Por Raul Meneleu Mascarenhas
Quando encontrei
essa reportagem, que sinceramente não sei quem me passou, ou se encontrei em
pesquisas nas bibliotecas virtuais, e também não sei que jornal saiu, qual
data, e não tinha ideia da joia histórica do artigo. Quem souber desses
detalhes, comente por favor na postagem no Facebook do site do Grupo Lampião, Cangaço e Nordeste.
Reportagem feita
pelo jornalista Roberto
Vilanova, traz conversas que ele teve com o sobrevivente da chacina da
Fazenda Patos e também com o homem que foi acusado de tramar esse tenebroso
desfecho.
Fazenda
Patos - Encontro do Cariri Cangaço
Em visita à
Fazenda Patos, no município alagoano de Piranhas, por ocasião do encontro anual
de historiadores, escritores, pesquisadores e admiradores da Saga Cangaço, no
mês de julho de 2015, tive a oportunidade de gravar o depoimento
do Senhor Celso Rodrigues, relatando o acontecido, quando era menino,
ouvindo os adultos conversarem no balcão da bodega de seu pai, estabelecida em
Piranhas, naqueles anos pós morte de Lampião.
Nessa ocasião escrevi
o artigo "A Vingança de Corisco no Palco dos Inocentes" onde
narro esse estudo e pesquisa a céu aberto, inclusive com dois documentários
gravados, participando juntamente com os companheiros da Confraria do Cariri Cangaço de sua programação
patrocinada juntamente com a Prefeitura de Piranhas-AL que montaram essa
oficina de estudo de caso, no palco em que tais acontecimentos
ocorreram. Vamos então à matéria:
Ninguém vive
tão só em Piranhas, esse homem carrega há 40 anos o desprezo de sua cidade
Roberto
Vilanova
Maceió —
Hoje é dia de feira na cidade de Piranhas, a quase 400 km da Capital de
Alagoas, é o dia do encontro semanal muitas vezes cara a cara, das duas mais
sacrificadas testemunhas da morte de Lampião: o que traiu o cangaceiro e o
único sobrevivente da família assassinada por Corisco numa vingança resultante
de uma segunda perfídia do traidor. Os dois não se falam. Por trás, acusam-se
mutuamente de covardia e mentira. Se até hoje não explodiram em violência
física um contra o outro, isso se deve a um trabalho de catequese das famílias
tradicionais daquela cidade do alto sertão alagoano, principal cenário do
planejamento da morte de Lampião, há 39 anos. O coiteiro é Joca Bernardo; o
sobrevivente é José Silvino Ventura. Só um milagre terá feito Silvino escapar
das mãos de Corisco — o segundo homem do bando de Lampião — quando o cangaceiro
veio se vingar da morte do chefe e "sangrou" seu pai, sua mãe e
quatro irmãos. Ele era o mais novo: tinha seis anos de idade, o que
provavelmente o salvou.
José
Silvino Ventura filho de Domingos Ventura assassinado por Corisco
— Corisco chegou
lá em casa quase as sete da noite. Meu pai, Domingos Silvino, não sabia de nada
e o recebeu alegremente. Corisco foi logo dizendo: "Domingos, vim lhe
matar. Você vai morrer com toda a sua raça, para nunca mais trair homem, Já sei
que foi você quem traiu Lampião. O Joca Bernardo me contou tudo." José
Silvino não conta detalhes da chacina. Só diz que foi muito cruel ter de levar,
em um saco, as cabeças de seus pais e irmãos, para entregá-las, em Piranhas, ao
tenente João Bezerra, comandante da tropa que exterminou Lampião e seu bando.
Revela também, agora por ouvir dizer, como se deu o encontro de Joca Bernardo
com o cangaceiro e como a polícia, orientada pelo coiteiro, chegou à grota de
Angicos, onde Lampião e alguns de seus comparsas estavam escondidos e foram
mortos.
— Uma semana
depois da morte de Lampião — continua Silvino — Corisco encontrou-se com Joca
Bernardo, Queria vingar o chefe. Bernardo disse que meu pai, que era vaqueiro
do sogro do Tenente Bezerra, tinha sido o delator. Corisco reuniu seu
estado-maior e resolveu decidir a sorte de Domingos Silvino. Conta-se que Dadá,
mulher de Corisco, advogou a honestidade de Bernardo, tal a segurança com que
ele sustentava a culpabilidade de Silvino.
— Corisco acreditou
porque o Bernardo armou tudo direitinho. Eu não sei se ele tinha queixas de meu
pai. Eu era criança e não sabia de nada. Nas consultas que fez a seu
estado-maior, Corisco alinhou três argumentos para condenar Domingos Silvino:
1) parecia difícil
que o coiteiro Bernardo fosse inventar, sem mais nem menos, o nome de outra
pessoa;
2) Domingos era
vaqueiro na fazenda do Sr. Antonio Brito, sogro do Tenente Bezerra;
3) O
Tenente Bezerra comanda a tropa policial na invasão do esconderijo de
Angicos.
Cidade
de Piranhas-AL às margens do rio São Francisco aqui se planejou a morte de Lampião
O coiteiro traidor
vive hoje de uma aposentadoria pelo Funrural. Tem uma casa de taipa,
esburacada, e um burrico no qual, às quartas-feiras, vai a Piranhas. Depois de
ajeitar o cigarro de palha, molhando-o com saliva para fechá-lo adequadamente,
ele concorda em falar.
— É verdade
que o senhor denunciou Domingos Sivino, como o homem que traiu Lampião?
— Isso é
história, Eu não faria uma coisa dessas.
— Mas o senhor
se encontrou com Corisco, não foi?
— Isso é
verdade.
— Como se deu
esse encontro?
— Eu tinha
acabado de juntar o gado, aqui perto, em Entre Montes, quando ele pulou na
estrada, a esfumaçar pelo nariz que nem um touro. Ai eu disse: "O que é
que há camarada?" Ele respondeu: "É verdade que mataram
Lampião?" Aí eu afirmei que tinha ouvido falar.
— Foi esse o
dialogo?
— Só isso. Aí ele foi embora, me parece chorando.
Bernardo está
cercado de olhares, são de desprezo. Ele está acostumado a ser olhado assim até
por pessoas que combatiam veementemente o cangaço. Julgava ter contribuído para
o sossego público em Piranhas, a cidade alagoana, mais sobressaltada no tempo
dos cangaceiros, que vinham repousar no até então inexpugnável esconderijo dos
Angicos. Seu degredo começou quando não cumpriram a promessa de pagamento pelo
serviço prestado. Prometeram-lhe cinco contos de réis, mas só lhe deram pouco
mais de um.
Se tivesse aceito
a patente de sargento da polícia alagoana, que lhe foi oferecida, estaria
hoje na reserva remunerada da corporação, no posto de coronel.
— Quem lhe
prometeu cinco contos de réis para trair Lampião?
— A polícia.
— Por que não
aceitou a patente de sargento?
— Prá morrer
de fome, prefiro ficar no sertão cuidando do gado. Eu tinha 11 filhos. Um
sargento de polícia ganha quanto? E ainda tem de viver aqui e acolá, por onde
ordena o Governador. E eu só sei tratar de gado e plantar. Por isso, não
aceitei.
Por não ter
aceito a patente de sargento, Joca Bernardo perdeu a mulher e os 11 filhos, que
lhe abandonaram. Segundo conta, a mulher fez muita força para que ele aceitasse
as divisas. Quando viu que não conseguiria convencê-lo, forçou-o a uma decisão:
aceitar a patente ou ficar sem mulher e sem filhos.
— Então o
senhor preferiu perder a mulher e os meninos?
— Na minha
casa quem manda sou eu. Não quer viver comigo? Então que se saiam.
— Por que o
senhor aceitou trair Lampião?
— Eu não traí
Lampião. O que eu queria, na verdade, era que um coiteiro dele, Pedro de
Cândido, levasse uma surra da polícia.
— O que teve a
ver uma coisa com outra?
— O Pedro de
Cândido sabia que eu fabricava queijos. Uma vez chegou em casa e me disse que
compraria todos os queijos que eu fabricasse. Pudesse guardar que ele comprava
tudo. No outro dia, lá vem ele atrás de queijo. Eu disse que não tinha. Ele
olhou para uns queijos que eu ia entregar, de encomenda, e disse: "E esses
aí, cabra safado, de quem são?" Respondi que eram do juiz de Pão de Açúcar
e que não poderia vendê-los. Aí ele disse: "Juiz coisa nenhuma". E
levou tudo.
— E daí?
— Fiquei com
raiva. Logo arranjei um jeito de me vingar de Pedro. Descobri que os queijos
eram para Lampião e seu bando. Aí procurei o Sargento Aniceto, em Piranhas mas
que ele apertasse o Pedro de Cândido que que diria tudo. Assim foi feito.
Pedro recebeu
o aperto e disse onde Lampião estava. Acabou agraciado com as divisas de cabo
da polícia alagoana, e, mais tarde, ganhou uma delegacia no sertão. No posto de
delegado, foi assassinado. Joca Bernardo estava, afinal, vingado. Silvino não
quis vingança. Parece considerar que esta se consuma toda quarta-feira, quando
Jaca Bernardo, como hoje, é olhado com desprezo por todos os que estão na feira
de Piranhas.
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