Amarílio
Gonçalves Tavares (*)
Em virtude da amizade com o Coronel Isaias Arruda, na verdade um dos grandes
coiteiros de Lampião no Ceará, o rei do cangaço, como era chamado, esteve, mais
de uma vez, no município de Aurora. Em suas incursões pelo município
sul-cearense, o bandoleiro se acoitava na fazenda Ipueiras, de José Cardoso,
cunhado de Isaias.
Uma dessas vezes foi nos primeiros dias de junho de 1927. Na fazenda Ipueiras, onde já se encontrava Massilon Leite, que chefiava pequeno grupo de cangaceiros, Lampião foi incentivado a atacar a cidade norte-riograndense de Mossoró – Um plano que o bandoleiro poria em prática no dia 13 do citado mês. Em razão do incentivo, Lampião adquiriu do coronel um alentado lote de munição de fuzil que, de mão-beijada, Isaias havia recebido do governo Federal (Artur Bernardes), quando este promoveu farta distribuição de armas a coronéis para alimentar o combate dos batalhões patrióticos ‘a coluna prestes'.(54)
Uma dessas vezes foi nos primeiros dias de junho de 1927. Na fazenda Ipueiras, onde já se encontrava Massilon Leite, que chefiava pequeno grupo de cangaceiros, Lampião foi incentivado a atacar a cidade norte-riograndense de Mossoró – Um plano que o bandoleiro poria em prática no dia 13 do citado mês. Em razão do incentivo, Lampião adquiriu do coronel um alentado lote de munição de fuzil que, de mão-beijada, Isaias havia recebido do governo Federal (Artur Bernardes), quando este promoveu farta distribuição de armas a coronéis para alimentar o combate dos batalhões patrióticos ‘a coluna prestes'.(54)
Presente àquela negociação, que
rendeu ao coronel Isaias a considerável quantia de trinta e cinco contos de
réis, esteve o cangaceiro Massilon, que teve valiosa influência junto a
lampião, no sentido de atacar Mossoró, cujos preparativos tiveram lugar na
fazenda Ipueiras. Consta que Massilon Leite – associado a Lampião no sinistro
empreendimento – tinha em mente assaltar a agência local do Banco do Brasil e sequestrar uma filha do coronel Rodolfo Fernandes. O Bando de Lampião que
chegou a Aurora era composto de uns cinqüenta cangaceiros, dentre os quais
Rouxinol, Jararaca e Severiano, os quais já se encontravam, há dias, na aludida
fazenda acoitados por José Cardoso. De Aurora, Lampião levou José de Lúcio,
José de Roque e José Cocô ( José dos Santos Chumbim), todos naturais da região
de Antas, tendo sido incluídos no subgrupo de Massilon.
No dia 13 de junho de 1927,
Lampião ataca a cidade de Mossoró, a mais importante do interior do Estado
potiguar. Após quarenta minutos de fogo, já tendo tomado duas ruas, Lampião
ordena a retirada. Fracassara o seu maior plano. (55)
Após o frustrado ataque à cidade
norte–riograndense, Lampião bate em retirada, entrando no Ceará pela cidade de
Limoeiro, onde não é importunado. Ali fez dois reféns a resgate – pessoas
idosas e de destaque social- e teve a petulância de, com seu grupo, posar para
uma foto, no dia 16 daquele mês. Ante a ameaça de invasão das cidades da zona
Juaguaribana e já havendo um plano de combate ao famigerado bando, juntaram-se
contingentes policiais de três estados – Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba –
numa quixotesca campanha contra Lampião, tendo sido nomeado "comandante
geral das forças em operações" o oficial cearense, Moisés Leite de
Figueiredo (Major).
No dia 16 de junho, a força
paraibana havia seguido para Limoeiro, mas ao chegar ali, Lampião já tinha
levantado acampamento. Prosseguindo em sua retirada pelo território cearense,
com um grupo reduzido a trinta e poucos homens, em virtude da morte de dois dos
mais temíveis cangaceiros – Jararaca e Colchete – e das deserções que se
seguiram ao malogrado ataque, inclusive a de Massilon Leite e seu sub-grupo,
Lampião é perseguido por volantes, com as quais tava combates. Dentre estes, o
mais intenso foi o travado no dia 25 de junho, na Serra da Macambira, município
de Riacho do Sangue, no qual Lampião, mais um vez, provou a sua
invencibilidade. Enfrentando uma força de mais de trezentos praças, sob o
comando exclusivo do tenente Manoel Firmo, este sendo auxiliado por nove
tenentes – José Bezerra, Ozimo de Alencar, Luiz David, Veríssimo Alves, Antonio
Pereira, Germano Sólon, Gomes de Matos, João Costa e Joaquim Moura, Lampião
pôs-se em fuga incólume, deixando quatro soldados mortos. Seguiram-se combates
menores em cacimbas (Icó), Ribeiro, no vale do Bordão de Velho, e Ipueiras, os
dois últimos no município de Aurora, com o rei do cangaço levando a melhor.
No dia 28 de junho, Lampião
contorna a serra do Pereiro, passando pelas serras vermelhas, Michaela e
Bastiões. O grupo marchava a pé, por veredas e nunca por estradas – tendo a
tropa em seu encalço. É ai que Lampião resolve derivar para o lado do Cariri e
continuar a retirada em direção ao município de Aurora, onde esperava encontrar refúgio no valhacouto do seu “amigo” Isaias Arruda.
Em seu livro "Lampião no
Ceará", narra o major Moisés Leite Figueiredo que, no dia 1º de julho de
1927, Lampião com seu grupo estacionava no alto da serra de Várzea Grande no
lugar Olho D’Água das Éguas, e que ali perto, no lugar Ribeiro, já se
encontravam as forças dos tenentes Agripino Lima, José Guedes e Manoel Arruda –
o primeiro, da polícia do Rio Grande do Norte e os dois últimos, da polícia
paraibana -, valendo salientar que tais contingentes totalizavam cerca de
duzentos homens, bem aparelhados, no dizer do major Moisés. A tropa que teve
encontro com os bandoleiros foi a do tenente Arruda, empiquetada no sítio
Ribeiro, onde aconteceu um fato tão misterioso, quanto engraçado. Não obstante
o lugar se achar "bem guarnecido", ao clarear a barra, o grupo de
bandoleiros, sem sofrer o menor revés, passou entre as trincheiras, nas quais
os soldados dormiam, para só despertarem depois, com cerrada fuzilaria, quando
os bandidos não estavam mais ao alcance da pontaria da polícia. O grupo
ocultou-se no vale do Bordão de Velho. Do local onde estava Lampião enviou dois
cabras à casa de João Cabral, morador ali perto, convidando-o a vir a sua
presença. João Cabral atendeu e Lampião disse-lhe estar com fome e sede,
pedindo alimento e água para o grupo, no qual foi atendido.
Marchando pelo pé da Serra da
Várzea Grande, Lampião chega a fazenda Malhada Funda, onde faz alto, sendo
recebido por Gregório Gonçalves, que, após saber com quem estava falando,
perguntou a Lampião em que podia servi-lo. Este respondeu "só quero comida
para minha rapaziada". Gregório Mandou matar o boi que estava no curral, e
duas ou três ovelhas. Os cangaceiros estavam com tanta fome que não esperaram.
Comendo as carnes sapecadas. Os quartos de ovelha, eles colocaram nos bornais
sobressalentes, junto com farinha e rapadura.
Ao retirar-se, Lampião levou João
Teófilo como guia. Este saiu montado num burro que o bandoleiro havia tomado de
um cidadão que estava comprando rapaduras. O bando saiu na direção sudeste do
município. Lá muito adiante, o guia foi substituído por outro de nome David
Silva, tendo Lampião recomendado a João Teófilo pra só voltar quando
escurecesse, e que não fosse pelo mesmo caminho.
Continuamos a narrativa, baseada
no livro do major:
"Em sua marcha, Lampião
procurou a Serra do Coxá, na divisa do município de Aurora com o de Milagres,
burlando a vigilância dos policiais, de tal modo que estes se afastavam do
ponto em que estavam os bandidos, tomando o rumo de Boa Esperança, Serrote do
Cachimbo, Riacho dos Cavalos, Ingazeiras e Milagres." Como se vê, Lampião
era um perito em estratégia militar. Uma de suas táticas consistia em ludibriar
a polícia que andava no seu encalço, como fez, quando procurou a Serra do Coxá.
Deste modo, tornou-se inócua a providência do Major Moisés, designando o
tenente Caminha para colocar piquetes nas estradas, uma vez que, por estas, não
passaria o grupo de bandidos. Enquanto Lampião ficava escondido na Serra do
Coxá, o tenente Manoel Firmo seguia para o lado oposto, isto é com a sua tropa,
passava de trem por Aurora, em demanda ao Cariri, sem dar satisfações ao seu
chefe, major Moisés, que naqueles dias se encontrava em nossa cidade, em
tratamento de saúde. Com o tenente Manoel Firmo, viajavam os tenentes Luis
Leite, Laurentino, Moura Germano, em passeio a Juazeiro e Crato, totalmente
despreocupados com os bandidos.
Para piorar a situação do
"comandante das tropas em operações", chegava em Aurora o contingente
comandado pelo tenente Agripino de Lima, que conduzia trinta e quatro animais
de montaria, tomados a fazendeiros de icó, Pereiro e Jaguaribe. Quando o Major
pensava que o oficial vinha em seu auxilio, o tenente Agripino comunicava-lhe
que resolvera abandonar a campanha e voltar para o Rio Grande do Norte. Diante
disso, o Major Moisés apreendeu os referidos animais, entregando ao sr. Vicente
Leite de Macedo, com a recomendação de devolvê-los aos respectivos donos. Além
dos animais tomados a sertanejos, o Major Moisés constatou irregularidades na
tropa do tenente Agripino, como a venda de munição feita por praças e muitos
destes se entregando à embriaguez.
A atitude do tenente Manoel
Firmo, viajando para Juazeiro e Crato, arrastando o grosso da tropa e quatro
tenentes, deixou o comandante Moisés "num mato sem cachorro" . O
Major viu-se na contingência de pedir ajuda – imagine o leitor a quem? - o
coronel Isaias Arruda, o mesmo que, tempos atrás, havia acoitado lampião, mas
que, agora, dava uma de perseguidor do bandoleiro, pondo oitenta e sete cabras
à disposição do major Moises. Se no combate travado com os bandidos, na serra
da macambira, havia cerca de 400 praças, como se explica ter o major Moisés
levado para Ipueiras apenas 15 soldados.
Descoberto o paradeiro de Lampião
no alto da Serra do Coxá, destacaram-se elementos de confiança para,
aproximando-se do grupo, conhecerem melhor a sua posição, dentre eles Miguel
Saraiva, tio de um dos bandoleiros e morador nas proximidades. Foi então que o
Major Moisés e Isaias Arruda conceberam um estratagema, que consistia em
preparar um almoço para Lampião e seus cabras na casa de José Cardoso, em
Ipueiras, e juntos, abaterem o bandido nas hora conveniente.
Miguel Saraiva se faz acompanhar de
oito homens que se apresentam a Lampião, fingem que são perseguidos pela
polícia, e para melhor comover o chefe do bandoleiros, lamentam e choram a sua
desgraça, tentando com isso, infiltrar-se no bando. Alguns bandoleiros
aceitaram a presença de novos companheiros mas Lampião logo faz sentir que não
acolhia em seu grupo pessoas que lhe fossem estranhas. Os oito homens de Miguel
Saraiva tinham recebido instruções para atacar os bandido na hora em que o
grupo "descansasse" a armas para almoçar. Simultaneamente, os
soldados e jagunços puseram-se discretamente em volta de casa, prontos para
fechar o cerco aos bandidos, no momento oportuno. Mas o ardil fracassou, porque
Lampião, sagaz,,arisco e desconfiado, chegou a rejeitou o almoço oferecido por
Miguel Saraiva. E colocou sua gente em pontos diversos e estratégicos
Eis como o major Moisés descreveu
o tiroteio:
"Conhecido o fracasso do
estratagema, fomos impelidos a atacar os bandidos, com ímpeto, de sorte que, em
pouco tempo, estavam debaixo de cerrada fuzilaria. A luta teve início pouco
mais ou menos às 12 horas do dia 7 de julho, tendo uma duração de mais de três
horas. Terminou infelizmente, porque os bandidos caíram em fuga, e no campo
deixaram dois mortos, um queimado, que recebeu vários ferimentos, e outro
também morto na ocasião em que fugia” Essa foi a história narrada pelo major
Moisés no citado livro. Entretanto, existe outra versão para o episódio segundo
nos contaram Róseo Ferreira e Vicente Ricarte que, na época, moravam nas
proximidades da fazenda Ipueiras. A coisa aconteceu assim:
O Major Moisés Leite e o Coronel
Isaias Arruda combinaram um plano de acabar com Lampião, assim que este
chegasse em Ipueiras, pois sabiam que o grupo vinha desmuniciado e bastante
desfalcado, em conseqüência da derrota sofrida em Mossoró e das deserções que
se seguiram ao frustrado ataque àquela cidade norte-riograndense.
Lampião ficara na manga com a
cabroeira. Convidado pra almoçar na casa de José Cardoso, na citada fazenda
Ipueiras, o Rei do Cangaço compareceu com alguns dos seus rapazes. Quando
Miguel Saraiva chegou e pôs sobre a mesa o alguidar contendo o almoço
envenenado, Lampião tirou do bornal um colher de latão e meteu-a na comida.
Quando puxou a colher, o bandido notou mudança de cor e deu alarme: "ninguém
come desta comida. Esta comida está envenenada!" Nisto, Lampião e os seus
cabras conseguem romper o cerco de um cordão de jagunços e soldados a paisana
que se formara em volta da casa, e correm pra a manga onde ficara a maior parte
da cabroeira, sendo atacados pelo cabras de Isaias e soldados do major Moisés.
Ao mesmo tempo em que estrugiu a fuzilaria, os atacantes lançaram fogo na
manga, por todos os lados do local em que estavam os cangaceiros. Lampião
investiu várias vezes contra os atacantes, conseguindo, por fim, escapar por um
corredor. Lampião perdeu dois cangaceiros, um queimado e ferido por ocasião do
ataque. O outro, com ferimento no ouvido, ficou em Ipueiras, em tratamento, mas
os coiteiros acabaram de matá-lo, tocando fogo no cadáver...
Ao escapar do cerco de Ipueiras,
lampião tomou o rumo da Serra do Góes, perto de São Pedro do Cariri, atual
Caririaçu. Veja o leitor o zig- zag feito por Lampião para confundir a polícia.
No dia 7 de julho, saiu de Ipueiras, desceu pelo riacho do pau branco, atravessou
o rio Salgado no lugar Barro Vermelho, passou pelos sítios Jatobá e Brandão,
fazendo "alto" em vazantes. Na serra dos Quintos, fez um refém – o
sitiante Joaquim de Lira – para ensinar o caminho para a Serra do Góes, onde
chegou, no início da noite. Na manhã do dia 9, lampião deixou a Serra do Góes e
rumou para o município de Milagres, atravessando a via férrea no lugar Morro
Dourado. O Major Moisés havia mandado tomar as ladeiras da Serra do Mãozinha e
São Felipe, por onde poderia passar o bandoleiro. Mas Lampião, mais uma vez,
conseguiu burlar a força policial e penetrou no estado da Paraíba, pela serra
de Santa Inês, no rumo de Conceição do Piancó, de onde prosseguiu em fuga para
Pernambuco.
(54) Frederico Pernambucano de
Melo, op. Cit. P 32 (55) ibidem, p. 116. (*) Escritor. Texto extraído do Livro
"Aurora, História e Folclore". http://bit.ly/gadgets_cheap
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