Por: Rangel Alves da Costa*
VOU FAZER VOCÊ CHORAR
Tem nada não, deixe o tempo passar. Tem nada não, vento batendo à porta avisa que quer entrar. Quem faz sempre esquece, mas jamais esquecerei e vou fazer você chorar.
Não moverei minha mão, não darei um passo sequer, não pedirei a ninguém nem tecerei por encomenda nada que te faça sofrer, mas sou amigo do tempo, sou fiel companheiro dos dias, quase convivente com as horas. A estes vou revelar o que sofri e fazer você chorar.
O tempo, os dias, as horas, até os imperceptíveis segundos, de repente se encontram no mesmo calendário para formar a vida. Nada na vida se move sem um impulso chamado destino. E qual o destino de quem planta no outro a angústia, o sofrer, a aflição? Eu não, mas com minha dor o destino fará você chorar.
E de repente o destino lhe tira do sério, lhe traz aperreio, lhe dá um aperto no coração. Destino às vezes malvado, silenciosamente age para surgir a lembrança, a saudade, a recordação. Um olhar, um sentir, um cheirar, qualquer coisa que faça despertar, e eis a ação do destino.
Destino mexe com tudo. Uma frase, uma música, uma fotografia, uma tarde, uma lua, uma noite, uma folha, um vento, uma poesia. Em tudo isso o pensamento no passado, o pensamento em mim e uma vontade danada de chorar. E por isso mesmo mais cedo ou mais tarde vou fazer você chorar.
Nem pense que sou eu, mas o destino agindo por mim. Quando pensar que é apenas o acaso, e lá estará ele fazendo você ouvir a música que eu cantava pra você. Lembra de “Todo Azul do Mar”, de Flávio Venturini? Pois é, você vai ouvir e chorar:
“Foi assim como ver o mar/ A primeira vez que meus olhos/ Se viram no seu olhar/ Não tive a intenção/ De me apaixonar/ Mera distração/ E já era o momento de se gostar/ Quando eu dei por mim/ Nem tentei fugir/ Do visgo que me prendeu/ Dentro do seu olhar/ Quando eu mergulhei/ No azul do mar/ Sabia que era amor/ E vinha pra ficar/ Daria pra pintar todo azul do céu/ Dava pra encher o universo da vida/ Que eu quis pra mim/ Tudo que eu fiz/ Foi me confessar/ Escravo do teu amor/ Livre para amar...”.
Nem pense que forçarei o mar nos teus olhos, mas sei que não suportará quando o destino lhe açoitar ao abrir despretensiosamente um livro retirado casualmente da estante e lá estiver o poema “Fumo”, de Florbela Espanca:
“Longe de ti são ermos os caminhos/ Longe de ti não há luar nem rosas/ Longe de ti há noites silenciosas/ Há dias sem calor, beirais sem ninhos!/ Meus olhos são dois velhos pobrezinhos/ Perdidos pelas noites invernosas.../ Abertos, sonham mãos cariciosas/ Tuas mãos doces, plenas de carinhos!/ Os dias são Outonos: choram... choram.../ Há crisântemos roxos que descoram.../ Há murmúrios dolentes de segredos.../ Invoco o nosso sonho! Estendo os braços!/ E ele é, ó meu Amor, pelos espaços/ Fumo leve que foge entre os meus dedos!...”.
E o destino, esse mesmo tão senhor do destino, colocará à tua mão um alvíssimo lenço para levá-lo aos olhos todas as vezes que passar por um mercado de flores, diante de uma floricultura, perto de um jardim florido. Quantos ramalhetes, buquês e rosas avulsas levadas à mão eu já entreguei. Da primeira vez, tímido ainda, deixei na janela junto com um bilhetinho: “Empresta a estas flores o teu perfume!”.
Fizeste o que não deveria, talvez pensando em mortificar hoje porque amanhã seria outro dia. Mas quanto dói sofrer sem merecer, sabes muito bem. Talvez nem saiba por que eu não soube oferecer outra coisa senão amor. E amor escrito na folha seca, na carne da árvore do jardim, desenhando letras pelo espaço, no silêncio do olhar que dizia amar mais que tudo. Em tudo o amor e tanto amor. Mas de repente...
De repente a porta se abriu e você me disse que tivesse cuidado porque a estrada era muito longa e eu seguiria sozinho. Depois fechou a porta sem um adeus. Parti levando à sombra o meu destino. Segui adiante, porém meu destino achou de voltar.
E vive pertinho de você. E diz que vai fazer você chorar...
Rangel Alves da Costa*
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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