Por Cid
Augusto e Luis Juetê
Maria Laly
Carneiro Meignan, 64, nasceu na cidade de Mossoró. Há mais de 30 anos reside em
Paris, onde casou-se com um conde francês, mãe de três filhos, sendo duas
mulheres e um homem, inclusive uma das suas filhas é atriz bastante conceituada
na França, e há seis anos atua em uma minissérie dedicada ao público jovem,
além de ter atuado em vários filmes veiculados na Europa.
Dra. Laly, que
atualmente é diretora de Neurorreanimação do Hospital Sainte-Anne-Paris, é uma
das mais conceituadas neurocirurgiãs da França, tendo sido citada em várias
publicações científicas da Europa, além de ter cravado o nome de Mossoró no
livro "Who`s Who in the World", tradução: "Quem é Quem no
Mundo".
Filha de José
Benevides Carneiro e Luiza Amélia Gregório Carneiro, dra. Laly é descendente
direta da família Benevides Carneiro da cidade de Caraúbas, mas quanto a esse
assunto, ela preferiu não declinar nenhum comentário, apenas confirmar a
ligação familiar.
Dra. Laly
Carneiro esteve recentemente na capital do Estado realizando trabalho de
consultoria a hospitais da rede pública. Mesmo com a agenda bastante
atribulada, ela dispôs de um tempo para nos conceder uma interessante
entrevista onde fala sobre o perfil dos médicos do Estado, além de toda sua
trajetória de jovem estudante de medicina da UFRN, presa política até chegar a
PhD em neurorreanimação.
O Mossoroense
– Pelo menos essa vez a senhora esteve em Natal, mas não veio a Mossoró, sua
terra-natal. Alguma mágoa, ou as raízes desprenderam-se?
Laly Carneiro –
De jeito nenhum. Eu adoro Mossoró, mas não tive convite de Mossoró. Meu tempo
aqui foi um pouco curto, mas eu voltarei em dezembro para continuar o trabalho
que comecei agora e tenho intenção de ir a Mossoró. Eu não fui convidada para
ir a Mossoró, eu fui convidada para vir dar uma consultoria para o Hospital
Walfredo Gurgel, em Natal. Eu sou missionária pela França para dar uma espécie
de consultoria sobre o problema das urgências, não só para o Walfredo Gurgel,
mas também em outros hospitais da rede pública de uma maneira geral.
OM – Esse
trabalho que a senhora veio realizar na capital do Estado, a cidade de Mossoró
está incluída na segunda etapa do projeto?
LC –
Certamente, porque eu fui convidada a visitar um hospital em Mossoró.
OM – Qual o
hospital?
LC –
Hospital Regional Tarcísio Maia.
OM – De que
maneira a senhora, uma brasileira residente na Europa, vê o desenrolar da
guerra entre Estados Unidos e Afeganistão, e suas conseqüências para o mundo,
em especial para o Brasil?
LC – Eu
acho que o terrorismo é uma coisa terrível e eu o condeno plenamente. Na
Europa, nós ficamos sob um clima de vigilância. Mas a minha perspectiva é que
este estado de violência termine.
OM – Fale um
pouco sobre a sua participação no Movimento Ação Popular.
LC – O
Movimento Ação Popular foi um movimento feito no Brasil inteiro com a intenção
de fazer, através dos meios democráticos e regulamentares de reformas básicas
que Brasil estava precisando.
OM – Quais?
LC –
Reformas universitárias, agrárias e tantas outras reformas necessárias para o
desenvolvimento do país. Participavam estudantes, professores, intelectuais,
além da participação de agricultores e operários do Brasil inteiro.
OM – E quantos
processos a senhora respondeu, pelo fato de se opor ao regime de 64? A senhora
chegou a ser presa e torturada?
LC - Fui
presa sim, e fiquei no 16 RI, em Natal. Eu fui a primeira mulher no Nordeste a
ser presa por problemas políticos.
OM – E quanto
a processos?
LC – Eu
tive três processos. Um na Universidade, um processo do Estado e o processo
Militar. Mas eu pedi um habeas corpus no Superior Tribunal Militar no Rio de
Janeiro. Com o Ato Institucional, reintegrando os funcionários e as pessoas que
foram penalizadas pelo golpe militar, eu fui reintegrada e fui aposentada
porque eu era funcionária do Estado. Quanto ao processo da Universidade, eu
pude terminar medicina em Natal, antes de ir para a Europa.
OM – Conte-nos
sobre os momentos de exílio, as barreiras do idioma, o trabalho?
LC – Foi
muito sofrimento, muita solidão. De uma hora para outra eu me vi em um país
onde tudo era diferente, o clima, a língua, a maneira de viver e eu sozinha.
Não tinha dinheiro, nem tinha nenhuma perspectiva. Eu comecei tudo de novo.
OM – A senhora
tinha quantos anos à época?
LC – Eu
tinha 26 anos.
OM – É verdade
que a senhora precisou formar-se outra vez em medicina?
LC –
Justamente. O meu diploma brasileiro não era reconhecido pelas autoridades
universitárias francesas e eu tive que recomeçar tudo, pelo vestibular.
OM – Como a
senhora é casada com um conde, certamente é uma condessa, mas fale-nos como foi
que a senhora conheceu o seu marido.
LC - Eu
conheci pouco tempo depois que eu cheguei na França, através de amigos
latino-americanos que procuravam um lugar para ficar, um quarto. E ele tinha um
apartamento e assim acabamos nos conhecendo. Eu o conheci em 66 e nós nos
casamos em 67.
OM – A senhora
sente vontade de voltar a morar no Brasil?
LC – Eu
morro de saudade, mas eu tenho filhos, tenho agora um netinho, muito lindo, e
eu fico completamente dividida em duas. Eu tenho uma grande responsabilidade na
França. Eu participo de movimentos internacionais e eu quando chego aqui no
Brasil eu me sinto em casa, mas eu não posso vir para cá definitivamente porque
ainda tenho compromissos na universidade e no departamento, onde tem muitas
pessoas sob a minha responsabilidade.
OM – O que a
senhora pensa de Fernando Henrique Cardoso e o seu governo?
LC – Eu
penso que o Brasil entrou em um processo de evolução como tantos países que
durante muito tempo eram emergentes, mas não tinha condições econômicas de
ultrapassar uma certa fase. Eu acho que esse governo federal participa de uma
evolução que é mundial, que é técnica, que é econômica, que é social e eu acho
que o Brasil entrou nessa mobilidade, nessa evolução, e eu acho que é
formidável. Agora eu acho que tem muitas coisas que eu não estou de acordo. Mas
a história não volta atrás, eu acho que a evolução do Brasil é nítida, porque
nosso país tem muitas possibilidades.
OM – A
esquerda de hoje tem pontos em comum com a esquerda de 64, ou as ideologias
deixaram de existir na política brasileira?
LC – Eu
acho que o homem ideológico é universal. Hoje, você sabe que não tem esquerda
definitiva. A ideologia se democratizou. Existem partidos de esquerda, mas eu
acho que o fato de uma democratização dos conhecimentos políticos, o que nós
queríamos eu ouço hoje de pessoas que são absolutamente apolíticas. Houve uma
democratização dos conhecimentos. Pouco a pouco a ignorância vai dando lugar
aos conhecimentos, e com isso vai se tendo uma mudança na mentalidade.
OM – Quais os
escritores brasileiros que mais chamam a atenção dos franceses?
LC –
Guimarães Rosa, o sociólogo do Nordeste Euclides da Cunha, e atualmente o Paulo
Coelho.
OM – De que
maneira a senhora classifica a medicina no Estado e de que forma o modelo
francês poderia nos trazer de contribuição?
LC – Eu
acho que o modelo europeu de uma maneira geral, com suas especialidades. Por
causa dessa mundialização, o conhecimento médico científico está ao alcance de
todos os médicos que querem ler, estudar e que praticam seriamente a medicina.
Eu acho que os médicos do Rio Grande do Norte, os de Natal em particular, porque
com esses eu estou convivendo e são de ótima formação e com muita vontade de
fazer o melhor.
OM – Em outra
oportunidade a senhora declarou-se favorável a eutanásia. Hoje, qual a sua
posição quanto a esse assunto? E com relação ao aborto?
LC – São
dois assuntos difíceis de tratar porque engajam a ética. Eu sou cristã, sou
católica e tenho uma ética médica a seguir, de maneira que para mim é um caso
de consciência. A eutanásia tem várias classificações. Existe a eutanásia
pacífica, a eutanásia ativa. Minha posição é a seguinte; quando não existe
perspectiva de recuperação do paciente, recuperação onde ele seja capaz de
recuperar a sua dignidade diante da sociedade e da sua família, que sofre e não
tem nenhuma possibilidade de recuperação, eu acho que essa pessoa deve morrer
na dignidade.
OM – Na
Europa, a medicina está a anos luz de avanço diante da medicina brasileira e
principalmente a medicina no Estado e de Mossoró, em particular?
LC – Os
meios técnicos são realmente performáticos, mas é uma questão de economia e
também uma questão de organização sanitária, regional, nacional. E também,
especialização com bastantes performances dos médicos.
OM – Na
Holanda, recentemente foi aprovado o uso da canábis ativa, popularmente
conhecida como maconha, em pacientes de câncer e Aids. Isso se aplicaria aqui
em Mossoró, por exemplo?
LC – Não.
Depois houve um estudo científico retrospectivo dessa utilização da maconha nos
doentes de câncer que eram altamente dolorosos e chegou-se à conclusão dessa
droga, que é considerada droga doce, mas não é. Os doentes apresentavam,
depois, sinais de esquizofrenia. Então essa indicação foi abandonada.
OM – A senhora
participou do programa ‘De pé no chão também se aprende a ler’ , do ex-prefeito
Djalma Maranhão. Quais as lições tiradas daquele momento?
LC – Foi
um movimento popular, sobretudo um movimento de educação que era compatível
naquele tempo com a pobreza e os desejos de trazer as crianças dos bairros bem
pobres à possibilidade de alcançar o alfabetismo.
OM – Qual foi
o ano?
LC - E
acho que foi por volta de 72 a 74.
OM – A senhora
publicou diversos trabalhos em revistas científicas, recebeu comendas
importantes, faz parte da Academia Francesa de Ciências, mas é praticamente
desconhecida na terra onde nasceu. Isso a incomoda?
LC –
Perfeitamente (risos). Incomoda, mas saiba, por favor, que no livro Who’s Who
in The World (Quem é Quem no Mundo) o nome de Mossoró está incluído. É um livro
único e o nome da cidade que eu nasci está lá e eu sou muito orgulhosa disso.
OM – Com
quantos anos a senhora deixou Mossoró?
LC – Com
cinco anos de idade. Meu pai tinha intenção de ser seringueiro, mas nós ficamos
em Natal porque eu adoeci no caminho. Nós partimos em um caminhão, com outras
famílias pobres em direção a Amazônia.
OM – O seu
sobrenome tem origem da cidade da família Carneiro de Caraúbas?
LC –
Exatamente, aquela família...
Cronologia da
condessa Laly Carneiro
1965 – Formou-se
em medicina pela Universidade Federal do Estado do Rio Grande do Norte.
1966 – Laly
Carneiro é auto-exilada na França.
1967 –
Conhece um conde francês com quem se casa e automaticamente recebe o título de
condessa.
1969 –
Foi escolhida assistente substituta no Hospital Bicetre, na França, onde exerce
o cargo até 1973.
1975 –
Foi nomeada médica responsável pela Unidade de Reanimação do Centro Hospitalar
Saint Anne.
1979 –
Foi nomeada Chefe do Serviço de Anestesia-Reanimação do Centro Hospitalar Saint
Anne.
Títulos e
Condecorações
Membro da
Academia Européia de Anestesia
Membro da
Associação de Neuroanestesia-reanimação de Língua Francesa
Membro da
Sociedade Francesa de Anestesia, Analgesia e Reanimação
Membro do
Conselho de Administração da Associação Internacional de Anestesia-reanimação
de Expressão Francesa
Vice-presidente
do Colégio Nacional dos Pacientes Hospitalares em regime de tempo integral dos
hospitais não universitários da França
Membro do
Who‘s Who In The World (Quem é Quem no Mundo)
Condecorada
com a Cruz "Pro Mérito Melitense", da Ordem Militar e Hospitalar de
Malta
Considerada
medica expert em anestesiologia pela diretoria de farmácia e do medicamento do
Ministério da Saúde da França
Enviado pelo professor, escritor, pesquisador do cangaço e gonzaguiano José Romero de Araújo Cardoso
http://blogdomendesemendes.blogspot.com