*Rangel Alves
da Costa
Desejar o
amanhã é semear o melhor até antes do adormecer. Ainda assim esperar que na
passagem do repouso nada desfaça os grãos semeados. Por que nada acontece pelo
desejo de acontecer. Nada será porque assim se desejou.
Vive-se num
entremeado de não acontecidos, de surpresas boas e ruins, de inesperados
repentinamente surgidos. O visitante que chega nem sempre é o esperado, a
notícia recebida nem sempre é aquela ansiosamente aguardada. Mas triste a vida
que fosse apenas previsível, já tudo com sua escrita adiante dos olhos.
Há um inverso
no verso, e assim por diante. O sol se esconde para a lua aparecer. Há um tempo
de tudo, segundo assevera o Eclesiastes. Não há declaração pessimista de vida,
mas tão somente o reconhecimento de que o ser humano é apenas a medida do que
mereça ser, tendo o que mereça ter, dentro de um limite que não se transforme
em orgulho e vaidade.
E assim porque
as palavras são sábias: “Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo
o propósito debaixo do céu. Há tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de
plantar, e tempo de arrancar o que se plantou. Tempo de matar, e tempo de
curar; tempo de derrubar, e tempo de edificar. Tempo de chorar, e tempo de rir;
tempo de prantear, e tempo de dançar. Tempo de espalhar pedras, e tempo de
ajuntar pedras; tempo de abraçar, e tempo de afastar-se de abraçar. Tempo de
buscar, e tempo de perder; tempo de guardar, e tempo de lançar fora. Tempo de
rasgar, e tempo de coser; tempo de estar calado, e tempo de falar. Tempo de
amar, e tempo de odiar; tempo de guerra, e tempo de paz”.
Mesmo com
acontecimentos supostamente inesperados, nada acontece ao acaso. Uma escrita de
vida por meio de linhas tortas, um desacerto que evita um mal maior, o que não
aconteceu porque não previsto para aquele momento. A tudo isso se chama vida.
Ela, o próprio espelho que mostra e esconde.
Sim, chora-se
pelo amor perdido, pelo amor partido, pelo amor desamado. Mas quando a lágrima
cessa, então eis o coração novamente fortalecido. E aquele amor perdido poderá
ser de vez esquecido porque outro maior já brotava em silêncio para acontecer.
Nada é vão. O sentido da existência é não perder o que a vida oferece.
E assim porque
a vida é uma história de sombras e sóis. Uma trama, um enredo, um percurso,
onde a luz se envolve de escuridão, e sendo possível tudo acontecer. Caminha-se
com tempo aberto e retorna encharcado de chuva, segue adiante com sorriso nos
lábios e de repente os olhos já não conseguem esconder tanto sofrimento.
Nenhuma
felicidade se prolonga além do instante necessário de ser feliz. Nenhum
sofrimento se eterniza além do instante que se tem de sofrer. E erra quem
procurar levar adiante o que já não há razão de existir. Tudo o que é forjado
ou forçado no ser tende a encobrir a outra verdade que necessita existir.
Na morte, por
exemplo, há a dor, o pranto, o luto, a saudade. Mas ninguém deve enlutecer a
existência para o restante do próprio viver. Por maior que seja o sofrimento, a
dor pela perda e a saudade pela ausência, não haverá necessidade de se prostrar
junto ao túmulo como se aquela morte fosse a própria vida. E também porque o
viver não se perfaz somente no sofrimento.
Há luz no
viver, há sol no viver, há também alegria no viver. As sombras e as escuridões
existentes apenas motivam a busca de claridade, de paz, de esperança.
Instintivamente, as pessoas são impulsionadas a busca portas, janelas,
caminhos, estradas, saídas. Nem tudo é conseguido, é verdade. Mas todo
acontecido sem fundamenta em alguma razão.
Sobre sombras
e sóis o ser cumpre sua existência. Seja rico ou pobre, carente de quase de
tudo ou bilionário, ainda assim há a mesma moeda de vida com suas faces. Todos
entristecem e todos se alegram, todos adormecem e todos acordam, todos vivem e
um dia partirão, indistintamente. E o mais importante: nem a pobreza nem a
riqueza diferenciam os prazeres e as dores.
Ledo engano se
imaginar que a riqueza vive iluminada de sol e a pobreza se contenta nos
escondidos das sombras. O sol está ao alcance do olhar que o valoriza, a sombra
sempre encobre aquele que não sabe viver debaixo do sol. E tantas vezes o sono
profundo naquele deitado na cama de vara, enquanto que a insônia e o pesadelo
atormentam aquele de cama macia.
Cada ser
humano, em si mesmo, é o seu sol e sua própria sombra. A feição nega o
sentimento e a razão amedronta perante a verdade. Quer ser pedra e já é pó,
quer ser tudo e já é nada. E distante se vai de tudo que seja humildade, afeto,
amor, fraternidade. Quer somente o sol. E na ilusão, sequer se reconhece à
sombra.
Escritor
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