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domingo, 14 de abril de 2013

Ulisses Liberato de Alencar: Ovelha desgarrada da “elite branca” do algodão.

Por: José Romero Araújo Cardoso

Apesar de ter se destacado entre os mais cultivados e astutos chefes de cangaço do início da segunda década do século XX, Ulisses Liberato de Alencar foi um proeminente membro da orgulhosa aristocracia rural que se formou no sertão nordestino com o apogeu da cotonicultura no século XIX e parte do século passado.

Ulisses nasceu em “berço de algodão” na fazenda“Estrelo” no ano de 1894, natural do município de Pombal, cuja localização geográfica está no alto sertão da Paraíba, situado a quase quatrocentos quilômetros da capital, na confluência dos rios Piranhas e Piancó.

Seu pai era o fazendeiro e almocreve Francisco Liberato de Alencar, descendente do mesmo ramo familiar do qual faz parte o romancista cearense José de Alencar. Do lado materno descendiam de judeus. A mãe de Francisco Liberato de Alencar, de nome Ana Maria da Conceição, dos Cardoso D’Arão, era filha de um descendente de criptojudeu de nome João Ignácio Cardoso D’Arão, cujo pai fugiu do litoral paraibano para escapar das perseguições da inquisição que acusava a comunidade de prática judaizante, estando a mesma localizada, mais precisamente, na área adjacente a Gramame, em uma localidade conhecida por Engenho Velho.

Após a fuga se homiziaram no cariri cearense e depois em uma comunidade conhecida por Mari dos Seixas, localizada em São João do Rio do Peixe, pertencente na época à localidade de Sousa, Estado da Paraíba, rumando depois para Pombal, onde se instalaram definitivamente.

Até 1914 o futuro líder bandoleiro era apenas mais um entre tantos sertanejos que labutavam nas adustas plagas tórridas da região do Piranhas-Piancó. O seu espírito belicoso e aguerrido só despontou com ênfase quando da seca de 15. Esta estiagem destruiu as economias amealhadas a custo pela outrora imponente família Liberato de Alencar, embora passado o rigor climático tenha havido o equilíbrio das finanças dos alencares.

Associado a essa desgraça cíclica veio a morte de Francisco Liberato de Alencar, fazendo com que Ulisses se aproximasse de famílias abastadas que personificavam a classe dominante da hinterlândia paraibana. Situavam-se degraus acima dos alencares na estamentação da sociedade sertaneja agro-pastoril.

No complexo inter-relacionamento entre oligarquias havia laços de suserania e vassalagem conforme os favores e benesses concedidos. Os alencares já não dispunham de posses que rivalizassem com famílias historicamente detentoras do mandonismo local, como Queiroga e Fernandes. A submissão de Ulisses o levou aos caminhos da vida marginal.

Favores “exigidos” por “protetores” dos momentos de infortúnios comprometeram a família e o próprio Ulisses. Já não era o considerado filho do respeitado e rico fazendeiro do “Estrelo”. Transformou-se rapidamente em um bandido que roubava e matava a serviço da falta de escrúpulos e da ausência de valores. Selava assim o seu destino às leis do bacamarte e da lazarina.

O prestígio dos alencares, decaído em razão da inserção de um membro da orgulhosa aristocracia do algodão nas hostes do cangaço, amalgamado com os efeitos da seca inclemente, precisava ser reerguido.

Ulisses foi enviado pela família a São Paulo a fim de se regenerar. Logo a solução se mostrou inviável, pois o bandido não demorou o bastante na região Sudeste. Retornou ao sertão e recomeçou toda uma série de estrepolias e escaramuças.

Antigos “protetores” começaram a se mostrar preocupados com aquele “arquivo vivo” solto na caatinga. Não era em vão o temor que os caudilhos sertanejos demonstravam.

Dotado de um temperamento violento e impulsivo, Ulisses invadiu a fazenda “Bom Jesus”, em Pombal, surrando impiedosamente a sua proprietária de nome Antônia Maria da Conceição em razão que esta o estaria difamando, comentando seus crimes nas redondezas. Contemporâneos do bandido, no entanto, afirmavam que o mandante de tal atrocidade tinha sido famoso “Coronel” que marcou época no sertão, implicado diretamente nas desditas da ovelha desgarrada da “elite branca” do algodão.

As consequências desse ato se revelaram negativas a Ulisses e aos mandatários de baraço e cutelo, vindo à tona diversos crimes praticados pelo futuro cangaceiro. A partir disso ele se tornou mais perigoso, representando uma ameaça mais latente aos seus antigos “protetores”. O caminho a seguir era o cangaço, ombreando com salteadores famosos do nordeste semiárido a sua triste sina.

Ulisses se tornou mais um cavaleiro nômade vestindo a couraça dos guerreiros sertanejos. Empunhou o rifle, amolou a faca que um dia seu pai abriu caminho na caatinga conduzindo tropas de burros, e formou seu bando com a matéria-prima inesgotável na região. Onde há miséria e perseguição não faltará quem viva à margem da sociedade alardeando a revolta aos quatro cantos.

Suas ações, rápidas e precisas, valeram-lhe fama e respeito de outros grupos bandoleiros. Em considerável parcela da região semiárida de quatro Estados nordestinos seu nome granjeou notoriedade fabulosa. Boa parte da Paraíba, do Rio Grande do Norte, do Ceará e de Pernambuco registrou as ações espetaculares de Ulisses Liberato de Alencar.

A definição de um dos valhacoutos da fera sertaneja na localidade do Barro, Estado do Ceará, feudo inconteste do todo poderoso “Major” José Ignácio de Sousa, determinou a aproximação do cangaceiro com outro proeminente membro da oligarquia sertanejo, não menos afortunado que Ulisses. Atendia pelo nome de Sebastião Pereira e Silva, o célebre “Sinhô Pereira”. Junto com o primo Luiz Padre moviam luta sem quartel na secular guerra interfamiliar envolvendo sua família e a dos Carvalhos.

O “Major” José Ignácio era um dedicado coiteiro, considerado o maior de todos. Amigo dos alencares, principalmente de Argemiro, agente econômico na comercialização das famosas rapaduras dos engenhos do velho caudilho cearense no sertão da Paraíba.

Já cangaceiro profissional, Ulisses resolveu se casar com uma sertaneja de nome Santina. Corria o ano de 1918. As perseguições ininterruptas passaram a atingir além do “Estrelo”, nas localidades onde residam os parentes de sua esposa. Torturas e sevícias eram os métodos mais utilizados pelas forças volantes a fim de obter informações sobre o paradeiro do bandido.

O cangaceiro só podia amar com satisfação o cheiro da caatinga molhada depois das chuvas que põem fim às secas, o xiquexique trespassado de espinhos e as colinas sertanejas, seus esconderijos mais usuais. Além disso, apenas a confiança em suas armas e à frieza dos seus punhais. O casamento era uma instituição social que não podia ser desfrutado plenamente pelos bandoleiros das caatingas.

No Barro Ulisses firmou sólida amizade com o vingador do sertão do Pajeú, passando de chefe de grupo independente a de subgrupo do bando de Sinhô Pereira. Neste ensejo estendeu sua luta a Pernambuco. No mesmo ano que se casou houve uma verdadeira devassa no território controlado pelo velho “Major” José Ignácio. Acossado por volantes cearenses, o famoso coiteiro deixou o nordeste em companhia de Luiz Padre, homiziando-se no Estado do Goiás, onde foi assassinado na localidade de São José do Duro (hoje Estado do Tocantins).

Em 1919, unindo forças com o grupo de Sinhô Pereira, destroçaram volantes aquarteladas na vila de São Francisco de Villa Bella (hoje Serra talhada, Estado de Pernambuco).

Nas batalhas travadas Ulisses teve por companheiros todos os maiorais do banditismo rural que infestava o nordeste, destacando-se entre estes, além do comandante já citado, àquele que se tornou o“rei de todos os cangaceiros”: Virgulino Ferreira da Silva, vulgo Lampião.

O ataque à vila de São Francisco repercutiu negativamente, pois a perseguição recrudesceu de forma impressionante. Antigos aliados do “Major” José Ignácio que ainda lhe dava proteção no Estado do Ceará garantiam-lhe ainda relativa segurança.

Em Cantinho do Feijão (hoje Santa Helena, Estado da Paraíba), uma pequena localidade situada no alto oeste paraibano, fronteira com o Estado do Ceará, Ulisses firmou base estratégica.

Para tanto, contou com a proteção forçada de um parente relativamente abastado para a época, residente nesta localidade. Chamava-se Alfredo Cardoso D’Arão, homem muito respeitado no lugarejo fundado por Raimundo Luiz, pai do cordelista Raimundo Santa Helena. Mais tarde, no ano de 1927, o fundador, que na ocasião ocupava o cargo de subdelegado da localidade, foi morto num ataque fulminante do bando de Lampião, quando do deslocamento em direção ao Estado do Rio Grande do Norte, objetivando atacar Mossoró.

Usando a propriedade do parente como base avançada, Ulisses desferia ataques violentos às fazendas vizinhas, bem como às localizadas no Estado do Ceará, exigindo tributos dos desditados fazendeiros. Aqueles que o desafiasse enfrentaria sua vingança terrível. Ulisses não era de brincadeira, assim como seu bando sinistro.

O casamento de Argemiro Liberato de Alencar com Dona Maria Mafalda de Alencar (Maria Francisca Sinésio Benevides) aproximou Ulisses do Estado do Rio Grande do Norte. Nesse ensejo, estabeleceu seu ponto estratégico na fazenda Jordão, localizada entre Caraúbas e Patu.

No dia 11 de setembro de 1922, o fim do apogeu da era Ulisses no sertão de quatro Estados foi selado definitivamente. Encontrava-se em missão de observação na localidade Alagoinha de Lavras da Mangabeira (Estado do Ceará) quando foi preso. Encontrava-se sem o bando. Para não chamar atenção havia preferido agir sozinho na missão que fora a última.

Recambiado à cadeia da cidade do Crato (Estado do Ceará), foi minuciosamente inquirido. A transferência do bandoleiro, para a cidade de Pombal, foi requisitada a fim de que ele respondesse inúmeros inquéritos.

No entanto, o real sentido da transferência era dar prosseguimento à “queima de arquivo” que havia sido planejada pelos poderosos caudilhos que o haviam envolvido na vida de crimes.

No mês de setembro do ano de 1923 foi sumariamente fuzilado. Junto com Ulisses morreram dois companheiros de escaramuças que também se encontravam presos. Com Chá Preto e Polvrinha fez a última viagem, sem retorno, pois quem comandava a escolta policial era um dileto soldado-jagunço a serviço de quem o queria morto. Era o fim da valente ovelha desgarrada que a opulência e a miséria do algodão geraram no sertão do Estado da Paraíba.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:

BARRETO, Alício. Solos de Avena. João Pessoa/PB: A Imprensa, s. d.

MELLO, Frederico Pernambucano de. Guerreiros do Sol: O banditismo no Nordeste do Brasil. Recife/PE: Ed. Massangana, 1985.

Entrevistas Pessoais:

CARDOSO, Vicência (Dona Lunguinha). Pombal/PB –15 a 16 de junho de 1992.

SOUSA, Benigna Lourdes de. João Pessoa/PB - 18 a 31 de maio de 1993.

(*) José Romero Araújo Cardoso. Geógrafo. Professor-adjunto IV do Departamento de Geografia da UERN. Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente. Contatos: Rua Raimundo Guilherme, 117 – Quadra 34 – Lote 32 – Conjunto Vingt Rosado – Mossoró– RN – CEP: 59.626-630 – Fone: 084-3312-0239 – E-mail:
romero.cardoso@gmail.com.

Enviado pelo autor

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A sinistra autobiografia de um sicário

Por: Ulisses Liberato de Alencar
Luiz Padre

Aos vinte e quatro dias do mês de Janeiro de mil novecentos e vinte e três (1923) às dezoito horas, nesta cidade do Crato, no Paço da Câmara Municipal, presentes o primeiro suplente de delegado de polícia em exercício, major Raimundo de Moraes Brito, comigo escrivão de seu cargo, abaixo nomeado, os senhores capitão José dos Santos Carneiro e o tenente Antônio de Mattos Dourado, ai compareceu, em virtude de Portaria nesta data, desta delegacia, o indivíduo Ulisses Liberato de Alencar, de vinte e nove anos de idade, natural do município de Pombal, Estado da Paraíba, filho legítimo de Francisco Liberato de Alencar, almocreve; sabe ler e escrever, casado. Interrogado pelos diversos motivos porque se acha preso, respondeu: "Que residia na fazenda "Estrelo" do município de Pombal, Estado da Paraíba, tendo se retirado daí no mês de outubro do ano de mil e novecentos e dezoito (1918), por motivo de questões com o chefe do município, doutor José Queiroga, vindo residir na fazenda "Trapiá", município de Milagres, neste Estado, debaixo da proteção do "major"José Ignácio; que residiu no "Trapiá", até o mês de outubro de mil novecentos e dezenove (1919); que durante o tempo que esteve na companhia de José Ignácio, nunca tomou parte em combates ou ataques a pessoa alguma, a não ser ter ido deixar a importância de quatrocentos mil réis (400$000), enviada por José Ignácio a ser entregue a Luiz Padre foto 1 e Sebastião Pereira foto 2...
  

Sinhô Pereira

... no lugar São Francisco, no Estado de Pernambuco; que ao chegar a São Francisco, no dia seguinte ao da sua chegada, foi o grupo atacado pela força de Pernambuco, morrendo nessa ocasião nove (9) soldados; que de São Francisco, voltou ao "Trapiá"; que assistiu ao tiroteio, que determinou a morte de João Flandeiro, sendo autores desse assassinato Sebastião Pereira, Tiburtino, filho de José Ignácio e José Nogueira; que não sabe se atirou, mas conduzia no seu bornal sete caixas de balas e que no final do tiroteio, restavam-lhe trinta balas; que estavam presentes neste tiroteio Sebastião Pereira, Tiburtino, José Ignácio de Sousa, Raimundo Agostinho, Raimundo Tabaqueiro, Raimundo Patrício, Patrício de Tal, filho de João Raimundo, Cornélio, vulgo Chico Caixão, ou ainda Parafuso, José Nogueira Deodato, vulgo Rouxinol, Satyro, vulgo Meu Primo, Manoel Vaqueiro, Manoel Sant'Ana, Firmino Miranda, Manoel Benedito, Antônio Dino, vulgo Pilão, José de Genoveva, José Pedro, tendo ainda a presença dele, respondente; que relativamente ao fogo de Coité, tem a dizer que, estando no "Barro", assistiu a saída para Coité, de quarenta e oito homens chefiados por Sebastião Pereira, Tiburtino e José Nogueira; que o fim principal era, atacando Coité, seguirem depois pelo município de Milagres e nos lugares circunvizinhos àquele município forçando assim a força pública a sair de Milagres, para atacar o "Barro" aproveitando-se o grupo da ocasião, e atacar Milagres; que no "Barro" existiam duzentos e sessenta (260) homens, todos em armas, prontos a agir contra a força pública; que a ordem sobre o ataque de Coité era determinação de José Ignácio de pegarem o Padre Lacerda, obriga-lo a dar trinta contos de réis........ (30:000$000); que ele, respondente, não assistiu ao tiroteio por estar doente; que do Coité o grupo dirigiu-se à fazenda "Queimadas" sendo ali atacado pela força, morrendo o "Pitombeira"; que isto soube por Sebastião Pereira; que dois dias depois mais ou menos depois do fogo de "Queimadas", veio até "Barreiros" o "major" José Ignácio, acompanhado dele, respondente, e mais outros companheiros; que estiveram em casa do doutor Floro Bartolomeu da Costa, regressando ao "Barro" no mesmo dia, e que no caminho José Ignácio disse a ele, respondente, que devido ao acordo havido entre o doutor Floro e Manuel Chicote, ele, José Ignácio, baixava as armas; que já no "Barro", José Ignácio, estando ele, depoente, em casa de Almindo Lourenço, no lugar "Carnaúba" perto do "Barro", foi convidado por José Ignácio a fim de ir até a Paraíba, acompanhando outros companheiros, a fim de, no modo de dizer de José Ignácio, tirar ali as despesas da questão; que depois de dizer que não podia ir à Paraíba devido aos motivos atrás alegados, resolveu satisfazer o pedido de José Ignácio seguindo em companhia de Sebastião Pereira e mais vinte companheiros, à Paraíba, levando a ordem de José Ignácio, que era a seguinte: que deviam atacar Valdevino Lobo, Adolfo Maia e Rochael Maia, residentes, o primeiro em Dois Riachos, município de Catolé do Rocha; o segundo e o terceiro noutras fazendas, perto do primeiro; quando o respondente e seus companheiros ao chegarem perto e Jericó, foram atacados por autoridades do lugar, forçando o grupo a entrar no povoado, fazendo roubos, depredações, etc.; que nesse lugar seguiram para a casa de Antônio Saldanha, no município de Catolé do Rocha, fazenda "Santana" dormindo li; que no dia seguinte seguiram fim de atacar a casa de Valdevino; que chegando adiante uma légua distante da casa de Antonino, Sebastião Pereira disse a ele, respondente, que a ordem de José Ignácio era fazer o que Santa Cruz havia feito anteriormente, merecendo isto a aprovação dele, depoente; que ao chegarem na casa de Valdivino, roubaram, conforme declaração de Sebastião Pereira, cerca de dois contos e oitocentos mil réis......(2:800$000) e cento e vinte (120) libras esterlinas, cometendo toda a sorte de depredações; que ele, respondente, nada tirou desta casa; que sendo separados, dois grupos ficando m casa de Valdivino, Sebastião Pereira, a fim de seguir atrás, ele, respondente, seguiu por uma vereda com o plano de passar na casa de Adolfo Maia, de passagem; que ao chegar em frente da dita casa já encontrou Sebastião ali, onde já haviam depredado tudo, não sabendo quanto roubaram desse senhor; que ainda garantiu a vida de Adolfo Maia, que não chegaram a ir à casa de Rochael Maia, resolvendo o grupo voltar ao "Barro"; que ali chegando no dia seguinte José Ignácio o recompensou com a importância de duzentos mil réis (200$000); que não sabe avaliar a quanto montou o roubo na Paraíba, sabendo porém que todo o produto adquirido na viagem , foi todo entregue a José Ignácio, que, depois de tudo, refugiou-se em Juazeiro onde passou cerca de dois meses; eu dentro destes dois meses recebeu um recado de dona Rosa Amélia residente nesta cidade do Crato, filha do senhor João Alves, por intermédio de José Terto, que ele, respondente, caso não pudesse vir até esta cidade à sua residência, lhe mandasse um rifle de oito tiros; que em vista desse recado e por não poder vir até aqui, mandou o rifle por intermédio do referido José Terto; que tendo ido ao "Canto do Feijão", Paraíba, onde demorou quinze (15) dias, regressando ao Juazeiro recebeu ele, respondente, uma carta da referida prima Dona Rosa Amélia, convidando-o a vir até esta cidade, que, atendendo ao pedido veio em companhia de José Terto, desarmado, à noite, chegando cerca das oito (8) horas da noite, apeando-se ambos em casa da mesma prima; que isto se deu no mês de Agosto, não se lembrando a data nem o dia da semana; que ali chegando, esta mesma sua prima lhe declarou que precisava e insistia que ele tomasse a sua defesa, pois, havia pessoas que dirigiam a ela pilhéria e indiretas motivando isto ela estar muito mal satisfeita; que a sua prima não chegou a declarar os nomes das pessoas de quem ele, respondente, devia se vingar; que sabe que eram duas, e que tinham sido sócios de seu marido a quem conhece por Nênêm; que a mesma sua prima nunca lhe declarou os nomes dessas pessoas; que ele, respondente, esteve em casa de Dona Rosa Amélia seis vezes, dizendo ela todas as vezes que a ocasião era quando passassem as pessoas em frente à casa dela, e quando dirigissem pilhérias, ele, respondente, sair e dizer aos mesmos que não deviam fazer aquilo, pois podiam se dar mal, de outra vez; que o plano de Dona Rosa Amélia e seu marido era invadir a casa de negócio do Senhor Antônio Fernandes, retirar da mesma um dinheiro, que diziam a eles pertencer, sendo autor, dessa empresa ele, respondente; que José Terto estava nesta ocasião dizendo, depois a ele, respondente, que há tempo já havia sido convidado para tal empresa, escusando-se o mesmo José Terto de isso fazer; que da casa onde se hospedava, Rosa Amélia mostrava quase em frente uma casa grande, que dizia ser de uma pessoa sua inimiga rica e que era muito fácil de roubá-la; que não se lembra do nome deste, mas sabe que essa pessoa é farmacêutico nesta cidade; que também tinha uma outra pessoa que se devia assassinar, sabendo ele, respondente, ser um advogado, conhecido por José Bernardino; que então ele, respondente, declarou à Dona Rosa Amélia que não podia e nem devia fazer isto, pois ela era pessoa de responsabilidade e não devia fazer isto; que depois desse dia ele, respondente, ainda estando no Juazeiro, recebia constantemente pedido da mesma, a fim de fazer o "trabalho"; que depois disto ainda ela, Rosa Amélia, pediu a ele, respondente, que escrevesse a Tiburtino, filho de José Ignácio, a fim de que ele mandasse seus homens a executar o plano acima referido; que ele, respondente, mandou dizer a Rosa Amélia que não escrevia o que ela pedia; que ainda em Juazeiro, recebeu outra carta de D. Rosa Amélia para jantar em sua companhia, nesta cidade; que, atendendo ao pedido, ao chegar fizeram ciente que o dr. Audálio, encarregado da luz desta cidade, queria se avistar com o respondente, negando-se ao pedido; que disseram-lhe que o mesmo queria conhecer ele, respondente; que o que deu motivo a Rosa Amélia chamar o respondente à sua casa e propor-lhe os planos acima referidos, fora aconselhado por Arsênio Araruna, genro de José Ignácio, conforme declarações da mesma Rosa Amélia a José Terto; que um dia, quando estava nesta cidade, passou pela frente, ou na alçada do sr. Antônio Fernandes; que ao passar na frente de casa, foi até adiante e depois passou novamente pela calçada; que voltando resolveu não fazer o que ia fazer, por ordem da mesma dona Rosa Amélia; que nesta ocasião estava armado com um revólver e um punhal; que o plano era passar em frente à casa do Sr. Antônio Fernandes e assassiná-lo; que isto era conforme as ordens de Dona Rosa Amélia; que, como já disse, ao passar em frente à casa do mesmo senhor e chegando adiante refletiu e resolveu não fazer o que estava incumbido de realizar, pois nunca tinha assassinado pessoa alguma para ganhar dinheiro; que tendo sido chamado nesse dia, ao chegar à casa de dona Rosa Amélia, esta lhe disse que tinha sido intimada a pagar ao senhor Antônio Fernandes cerca de 18 contos, dizendo mais ela que, daquele dia não passava; que o que resolveu é o declarado atrás de ter resolvido não levar a efeito a ordem; que a casa do sr. Antônio Fernandes foi indicada a ele, respondente, pelo sr. Neném que de uma esquina apontou onde e como era localizada a casa, dizendo-lhe que era um senhor idoso e que costumava, à noite, sentar-se com sua família na calçada da casa; que, de posse destas informações, foi ao ponto indicado atrás, resolvendo fazer o que já disse: nada cumprir a respeito da ordem recebida; que na ocasião em que ele, respondente, estava em casa de don Rosa Amélia, esta e seu marido descreveram as casas, dizendo que sendo o Crato atacado pelo grupo pedido a ele, respondente, seriam ocultos no muro da sua casa (dela) e quando já toda a cidade adormecida, sairiam à rua e atacariam as casas já referidas, inclusive a do "Coronel" Antônio Luiz, onde se encontraria muito dinheiro, inclusive barras de ouro; disse mais que uma das vezes em que esteve na cidade, em casa de dona Rosa Amélia, ao retirar-se, esta meteu em seu bolo uma nota de cem mil réis, dizendo ser para ele, respondente, comprar de charutos; que ao pensar em não realizar mais o plano combinado com dona Rosa Amélia, voltou à casa desta e ai declarou à mesma que não podia fazer o que ela pedia, retirando-se imediatamente para o Juazeiro, dizendo ainda à dona Rosa Amélia que o não mandasse mas chamar; que, no dia 5 de setembro o ano passado, d. Rosa Amélia mandou um portador ao Juazeiro deixar um cavalo ao respondente e acompanha-lo ao sítio "Baixio", no município de Santana do Cariri, onde reside o pai dela, sr. João Alves de Oliveira; que no dia 6 de setembro, à noite, cerca de 8 horas, saiu de Juazeiro, acompanhado pelo mesmo portador de nome José Izidoro da Costa, passando em Baixa Dantas, deste município, chegando em casa de João Alves a 7; que no outro dia chegava ao "Baixio" um portador conduzindo um telegrama de Rosa Amélia avisando a seu pai que se preparasse que ia ser atacado por um grupo e cangaceiros; que no dia 8 chegava ao "Baixio" um senhor de nome Raimundo Valentim, acompanhado por cerca de 15 homens armados que, com outros já reunidos, formavam um grupo de 25 homens; que, dois dias depois, retirava-se ele, respondente, com destino a Aurora; que de Aurora foi até Barreiros, de Barreiros segui até S. João (na Paraíba) e, de S. João indo a Alagoinha, foi preso pela polícia.


Em tempo: achava-se presente à audiência o sr. Dr. Alberico Ribeiro Salles Guimarães, promotor de Justiça da comarca.

E por nada mais haver declarado, deu-se por concluído o presente auto que, lido e achado conforme o assinou o Delegado, o respondente, os oficiais presentes e o dr. Promotor de Justiça, Eu, José Carvalho, Escrivão, o escrevi. (Ass.) Raimundo de Moraes Britto, Ulisses Liberato de Alencar, Alberico Ribeiro Salles Guimarães, José dos Santos Carneiro, Antônio Mattos Dourado.

FONTE: Alencar, U. L. - 1923 - A sinistra autobiografia de um sicário. Correio do Ceará, Fortaleza, (2424) : 1. (Edição de 04 de abril de 1923).


Enviado pelo professor universitário e pesquisador do cangaço: 
José Romero Araújo Cardoso

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Cordélia Silva


Por: Geraldo Maia do Nascimento

Em 14 de abril de 1931 morria, em Alagoa Grande/PB, a professora, musicista, poetisa e jornalista Maria das Mercês Leite, que se tornou conhecida com o pseudônimo de Cordélia Silva. Mossoró prestou-lhe uma homenagem gravando seu nome em uma artéria da cidade.
               
Maria das Mercês Leite, ou Cordélia Silva, nasceu em Mossoró no dia 11 de novembro de 1888, num belo dia de Domingo. Era filha legítima de Tomé Leite de Oliveira e de Maria das Mercês Leite.
               
Sua infância deu-se em Mossoró, sua terra natal, onde iniciou os seus estudos. A família mudou-se para Macau e depois para Alagoa Grande, na Paraíba, em 1902. E é nessa cidade paraibana que a nossa futura poetisa fez o seu curso de humanidades e música. Foi também em Alagoa Grande que começou a sua vida profissional, lecionando por vários anos. Em 1908 fundou a revista “O Batel”, que circulou por vários anos. Foi colaboradora de vários jornais e revistas da época, entre os quais podemos citar a revista “A Estrela”, de Aracati/CE, que era dirigida por sua amiga Francisca Clotilde, além dos jornais “Jornal do Comércio, de Recife/PE, “O Nordeste” e a “Imprensa” de João Pessoa/PB e em outros periódicos sulistas.
               

“Foi Cordélia Silva de uma dedicação exemplar ao desenvolvimento cultural da mulher, dando prova exuberante de sua privilegiada inteligência, como fundadora e diretora de uma revista, em colaboração com Célia Adamantina, que era o pseudônimo de Rita de Miranda Henrique”, nas palavras de Lauro da Escóssia.
               
O historiador Raimundo Soares de Brito em suas “Notícia Biográfica de Alguns Patronos de Ruas de Mossoró, assim se expressa sobre a personalidade de Cordélia Silva: “Descendia dos troncos ilustres, que em Mossoró tiveram suas origens no Sargento-Mor José de Oliveira Leite, a primeira autoridade da então ribeira de Santa Luzia de Mossoró. Seus pais foram: Tomé Leite de Oliveira, também mossoroense e dona Maria das Mercês Leite, cearense da cidade de Pereiro”.
               
Causava admiração, na época, o fato de duas moças, numa pequena cidade do interior, conseguir sustentar por tanto tempo uma revista literária, quando na capital todas as publicações desse gênero tinha vida curta, como nos informa ainda o historiador Raimundo Soares de Brito. Tinha também predileção pela música, deixando alguns interessantes trabalhos.
               
Em dezembro de 2000, a POEMA – Poetas e prosadores de Mossoró – lançou, através da Fundação Vingt-un Rosado, o livro “100 Poetas de Mossoró”. Trata-se de uma antologia aos poetas da cidade. E como não podia deixar de ser, a nossa poetisa em foco, Cordélia Silva, se fez presente com o poema intitulado “O Batel”, um dos mais bonitos de sua criação. A própria autora gostava muito desse poema, tanto é que foi com esse nome que batizou a revista que criou em 1908.
               
Cordélia, como tantas outras mulheres mossoroenses, destacou-se por suas atuações empreendedoras, numa época de puro machismo. É mais uma a figurar na galeria das grandes personalidades mossoroenses.
               

Todos os direitos reservados

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Autor:
Jornalista Geraldo Maia do Nascimento

Fontes:
http://www.blogdogemaia.com

Seu Aprígio O Artesão de Couro de Luiz Gonzaga

Por: João de Sousa Lima

Em recente viagem ao Ceará passamos na cidade de Ouricuri e visitamos Seu Aprígio, artesão que ficou famoso por confeccionar chapéus, gibões e bolsas para o Rei do Baião.

Compramos alguns artigos ao artista e seguimos viagem até Exu, cidade de Luiz Gonzaga, onde passamos uma tarde memorável na casa de Joquinha Gonzaga, sobrinho de Lua Gonzaga.
   
Saímos de Paulo Afonso, eu, Sebastião Carvalho, Pai de Chiqueiro (zabumbeiro), Enoque do Acordeon e Deca do Acordeon. a viagem foi uma verdadeira aventura e os dois grandes sanfoneiros puderam mostrar sua arte nas terras do Rei do Baião.


Seu Aprígio, uma vida dedicada a arte de dar forma perfeita ao couro.


Luiz Gonzaga com chapéu e gibão confeccionado por Seu Aprígio.


João e Sebastião, comprando gibão e alguns chapéus.


Sebastião, Seu Aprígio, João, Enoque do Acordeon e Pai de Chiqueiro.


Pai de Chiqueiro, Seu Aprígio, Deca do Acordeon e João Lima.

Na casa de Joquinha Gonzaga: Deca do acordeon, Pai de Chiqueiro, Joquinha Gonzaga, João Lima, Enoque do Acordeon, Sebasteão e Piloto (sobrinho de Luiz Gonzaga e que ganhou esse apelido por ser durante alguns anos o motorista do Rei do Baião).


 João Lima e Piloto


Rara foto onde aparece Joquinha Gonzaga, Piloto, um dos músicos que seguiu com Luiz até a França, e o Rei do Baião.


João de Sousa Lima é escritor, pesquisador, autor de 09 livros. Membro da Academia de Letras de Paulo Afonso e da SBEC- Sociedade Brasileira de estudos do Cangaço. telefones para contato: 75-8807-4138 9101-2501 email: joaoarquivo44@bol.com.br joao.sousalima@bol.com.br


http://www.joaodesousalima.com/