhou-se no mato. Fininho e seu parceiro saíram
primeiro na perseguição e despistaram nossos policiais, informando que o
bandido se refugiara à direita da Fernão Dias, sentido São Paulo. O cerco foi
feito rapidamente e toda a área varrida até a noite. Sem sucesso. No dia
seguinte o assaltante estuprador foi visto no município de Cachoeira de Minas,
do lado oposto da rodovia indicada por Fininho. Reiniciada a perseguição, ele
rumou-se para Santa Rita do Sapucaí, de onde sairia no rabecão do IML com um
único balaço no lado direito do peito.
O diretor da Guarda Municipal de Santa Rita, que era sargento comandante da
polícia militar na época e participou da caçada, disse-me que durante as duas
semanas da presença do bandido na região, a criminalidade na cidade de Santa
Rita caiu a zero. “Até mesmo os bandidos da cidade ficaram com medo de sair de
casa”, conta ele.
A bala que acabou com a farra do famigerado Fernando da Gata, o terror dos
ricaços e devolveu a paz e a tranquilidade a milhares de famílias da região,
saiu do revolver particular do sargento da Policia Militar Ambiental
José Lúcio Campos. – A polícia de Minas Gerais não
fornecia armamento a seus policiais na época.
Vinte e sete anos depois, Sargento Campos como é conhecido, aposentado desde
88, atendendo meu convite, voltou ao local do fato e me contou como foi.
“Como todos os policiais da nossa área, eu estava à disposição do comando para
caçar sem tréguas o perigoso bandido. Eu subi o Rio Sapucaí de barco com minha
equipe e quando me preparava para voltar por terra, com o barco a reboque,
recebi informação do meu comandante de que o suspeito fora visto próximo à cidade
de Santa Rita, nas proximidades da Moore, descendo para o rio Sapucaí. Depois
de vasculhar a área indicada, sem sucesso, determinei ao soldado que retornasse
ao ponto de partida para buscar a viatura. Enquanto aguardava sua volta, me
abriguei deitado ao chão numa restinga há menos de cem metros da margem direita
do rio, atrás de uma moita de ‘assa-peixe’. Fiquei ali uns 20 ou 30 minutos até
que começou a escurecer e os curiangos começaram a cantar. Eu estava numa
pequena depressão do terreno e então me levantei para ter melhor visão do
local. Ao dar os primeiros passos, surgiu à minha frente, há menos de dez
metros, um vulto vindo do rio. Apesar da penumbra de início de noite pude ver
que ele usava apenas calção. Ordenei;
- “Quem estiver aí, pare ou eu atiro”.
Não houve dialogo. Neste momento vi um movimento que parecia seu braço se
levantando ao lado do corpo e puxei o gatilho do meu revolver que trazia
engatilhado, ao mesmo tempo em que me jogava ao chão. Ouvi dois tiros, o meu e
o dele e o vulto caiu ao chão. Caiu mas levantou-se rapidamente e saiu
correndo. Levantei e corri atrás gritando:
- “pare, você está cercado”, e dei mais um tiro mas ele não parou, soltou uma
praga qualquer que não entendi e se embrenhou na restinga ciliar. Como eu
estava desprotegido em campo aberto, parei para me abrigar e fui lentamente
contornando a restinga de onde o fugitivo talvez pudesse sair. Cerca de 25
minutos depois chegaram ao local o capitão Calçado, o tenente Ponzo, um civil e
dois cães farejadores. Após narrar os fatos ao superior, voltamos ao local onde
acontecera os disparos e encontramos no chão o revolver branco calibre 38
banhado de sangue. Deduzimos que meu tiro havia atingido o bandido e passamos a
vasculhar as imediações. Por volta de nove da noite, ainda sem sucesso, pedi ao
capitão calçado para me liberar para ir para casa, pois eu estivera desde a
manhãzinha num patrulhamento florestal no município de Bom Repouso e teria que
retornar às cinco da manhã seguinte. Dispensado, fui para casa e dormi
tranquilamente, como de costume depois de um dia cansativo. Por volta de uma e
meia da manhã, fui acordado pelo cabo Paula Costa, que me disse:
– “Você matou o bandido”. Nós achamos seu corpo há poucos metros de onde você o
baleou, com um tiro no peito. “O comandante quer você no batalhão para prestar
esclarecimentos”.
Eu soube então que meu tiro havia acertado o lado direito do peito do bandido e
como ele estava de perfil, a bala caminhou e atingiu o coração. Com o impacto
ele caiu ao chão levando a mão com a arma ao peito e com a dor derrubou o
revolver e não conseguindo achá-lo no escuro e não querendo se entregar, fugiu
de mim desarmado. Seu corpo foi encontrado por volta de onze e meia da noite,
de bruços, junto a uma moita de capim, há poucos metros do local onde eu o
acertei.”
A vida do mais famoso, misterioso, solitário e aterrorizador bandido que já
passou pela região acabou ali, há poucos metros da margem direita do rio
Sapucaí, num pastinho de capoeira da fazenda do Sr. Huet Moreira no bairro
Pouso do Campo, na altura da Moore Formulários, onde hoje, 27 anos depois,
cresce um viçoso milharal.
Acabou a vida, mas não a saga.
Ele ainda daria trabalho e renderia muita história “post mortem”, inclusive a
mim.
O maior terror
do Brasil no momento tornara-se um troféu, não poderia ser simplesmente
enterrado, tinha que ser exibido – sua família demoraria um pouco para
reclamá-lo. Seu velório aconteceu nos corredores da 13ª Delegacia Regional de
Polícia de Pouso Alegre. Lá estava eu novamente para coordenar a entrada da
multidão de curiosos na delegacia, para ser apresentada e se despedir do
gigante, do terror, do endiabrado bandido de 1,68m de altura que deixava cães
ferozes choramingando nos cantos de quintais com sua passagem.
Não foi bem um velório, foi mais uma exposição à visitação, até porque, as
pessoas não acreditavam que o perigoso bandido havia morrido. ‘Matada a cobra,
era preciso mostrar o pau’… e não foi uma boa ideia. Menos de duas horas depois
o corpo do baixote ossudo, fortinho e sereno, quase angelical, teve que ser
retirado da delegacia no rabecão, sob forte aparato policial, revolta e
descontrole da população que queria invadir a delegacia. Talvez para
esquartejá-lo. Confesso que não sei onde ele passou as próximas horas esperando
a população se acalmar. Somente à noite com a poeira assentada, seu corpo
desceu à terra numa cova rasa no cemitério municipal.
O epílogo da história de Fernando da Gata em Pouso Alegre seria escrito quase
três semanas depois devido a uma falha profissional. Esquecemos de colher suas
impressões digitais. Romeu Norte Pereira, um baixinho invocado filho de
fazendeiro do Triangulo Mineiro, fora meu colega no curso de detetive da
Acadepol e como cursava medicina, exercia as funções de Auxiliar de Necropsia.
Foi ele que desenterrou o gatuno naturalmente nauseabundo e fez a coleta das
impressões papiloscópicas. E a coleta foi feita na garagem da delegacia
regional… Mas apenas os dedos foram levados para lá numa baciinha,
‘delicadamente’ cortados com uma tesoura. O resto do corpo não saiu do tosco
caixão.
No dia 20 de setembro de 1982, já sem alarde, sem clamor e sem glamour, sem
saudade e sem os dedos, Fernando da Gata embarcou num carro funerário em Pouso
Alegre e desceu no aeroporto de Guarulhos. De lá fez sua primeira e única
viagem de avião – da morte – rumo ao aeroporto Pinto Martins em Fortaleza. ‘…
foi-se o bandido… ficaram-se os dedos…’ numa lata de lixo qualquer. Seguiu pela
madrugada de carro fúnebre para Russas, onde era esperado como herói, com
centenas de pessoas dormindo na porta do cemitério para recebê-lo enquanto uma
rádio local anunciava de hora em hora sua chegada.
Os fatos, mitos e boatos que se passaram antes de sua chegada e depois de sua
partida de Pouso Alegre, continuarão por conta do imaginário popular. “O que se
passou em terras manduanas, plagiando Chico Lorota”, são fatos “acontecido”. Eu
estava lá. E tem mais…
Santa Rita do Sapucaí tem mais a ver com a história de Fernando da Gata do que
se imagina. Meses depois da passagem do terror dos ricaços por aqui, uma
pescadora – não seria o Portelinha? – que margeava o rio Sapucaí depois de um
dia frustrado de pescaria, teve seu dia de gloria. Olhando por acaso para o
alto, talvez para perguntar à Deus: “ Ó Pai, porque não me deixa pegar um
dourado de 15 quilos?” Teve sua recompensa. Viu alguma coisa pendurada num
galho de um ingazeiro, parecia uma meia. Cutucou com a vara de pescar e choveu
pulseiras, brincos, anéis e correntes de ouro em sua cabeça. Talvez por medo de
levar para casa, levou para a Delegacia e entregou ao delegado Jose Eustáquio
Nicolau de Lima e os dois levaram o ‘pescado’ para o delegado Abel Lobo
Cordeiro de Pouso Alegre. As joias roubadas por Fernando da Gata voltaram aos
seus donos. Dizem as más línguas que teve vitima que recebeu até mais do que
lhe fora roubado. O ‘pescador de ouro’ do Sapucaí, naturalmente recebeu uma
gorda gorjeta.
Um ano depois de acabar com a raça do famigerado ladrão e estuprador que fez
até os bandidos de Santa Rita tremerem e se esconderem debaixo da cama,
Sargento Campos, hoje com 67 anos, sentou-se no banco dos réus, diante do homem
da capa preta. Ele tinha a seu favor duas excludentes de criminalidade,
“legitima defesa” e “estrito cumprimento do dever legal”, por isso, como manda
o figurino, foi absolvido pela morte do facínora. Apesar de ter sido eleito
vereador de Pouso Alegre por duas legislaturas, e ter desistido de continuar na
política por questão de princípios, Sargento Campos disse que o fato de ter
matado Fernando da Gata não mudou nada em sua vida.
- “Eu era um profissional a serviço da sociedade”, concluiu.
E nós que conhecemos o cidadão, o policial e o político, que vive na mesma casa
desde antes do fato, em Pouso Alegre, acreditamos. Porém, não conhecemos muitos
profissionais que teriam a coragem de adentrar aquela restinga de várzea no
crepúsculo daquele 03 de setembro, sozinho.
Você teria?
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