*Rangel Alves
da Costa
Quando mais
novo, ainda num tempo que Noélia (de Chico de Celina) estava entre nós e
mantinha um bar na atual praça do Banese, nos dias de feira a vaqueirama se
reunia a tomar pinga e cerveja e aboiar. Cada toada e todo o sertão abria suas
porteiras. Sentia-se o cheiro de gado, do cavalo corredor, da pele de sol
lanhada de espinho, de um tempo já muito ido e de saudade.
O Bar de
Noélia era famoso demais. A própria Noélia uma sertaneja digna das melhores e
mais profundas recordações. Mulher digna, trabalhadora, bonita na feição e no
coração. Depois do comprido balcão, o freezer, os copos e as bebidas. Mais
adentro, na cozinha, o preparo de verdadeiras delícias sertanejas. Carne nova,
muita, cheirosa, abrindo o apetite de quem ali adentrasse em busca de uma dose
ou de uma geladinha. Num canto de balcão aquilo que mais fama trazia à dona do
bar: os doces deliciosos, principalmente o de leite com bolas.
Noélia partiu
repentinamente. Meu pai Alcino era prefeito à época e estava em Aracaju quando
soube da notícia. Ao lado dele eu estava e senti o peso da comoção. Era muito
amiga, fiel confidente, pessoa que ele confiava e gostava demais. Mesmo
rapazote, eu mesmo passei a nutrir admiração especial por aquela mulher que não
largava de um sorriso perante um amigo ou aquele que chegasse na sua venda.
Saudades ainda, Noélia. Saudades.
Pois bem.
Naquela época onde o aboio e a toada ecoaram com mais força em Poço Redondo
depois da chegada de pessoas como Seu Zé Ferreira e também pela presença
constante de Seu Adauto e outros endinheirados alagoanos e pernambucanos,
fazendeiros que não desapartavam da presença de vaqueiros e aboiadores. Por
todos os lugares se ouvia a canção plangente da vida de gado. Mas era no Bar de
Noélia que mais se reuniam em cantorias.
E foi no Bar
de Noélia que um dia tive o prazer de ouvir a mais famosa dupla de aboiadores
de então: Vavá Machado e Marcolino, trazidos das distâncias pernambucanas por
aqueles fazendeiros fincados nas terras poço-redondenses. A dupla de aboiadores
era exímia em traduzir em canções matutas os sentimentos vaqueiros, os amores
sertanejos e a vida simples e grandiosa do homem do campo. Naquela época, não
havia rádio de pilha que não fosse aumentado o volume ao ecoar da famosa dupla.
Algumas
canções são inesquecíveis, como Trovoada: “A chuva chove molhando a face da
terra, a neve subindo a serra vai dar outra trovoada...”. Ou ainda Meu
Beija-flor: “Meu beija-flor, meu beija-flor, nos ares se peneirou e as asas
mudou de cor, e voou pra lá e pra cá...”.
Mas eu me
encantava mesmo era com Os Brincos de Bela: “Ô Bela cadê seus brincos, cadê os
brincos de Bela, pois Bela não tinha brinco, dei uma tiza de brinca, comprei
brinco e dei a Bela. A minha namorada ainda hoje chora, ainda hoje chora, ainda
hoje chora. A noite é de prata e o dia é de latão, que saudade da mulata que eu
deixei no meu sertão. A minha namorada ainda hoje chora, ainda hoje chora,
ainda hoje chora. Eu vi Bela chorando, fui lhe dar consolação, findei chorando
mais Bela na noite de São João. A minha namorada, ainda hoje chora, ainda hoje
chora, ainda hoje chora”.
E hoje, a
minha namorada, que é a idade, que é o tempo, que é a vida, ainda hoje chora. E
ainda chora com saudade daqueles vaqueiros, daqueles fazendeiros, daquela gente
que fazia o sertão ser mais sertão. Ainda chora com saudade de Noélia, de sua
panelada de carne em dia de feira, de sua cocada, de seu doce de leite com bola
grande.
Deixe-me
chorar, então. Tenho, sinto saudade. Por isso que ainda hoje choro, ainda hoje
choro.
Escritor
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