Depois de onze anos de pesquisas e mais de trinta viagens por sete Estados do Nordeste, entrego afinal aos meus amigos e estudiosos do fenômeno do cangaço o resultado desta árdua porém prazerosa tarefa: Lampião – a Raposa das Caatingas.
Lamento que meu dileto amigo Alcino Costa não se encontre mais entre nós para ver e avaliar este livro, ele que foi meu maior incentivador, meu companheiro de inesquecíveis e aventurosas andanças pelas caatingas de Poço Redondo e Canindé.
O autor José Bezerra Lima Irmão
Este livro – 740 páginas – tem como fio condutor a vida do cangaceiro Lampião, o maior guerrilheiro das Américas.
Analisa as causas históricas, políticas, sociais e econômicas do cangaceirismo no Nordeste brasileiro, numa época em que cangaceiro era a profissão da moda.
Os fatos são narrados na sequência natural do tempo, muitas vezes dia a dia, semana a semana, mês a mês.
Destaca os principais precursores de Lampião. Conta a infância e juventude de um típico garoto do sertão chamado Virgulino, filho de almocreve, que as circunstâncias do tempo e do meio empurraram para o cangaço.
Lampião iniciou sua vida de cangaceiro por motivos de vingança, mas com o tempo se tornou um cangaceiro profissional – raposa matreira que durante quase vinte anos, por méritos próprios ou por incompetência dos governos, percorreu as veredas poeirentas das caatingas do Nordeste, ludibriando caçadores de sete Estados. O autor aceita e agradece suas críticas, correções, comentários e sugestões:
As palavras são difíceis de serem encontradas. Na mente, cada palavra surge como nuvem ligeira que se transforma a cada instante, até mesmo como uma água de rio que vai passando para não mais retornar.
Será esta a sina do escritor, a de buscar a permanência da palavra? Será seu ofício moldar a pedra como uma Stonehenge de diluída eternidade? Será seu trabalho ser artesão de algo que jamais alcançará a permanência desejada?
Não sei responder. Mas eis-me aqui perante essa janela de solidão diante do caderno aberto, de lápis à mão e com a mente em busca de palavras. Porém tudo nuvem, tudo folha de outono, tudo água de rio. Tudo chega. Tudo passa. Tudo vai embora.
Sinto-me como um pintor naturalista ante uma paisagem cinzenta e árida, porém desejoso de lançar sobre a tela algumas flores de jardim primaveril. Mas nada vejo adiante que precise ser transformado. Hoje não quero flores na minha escrita nem jardins cinzentos. Hoje eu queria apenas escrever. E sobre qualquer coisa.
Mas é difícil demais escrever. Dizem que Hemingway navegava quilômetros até encontrar um peixe que pudesse ser bem descrito nos seus livros. Já Antoine de Saint-Exupéry fez de sua experiência de piloto o encontro daqueles espaços que tão bem descreveu nas viagens de seu Pequeno Príncipe.
Neste momento estou como uma pintura de solidão. Uma pessoa em sua cadeira, olhando adiante para uma imensa janela que dá para um descampado. Avista-se a pessoa, conhece-se do ambiente solitário e das paisagens ao redor, mas ninguém pode imaginar o que poderia estar se passando na mente daquela pessoa retratada.
Ou talvez eu esteja agora como a escultura O Pensador, de Rodin, no seu semblante de bronze, na sua cabeça baixa e pensativa, no seu olhar escondido, no seu gesto tão deprimido. O que estará pensando o pensador? Talvez tudo. E tudo por que as ideias não surgem descompartilhadas de outras imagens mentais.
Mas realmente não sei como estou agora. Só sei que ainda estou em busca de um motivo para escrever e não consigo encontrar. Minha palavra está presa, está enjaulada, talvez exaurida de tanto dizer noutros idos. E agora como num silêncio amedrontado, apreensivo, submisso ao que eu reinvente como escrita.
Mas não há mais o que reinventar, recriar, procriar noutra feição e face. Tudo já foi dito. Tudo já foi escrito. Não quero mais escrever algo que comece num amanhecer de paz, percorra o dia entre labirintos e medos, para somente ao anoitecer a felicidade seja reencontrada. Não quero mais tramas assim nem enredos assim.
Minha tendência agora é escreve sem palavras. Escrever um livro com mais de duzentas páginas, porém sem escrever uma só palavra. Sei que as traças me pedem para escrever mais e mais, sei que as gavetas empoeiradas me pedem para escrever mais e mais. Mas cansei de escrever apenas para a poeira e o pó.
Agora vou escrever apenas livros que não possuam palavras, nem uma letra sequer. Livros calados, quietos, silenciosos. Livros nus, despidos, sem medo de ventania. Livros sem desenhos ou figuras, sem imagens ou prefácios, sem começo nem fim. Um livro em branco. E na brancura nua em que estou agora.
E quando alguém perguntar sobre o que tratarei no meu próximo livro, então simplesmente direi: Sobre o nada. Um livro de páginas em branco do começo ao fim. E tudo como se ali estivesse ausente, levado pelo vento, sumido da existência. E contando a história de cada um sem nada dizer sobre a vida a vida de cada um.
Talvez seja o livro de tudo nascido do nada. E por isso mesmo cada leitor poderá entrar nas suas páginas e imprimir ali suas próprias histórias, suas próprias existências.
É notório na
literatura do cangaço, a presença de cachorros entre os cangaceiros, e muito já
se falou deles, temos portanto, pelo menos, quatro desses animais, registrados
pelas lente de Benjamim Abrahão Botto, a saber: Ligeiro e Guarani de Lampião e
"Seu Colega" e Jardineira de Corisco.
Não vou entrar
no mérito da questão, das funções destes canídeos, diante dos cangaceiros, se
eram adestrados ou não para detectarem a presença das volantes, pois não tenho
propriedade suficiente, pela literatura, para afirmar tal entendimento, mesmo
com a declaração feita pelo ex - cangaceiro José Alves de Matos, o Vinte e
Cinco, na entrevista que ele concedeu à Gazeta de Alagoas: "Os cachorros
de nome “Seu Colega” e “Guarani” exerciam papel importante, haja vista que,
além de serem adestrados para despertar a atenção do grupo quando algum
estranho se aproximasse, muitas vezes comiam antes uma parte das comidas que
seriam servidas aos cangaceiros para terem a certeza de que não estavam
envenenadas".
Diante disso,
quero pensar com os amigos, outra situação, vividas pelos cães dos cangaços, e
que me chamaram atenção, isto é, as pelejas (brigas) entre eles. Os escritores
Hilário Lucetti e Margébio de Lucena, em seu livro "Lampião e o Estado
Maior do Cangaço" nos conta do entrevero entre Luiz Pedro e Lampião, por
causa de seus cães, o causo é mais ou menos assim:
O bando de
Lampião encontrava-se no Estado da Bahia, na região de Curituba e Brejo do
Burgo, próximo ao Raso da Catarina, e com eles estavam dois cachorros, o de D.
Maria cujo nome era "Zé Rufino" e o de Neném de Luiz Pedro denominado
"Mané Henrique", homenagens, nada elegantes, aos seus inimigos e
comandantes das volantes baianas.
O que os
autores relatam, é que depois de certa refeição, os dois cachorros passaram a
disputar um osso, o que levou a briga renhida, sem no entanto, as duas mulheres
conseguirem separar os dois animais. Além disso, o episódio tomou proporções de
campeonato, entre os cabras que assistiam a tudo e gritavam como num campo de
futebol, cada um animando seu atleta preferido.
Após algum
tempo, o cachorro "Zé Rufino" de D. Maria leva a pior e começa a ser
liquidado por "Mané Henrique" de Nenêm de Luiz Pedro, o que leva a
companheira de Virgolino reclamar a ele, que tudo via e nada fazia, ato
continuo, Lampião saca a pistola e quando aponta para o cachorro adversário,
não teve tempo de executá-lo, pois Luiz Pedro aponta para ele seu mosquetão e
anuncia: "Compadre, se atirar no cachorro morre, só lhe considerei até
hoje. Já perdi meu pai, minha mãe, não tenho mulher nem filho, sou como um
urubu! Mas é como estou dizendo: Se atirá no cachorro morre."
Assim, Lampião
vendo que a promessa, do fiel amigo, era séria responde: 'O que é isto meu
compadre, você acha pouco os nossos a policia já ter matado e ainda vamos nos
acabar por via de uma besteira dessa, para dar mais gosto a eles? Quem está
certo é nosso compadre Anjo Roque quando diz que depois que entrou para o bando
cachorro e mulher, nada mais deu certo, só dá nisso mesmo" e Lampião
desistiu da intenção de matar o cão de Neném de Luiz Pedro.
Se a narrativa
acima, produzido por Hilário Lucetti e Magérbio de Lucena não passa de mais um
causo do cangaço, não sei dizer, entretanto, as brigas de cachorros no bando
encontram eco, na fala do último coiteiro de Lampião e Corisco que tive a honra
de entrevistar, o Sr. Cadim Machado, juntamente com o escritor Sérgio Dantas,
no povoado Caboclo (AL) sertão de Alagoas e que nos contou episódio, vivenciado
por ele, com o famoso cachorro "Seu Colega" de Corisco, que passo a
compartilhar, a partir de sua própria narrativa, que gravei naquele noite
barulhenta de 2014.
P.S: Relevem
os ruídos/sons externos, produzidos durante a gravação.
Imagens:
Benjamin Abrahão Botto
Texto: Geziel Moura
A noite do dia 13 foi de apreensão. Porém, afora a passagem da volante paraibana, do tenente João Costa, por volta das três horas, nada mais tinha acontecido. Pela manhã, os homens ainda nas trincheiras mantinham guarda. mas logo Francisco Fraga o Vinoca, saiu pelas ruas de carro gritando que o povo poderia sair de casa.
Comemorações se espalharam, mas grande chamariz era a praça da Igreja de Santa Luzia onde ainda estava exposto do cadáver de Colchete exalando forte odor. Famílias inteiras iam olhar o morto. A aglomeração e o medo de Lampião voltar, no entanto, obrigou o tenente Abdon Nunes a dispersar o povo.
Coronel Abdon Nunes, oficial polícia militar, exerceu as funções de delegado de polícia
em vários municípios potiguares entre eles: Areia Branca e Mossoró. Quando do
ataque de Lampião à Mossoró, o tenente Abdon era delegado em Areia Branca.
Chamado às pressas veio em socorro da cidade de Mossoró. Tempos depois quando
abriram inquérito para apurar a responsabilidade da morte e outros, ele teve a
coragem de assumir a responsabilidade dos delitos. - http://jotaemeshon-coroneisdapmrn.blogspot.com.br/2010/07/coronel-abdon-nunes.html
Colchete foi amarrado pelas pernas e braços em um tronco e levado ao cemitério, onde foi enterrado nos seus arredores sem receber a extrema-unção.
José Leite de Santana o cangaceiro Jararaca - http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Mesmo baleado em duas ocasiões, assim que caiu a noite, Jararaca rastejou até os trilhos de trem e se afastou da cidade. Chegou à ponte férrea na esperança de escapar com vida, mas não conseguiu atravessar os dormentes.
Antiga ponte de trem de Mossoró intacta até os dias de hoje - http://www.panoramio.com/user/7116357?with_photo_id=77947815
Pela manhã (dia seguinte), avistou uma barraca de lona próxima ao rio, ocupado por trabalhadores da estrada de ferro. Se assustaram quando viram o cangaceiro, mas ele os tranquilizou e disse que pagaria por ajuda. Pediu a Pedro Tomé, um dos cassacos, que fosse até s cidade comprar medicamentos: gaze, algodão, tintura de jucá e água oxigenada. Entregou-lhe uma nota de 500 mil réis e lhe advertiu para não o entregar. "Na volta lhe dou boa gratificação", assegurou. Na cidade, Pedro ainda encontrou o povo em movimento para ver o corpo de Colchete. Seguiu-se para a botica e pediu os produtos. O boticário perguntou para quem eram as compras e o homem contou tudo. Foi orientado a procurar o tenente Laurentino de Morais.
Tenente Laurentino de Morais
O oficial vibrava com a notícia. Sacramentaria a vitória de Mossoró com a prisão do cangaceiro. Bolou um plano com Pedro Tomé e o mandou voltar para o rio. No local, Jararaca cansado e abatido, não se deu conta da emboscada. Ao contrário, atendeu ao homem quando lhe pediu para baixar as armas e tirar os arreios.
Ao passar o braço por dentro do casaco, se obrigou a largar a arma por tempo suficiente para Pedro tomá-la, rendê-lo e gritar pelos policiais. As últimas palavras de Jararaca para Pedro, no entanto, lhe devem ter incomodado durante muitos anos.
"Você é um cabra de sorte. Quando você saiu eu pensei que ia mesmo me denunciar e quis matar você, mas me decidi", disse, segundo conta Raul Fernandes.
Últimos assaltos e a fuga para o Ceará
Por volta das cinco da manhã do dia 14 de junho, os bandoleiros tomavam de assalto o sítio Jucuri, de Manoel Freire. O homem soube do combate em Mossoró, mas nunca imaginou que alguém chegasse por lá. Tirava o leite no curral junto a seu vaqueiro Téofilo Lucas quando foi rendido. Depois de ter sua casa saqueada, ele e a esposa, dona Francisca foram espancados. Freire foi levado refém por 10 contos de réis.
Só para efeito de ilustração - http://www.alzenir.de/a_php/kueda.php?sprache=br&idk=3240&idr=265&seite=1&pos=3&sid=99
Por volta das nove da manhã, entre os sítios São Jorge e Veneza, um cangaceiro ferido não suportava de dor e pediu para morrer. Debaixo de uma velha quixabeira, o cangaceiro Marreco deu um único disparo. Enterraram o bandido em cova rasa à beira do caminho.
O cangaceiro Marreco - http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Se aproximava das dez horas da manhã quando o bando apontou no terreiro da fazenda Veneza de Childerico Fernandes. Encontraram dinheiro e objetos de valor. Sabino quis saber, no entanto, se ali ainda era o Rio Grande do Norte. "No Ceará eu não toco numa folha, mas aqui a coisa é outra".
O cangaceiro Sabino Gomes - https://coisasdecajazeiras.com.br/em-1926-o-cangaceiro-sabino-gomes-invade-cajazeiras/
Ali se demoraram, deitaram, comeram e conversaram bastante. Segundo Raul Fernandes, Lampião aproveitou para desabafar.
"Você ver minha vida? Enquanto os outros se distraem e descansam, eu não posso tirar um cochilo. Estou preocupado com os macacos que devem andar por perto", disse. Suas palavras ganharam apoio de Antônio Gurgel, sempre muito político.
Coronel Antônio Gurgel do Amaral - http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Na ocasião, o comandante-chefe enalteceu a bravura do povo de Mossoró. Disse saber reconhecer a coragem de homens valentes. Com olhar vago, sem aparente mágoa disse que ainda voltaria à Mossoró. Fato que nunca aconteceu.
O cangaceiro e sanguinário capitão Lampião - http://www.eunapolis.ifba.edu.br/informatica/Sites_Historia_EI_31/cangaco/Site/imagens/lampiao.html
Massilon interveio quando um cabra tentava tomar a aliança de dona Felisbela mulher de Childerico. Mandou o bandido sair da casa e aproveitou para se confessar.
"Não sou bandido. Assim que chegar ao Ceará, deixarei essa gente. Vou cuidar da minha vida", afirmou, segundo conta Raul Fernandes.
Pouco depois, Lampião reuniu a tropa e partiu. Ao cruzar a fronteira cearense, o capitão alertou à turma.
"Aqui já e´Ceará. Para adiante ninguém rouba mais, pois o governo daqui não bole com a gente", determinou.
Libertação dos reféns Nas proximidades da fazenda Lagoa do Rocha, já no Ceará, um portador apareceu com o resgate de Manoel Freire. Ainda no vale do Jaguaribe, no dia 18 de junho, o vaqueiro Manoel Alves levou o resgate do coronel Joaquim Moreira.
Coronel
Joaquim Moreira da Silveira e seu neto, Paulo Germano da Silveira - in Lampião
e o RN, de Sérgio Dantas. - Acervo: Paulo Germano da Silveira. - Facebook - Página: Geziel Moura - Grupo: Ofício das Espingardas
Somente no dia 25 de junho, depois de enfrentar novos confrontos, sede e fome, e por decisão dos cangaceiros, é que Antônio Gurgel e Maria José Lopes foram libertados, mesmo sem pagamento de resgate.
Lampião pediu que dona Maria José tivesse cuidado na volta e a Gurgel entregou duas moedas de ouro.
"É para sua netinha", disse para a surpresa do coronel.
Os dois se despediram e foram guiados por Sabino, Mormaço e outros três.
Yolanda neta do coronel Antônio Gurgel do Amaral - http://lampiaoaceso.blogspot.com.br/2009/12/o-ouro-dos-cangaceiros-para-yolanda.html
Maia à frente, Sabino mandou que os dois esperassem no leito de um riacho. Ficaram ali meia hora achando que os homens não voltariam, mas dali a pouco, retornaram com alguns mantimentos. Sabino entregou a eles metade de um queijo coalho e 100 mil réis ao coronel e outros 60 à dona Maria.
Apontou o caminho que ia dar numa cabana e partiu sem despedida. No lugar, foram mal recebidos. Tentaram outra casa,, mas o medo de que fossem cangaceiros afugentava as pessoas. Dormiram ao relento.
Perto das nove horas do dia 26, toparam com os sertanejos Agápito Ferreira Maia, da fazenda Boqueirão e Manoel Herculano da Cunha, do sítio Letrado. Os homens os levaram até a fazenda Lagoa do Córrego, de Alexandrino Diógenes, onde foram bem recebidos.
Alexandrino emprestou dois cavalos para levá-los até a fazenda Letrado. Ao saber que Tylon, seu irmão, estava pelas redondezas, o coronel Antônio Gurgel lhe mandou um bilhete. No mesmo dia se encontraram e seguiram para Mossoró. Dona Maria José Lopes ficou na casa de Herculano Cunha, no Letrado. Recebeu telegrama do irmão pedindo para esperá-lo ali mesmo.
Quando chegou, Antônio Batista Maia trazia consigo um pequeno grupo volante. Há dias. marchava em busca da irmã. Queria resgatá-la à força. Tinha se unido ao coronel Manoel Gonçalves, de Lastro/PB, mas estavam sempre há dois dias de atraso em relação a Lampião.
Entrevistas de Jararaca
Preso na Cadeia Pública de Mossoró desde o dia 14 de junho, surpreendentemente, o cangaceiro Jararaca apresentava sinais de melhoras, apesar de ter ferido a bala no peito e numa perna.
Jornalista Lauro da Escócia - http://cariricangaco.blogspot.com.br/2011/10/lauro-da-escossia-foi-responsavel-pelo.html
No mesmo dia em que foi preso, Jararaca concedeu entrevista ao jornalista Lauro da Escócia, do jornal O Mossoroense. Segundo o pesquisador Geraldo Maia, começou dizendo que se chamava José Leite, que tinha 27 anos e havia nascido no dia 5 de maio em Buíque/PE.
Escritores Geraldo Maia do Nascimento e Kydelmir Dantas - http://blogdomendesemendes.blogspot.com.br/2013_08_04_archive.html
Disse ainda que o ataque à Mossoró foi idealizado por Massilon Leite e que Lampião relutou um pouco, por causa da histórias das duas igrejas. Que quando Lampião chegou à Mossoró não gostou nada, nada daquela "Igreja da bunda redonda" (Capela de São Vicente) de onde estavam partindo os tiros contra o bando. Então Lauro perguntou:
"Mas, enfim, Jararaca, para que Lampião queria tanto dinheiro?"
"Era para comprar os volantes de Pernambuco";
O cangaceiro disse ainda que "encontrava proteção no território cearense, tendo Padre Cícero do Juazeiro, no tempo da revolução, fornecido armas e munição a Lampião".
Lauro da Escócia o descreveu como sendo "moreno, muito moreno, mas não era negro". Era solteiro e andava com Lampião há um ano e alguns meses. Tinha um fuzil máuser e cartucheiras de duas camadas, mas 560 mil réis no bolso e uma caixinha com obras de ouro no valor de 1 conto de réis.
No dia seguinte, 15 de junho, deu outra entrevista, agora ao jornal Correio do Povo. Neste momento, falou ainda mais e passou a dar nome aos apoiadores do cangaço.
Major Teófanes Ferraz Torres - https://tokdehistoria.com.br/2014/09/12/cangaceiros-atras-das-grades-fim-da-ilusao/
Segundo ele, parte do dinheiro dos saques realizados por Lampião era para comprar os oficiais da polícia de Pernambuco, especialmente o major Teófanes, oficial responsável pela prisão de Antônio Silvino.
Cangaceiro Antonio Silvino - http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/index.php?option=com_content&id=329
Disse ainda que o bando de Lampião vinha aramdo com 44 fuzis máuser, 9 rifles, e 15 mil cartuchos, todos doados pelo médico e político Floro Bartolomeu, responsável pelo combate da Coluna Prestes no Ceará em 1925.
Deputado Federal Floro Bartolomeu da Costa - http://blogdomendesemendes.blogspot.com
O cangaceiro informou também que o cangaço recebia apoio do coronel José Otávio, de Vila Bela,/PE e Santana de Serra do Mato/CE, onde armazenava parte da munição.
Depois da conversa, segundo Sérgio Datas, é possível que o celerado tenha percebido que falou demais. Por isso, pediu uma audiência com o intendente Rodolfo Fernandes, mas não foi atendido pela polícia.
Continuaremos
amanhã com o título:
"O ASSASSINATO DO CANGACEIRO"
Fonte: Jornal
De Fato
Revista: Contexto
Especial
Nº: 8
Páginas: 38, 39 E 40.
Ano: 6
Cidade: Mossoró-RN
Editor: José
de Paiva Rebouças
E-mail: josedepaivareboucas@gmail.com
Ilustrado por: José Mendes Pereira
Informamos
que O velório da Profa. Dra. Joseney Rodrigues de Queiroz ocorrerá a
partir da 7h desta quinta-feira, 29, no Auditório do CAMEAM/UERN em Pau dos
Ferros, e o sepultamento será no final da tarde, na cidade de São Miguel, terra
natal de Joseney.
A ADUERN
enviará transporte com os docentes interessados em se despedir da professora
Joseney. O carro sairá às 8h da sede do sindicato. PEDIMOS QUE OS
INTERESSADOS ENVIEM SEU NOME O MAIS RÁPIDO POSSIVEL, PARA QUE POSSAMOS
ARTICULAR QUE TRANSPORTE IRÁ À PAU DOS FERROS
Diante do
horário já avançado, solicitamos que façam o contato através de qualquer meio
de comunicação da ADUERN: email da comunicação, email da secretaria, whatsapp
(988703983) ou telefone fixo do sindicato
A revista carioca A Noite Ilustrada publicou a maior cobertura da imprensa sobre a morte do mais famoso cangaceiro, fato que evidenciava sua importância como notícia e lenda.
A capa da edição da quarta-feira 9 de agosto de 1938, da revista A Noite Ilustrada, lançada 11 dias depois do massacre na Fazenda Angicos, município de Piranhas, entre Alagoas e Sergipe, onde morreram Virgulino Ferreira da Silva (1898-1938), o Lampião, Maria Bonita e mais nove pessoas, é emblemática. Em vez de estampar o mais famoso e temido cangaceiro do País, a imagem trazia em destaque outro bandoleiro, Corisco, conhecido pela polícia e pela imprensa como Diabo Louro. A mensagem parecia clara: sem Lampião, o cangaço sobreviveria pelo herdeiro e compadre de seu antigo chefe. Rei morto, rei posto? Não. A legenda explicava que aquela foto havia sido encontrada entre muitas outras em um dos bolsos do famoso criminoso, quando os soldados da “volante” foram saquear seus bolsos, em busca de joias e dinheiro, no momento em que seu corpo jazia, cravado de balas.
Em 28 páginas sobre o massacre, a revista, comandada pelos jornalistas Gil Pereira e Vasco Lima, trazia a primeira grande reportagem sobre o assunto, que se tornou aula e marco do jornalismo na época. Motivo: a publicação tinha conseguido mandar uma equipe – fotógrafo e repórter – do Rio de Janeiro até o local, a dois mil quilômetros de distância, em pouco mais de 24 horas. Ao que parece, foi uma operação de guerra. Tão logo as primeiras notícias da morte de Lampião chegaram às redações do Rio de Janeiro, via telegrama, nenhum jornal ou revista teria se interessado em mandar equipes.
Por mais de dez anos, a grande imprensa acompanhou as muitas caçadas a Lampião, promovidas pela polícia de pelo menos seis estados do Nordeste por onde ele e seu bando circularam e “aterrorizaram” – Bahia, Sergipe, Pernambuco, Alagoas, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte. A viagem dos jornalistas de A Noite Ilustrada só foi possível porque eles conseguiram embarcar antes do meio-dia em um voo internacional da Pan American, que fazia a rota Miami-Rio de Janeiro-Buenos Aires. As escalas eram feitas em Montes Claros (MG), Barreiras (BA) e Carolina (MA).
Os jornalistas desceram em Barreiras, no cerrado baiano, e de lá cruzaram de carro ou de trem boa parte do território baiano, até chegar à cidade de Piranhas. Na manhã seguinte, eles se depararam com a tropa de 49 homens do tenente João Bezerra na pequena cidade de Pedras, no meio do caminho até Santana do Ipanema, onde ficava o batalhão que realizou a operação militar.
Os enviados se tornaram a primeira equipe de jornalistas a visitar a “gruta” de Angicos, depois do massacre. Acabaram por fazer fotos que se tornaram famosas ao longo dos 75 anos seguintes e foram reproduzidas incontáveis vezes por jornais, revistas e livros sobre o tema. São imagens que chocaram os leitores. Logo na página três, aparecia a cabeça decepada quase em tamanho real da mulher mais famosa do cangaço e um pequeno texto dizia: “Companheira de Lampião, fotografada em Pedra, durante o regresso da ‘volante’ (tropa) do tenente João Bezerra, quando ainda conservava a regularidade dos traços e a serenidade da expressão. Mesmo depois da morte violenta, justificando a alcunha, a cabeça da bandoleira mostra vestígios de tranquila beleza”.
Nas páginas centrais, como pôster de 43 cm x 86 cm, A Noite Ilustrada estampava a foto mais famosa da história do banditismo no Brasil, que se tornou símbolo do grau de selvageria que dominava mocinhos e bandidos nos confins da caatinga brasileira: as cabeças decepadas dos mortos de Angicos, arrumadas na escadaria de uma igreja, identificadas com uma etiqueta ao lado de cada uma. Apareciam, pela ordem de cima para baixo, da esquerda para a direita: Diferente, Desconhecido, Cajarana, Enedina, Caixa de Fósforos, Mergulhão, Elétrico, Luis Pedro, Maria Bonita e, sozinha na parte de baixo, Lampião.
Ao redor, parte dos pertences recolhidos – armas e balas em quantidade, embornais e uma máquina de costura aparentemente da marca Singer. No local do tiroteio, há uma foto que mostra com números e setas como tudo aconteceu: onde estavam os soldados e em que ponto Lampião foi mortalmente atingido, sem ter chance de qualquer reação.
A notícia tinha corrido o Brasil como fogo em pólvora. Todos os grandes jornais destacaram o fato na primeira página. Por 18 anos, Lampião e seu bando atacaram, principalmente, pequenas e miseráveis localidades em que a população vivia sob o chicote e o domínio eleitoreiro das dinastias dos coronéis. A imprensa das regiões Sul e Sudeste sempre se interessou pelo assunto, destacava a crueldade de Lampião e de seus comparsas e o heroísmo da polícia em sua captura. Ficaram famosos nomes como do sargento Odilon Flor que, por oito anos caçou e perseguiu o cangaceiro, e o do tenente Campos de Menezes, que o perseguia desde a década anterior – por diversas vezes, Menezes e seus homens trocaram tiros com Lampião. Mas a glória coube ao desconhecido tenente Bezerra, transformado em herói nacional literalmente da madrugada para o dia.
Não havia qualquer discussão na imprensa sobre as intenções do cangaceiro que eram apenas roubar e saquear a partir de uma índole criminosa natural, como aconteceu depois e o transformou em herói para muitos, por contestar o poder dos coronéis – Lampião seria fruto do inconformismo de um mundo injusto e sem lei. “Ido desta capital de avião, o serviço dos enviados especiais de A Noite Ilustrada ao sertão e à capital de Alagoas trouxe a lume o sensacional acontecimento por todas as suas faces mais empolgantes, acumulando uma sucessão de documentos que se encontram em parte nesta edição”, explicou a revista, em seu editorial. Para seus editores, a publicação havia feito algo extraordinário. Tanto da parte de seus repórteres quanto da polícia, mostrada como heroica. Dizia o título: “O sensacional acontecimento do sertão alagoano”.
Prosseguiram eles, na apresentação. “Releva notar o acervo de fotos feitas no próprio local do combate entre a polícia alagoana e o bando do ‘Rei do Cangaço’, a grota situada na fazenda Angicos, das quais se encontram na última página da revista, e testemunham não apenas a coragem, mas a temeridade dos nossos auxiliares.” No mesmo texto, destacou o pequeno vidro encontrado no corpo de Lampião, cheio de um pó amarelo, que, “verificou-se nesta capital, por experiência feita no laboratório de Pesquisas Científicas da Polícia, ser um veneno poderoso. É também um pormenor de sensível interesse”, porque se sabia, “por informações anteriores”, que era uma prevenção para não cair com vida em mãos das autoridades.
“Consciente da enormidade de seus crimes, o cangaceiro não suportava a ideia de expiá-los. Pode suceder, também, que um amor próprio a seu modo lhe fizesse intolerável à possibilidade de vir a ser dominado pelos que considerava inimigos odiosos.” Ou seja, sua decisão era de jamais se deixar prender vivo pela política. Cometeria suicídio antes. “Verificou-se ainda que Lampião foi colhido por uma rajada de balas, pois seu famoso punhal, de cabo trabalhado a ouro e marfim, foi atingido numa das lâminas, e a própria cartucheira do bandido, onde o ímpeto de uma das balas que recebeu detonou outra da própria cartucheira do antigo ‘Terror do Nordeste’, que o atingiu mortalmente.”
O que se nota em toda a edição de A Noite Ilustrada é que em nenhum lugar são ditos os nomes do repórter e do fotógrafo, embora eles aparecessem em duas fotos e fossem assim identificados. Em uma delas, o fotógrafo, de óculos, posava à frente dos voluntários e soldados, sorrindo para a câmera. Em outra, o jornalista cumprimentava o aspirante Ferreira, cercados de soldados que apoiavam as mãos nos ombros dos dois. Uma legenda informava: “O corpo do bandoleiro foi identificado e fotografado por um dos enviados de A Noite Ilustrada na grota de Angicos, sendo que outros ali voltaram, ainda, depois, a fim de minudenciar o terreno fotograficamente, facilitando uma reconstituição do choque entre a polícia e os bandoleiros”. A edição trazia também o primeiro episódio de uma série em quadrinhos sobre a vida do cangaceiro, roteirizada e ilustrada por Euclides L. Santos. Com dez quadrinhos cada página, iniciava uma série que seria publicada duas vezes por semana no jornal A Noite, nos cinco meses seguintes.
Singularmente ingrato
Lampião jamais imaginou que poderia ser morto em Angicos. Aquele era seu esconderijo havia muitos anos e ele acreditava, mesmo se traído, uma volante não conseguiria chegar ali. O terreno, no dizer de um geógrafo entrevistado pela revista, contou que o local era “singularmente ingrato”. E explicou que ficava “entalado entre a margem do rio e a montanha pedregosa e íngreme que da mesma margem começa logo a erguer-se, apertada entre gargantas e pequenas contraescarpas de serra, e ingrato, estéril e árido, ostentando rochedos de granito e penhascos inacessíveis. Essa topografia era da conveniência para os cangaceiros que, por isso mesmo, sempre procuravam Angicos, nas imediações de Piranhas, quando se sentiam inseguros e acossados”. Mas a força policial, comandada pelo tenente João Bezerra, reunia veteranos combatentes do cangaço, não teve dificuldades alcançar aquele ponto.
Os cangaceiros haviam chegado a Angicos no dia anterior, 27 de julho, exaustos, famintos. Era noite, chovia muito e todos dormiam em suas barracas. O aguaceiro, em vez de dificultar a aproximação de alguma volante, ajudou, graças ao barulho da água que caía. Tanto que nem os cães de Maria Bonita pressentiram. Bezerra relatou depois que o bombardeio ainda não tinha começado, por volta das 5h15 do dia 28, e teve de ser precipitado. No momento em que os cangaceiros levantaram para rezar o ofício, de acordo com o ritual estabelecido pelo Rei do Cangaço, e se preparavam para tomar café, um cangaceiro deu o alarme. Tarde demais. Bezerra gritou: “Fogo”. Os soldados dispararam suas metralhadoras portáteis, que cuspiram dezenas de balas por minuto, por cerca de 20 minutos. Corisco e os outros que estavam mais distantes, e acabaram protegidos pelos rochedos, conseguiram se arrastar e fugiram.
Lampião foi um dos primeiros a morrer. Dentro dos costumes da época, Maria Bonita, gravemente ferida, teve sua cabeça decepada – fizeram o mesmo com o marido, em seguida. Na euforia que se seguiu, sem se preocupar se alguém tinha escapado, os policiais saquearam os cadáveres e os mutilaram com selvageria. Também foram degolados vivos Quinta-Feira e Mergulhão que estavam feridos. Um dos policiais, com ódio de Lampião, deu um golpe de coronha de fuzil na cabeça do cangaceiro tão forte que a deformou. Afirmou-se depois que todas as cabeças foram salgadas e colocadas em latas de querosene, com aguardente e cal, enquanto os corpos foram abandonados e devorados por urubus. Para evitar a disseminação de doenças, dias depois foi colocada creolina sobre os corpos. Como alguns urubus morreram intoxicados pela substância, esse fato ajudou a difundir a crença de que eles haviam sido envenenados antes do ataque, com alimentos entregues pelo coiteiro traidor. Outra versão dava conta de que as cabeças não passaram por qualquer processo de conservação nas 48 horas que se seguiram ao massacre. E mesmo inchadas – como se vê nas fotos –, foram vistas por milhares de curiosos nas cidades onde o pelotão passou.
Em Pedra, ao alcançar a volante, a equipe de A Noite Ilustrada conseguiu reunir 47 dos 49 homens que estiveram em Angicos para uma foto histórica. Duas outras mostravam a multidão que se concentrou em uma praça em Maceió para ver as cabeças dos 11 cangaceiros. “Em Piranhas, as tropas chegaram inesperadamente, quando terminara a feira ali erguida, e quando, portanto, ninguém imaginava a possibilidade de acontecimento de tal monta. A polícia alagoana, conduzindo os troféus do sangrento encontro, foi recebida por aclamações populares intensas, mais vivas e constantes, à medida que os populares se inteiravam do êxito completo do combate com o bando de cangaceiros. Ferido, embora sem gravidade maior, o Tenente Bezerra, cuja valentia é conhecida em todo sertão circundante, era visado particularmente nos aplausos do povo aglomerado”.
O mesmo espetáculo foi verificado pela equipe da revista em Pedra e Água Branca, “onde as populações, vítimas durante tantos anos dos sustos constantes pelo perigo de incursões dos cangaceiros, mal podiam acreditar no extermínio do monstro da caatinga”. Em todas essas localidades, o chefe dos volantes determinou a exposição das cabeças. “Visava principalmente evitar alguma lenda de negação do fato, coisa muito natural em face da crença, alimentada pelos próprios acontecimentos, durante tantos anos, da intangibilidade do chefe do cangaço. Os soldados jubilosos pelo resultado da sortida, e sua alegria se misturava à do povo, compondo um espetáculo expressivo da sensação de libertação que pairou sobre aqueles recantos da civilização sertaneja.”
Em Santana do Ipanema, “esse jubilo popular atingiu maiores proporções”. Segundo o repórter, as cabeças dos cangaceiros, que haviam sido fotografadas em Pedra, foram novamente expostas à curiosidade pública “e numerosas pessoas reconheceram a cabeça decepada de Lampião e de outros seus comparsas do crime”. O espetáculo bizarro prosseguiu em Maceió. No Instituto Médico Legal de Aracaju, as cabeças foram medidas, pesadas e examinadas pelo médico Carlos Menezes. Suas observações fizeram com que os criminalistas mudassem a teoria de que um homem bom não viraria um cangaceiro, e este deveria ter características sui generis.
Diferentemente do que acreditavam, as cabeças não apresentaram qualquer sinal de degenerescência física, anomalias ou displasias, apesar da decomposição avançada. Acabaram classificadas como de indivíduos normais. Do sudeste do País, apesar do péssimo estado, seguiram para Salvador. Ali, permaneceram por seis anos na Faculdade de Odontologia da Universidade Federal da Bahia. Nenhuma patologia foi encontrada após novos exames. Por mais de três décadas, ficaram expostas no Museu Antropológico Estácio de Lima, no prédio do IML Nina Rodrigues, no Terreiro de Jesus, em Salvador. Atraíam milhares de curiosos todos os anos, que queriam ver, principalmente, as cabeças de Lampião e Maria Bonita.
Enquanto isso, as fotos de A Noite Ilustrada corriam o Brasil e o mundo. Sem autorias definidas, perderam sua identidade, ao mesmo tempo que se tornavam documento de uma época. Por mais que a revista chamasse Lampião de facínora, o resultado de seu esforço jornalístico mantinha a força de uma história e não conseguiu evitar que de suas páginas nascesse uma lenda que, como tal, ainda fascina. Suas fotos e textos, enfim, por mais que se tenha feito um trabalho de reportagem louvável, não evitou que Lampião continuasse a andar pela caatinga, mesmo como um fantasma, cada vez mais vivo na imaginação das pessoas pela coragem de cabra macho que era em enfrentar os poderosos. Que se publique a lenda.
Porta Voz de Vargas
A redação de A Noite Ilustrada funcionava na Praça Mauá, 7, centro do Rio de Janeiro, e onde ficavam redações de jornais e revistas, e emissoras de rádio importantes. Lançada em 1930, a publicação surgira como um marco por sua qualidade de impressão, graças ao moderno sistema de rotogravura. Pertencia ao jornal A Noite, mesmo diário fundado por Irineu Marinho e Geraldo Rocha. A Noite sobrevivera ao longo da década de 1930 sob o duro castigo de ter apoiado o grupo derrotado pela Revolução de 1930.
Na ocasião, sua redação foi saqueada e incendiada e Rocha se refugiou em Minas Gerais. O diário sofreu intervenção do governo. Pressionado, Rocha reconheceu em cartório que tinha dívidas e abriu mão de seus bens para os bancos do governo, inclusive de A Noite. O jornal se tornou, então, uma espécie de órgão a serviço de Vargas e radicalizou seu oficialismo com a decretação do Estado Novo, em novembro de 1937, quando assumiu a mesma postura nazifascista do ditador brasileiro. Essa orientação editorial dava o tom na cobertura do massacre de Angicos e no modo de como a tropa do Exército foi tratada.
Lampião Lia “A Noite Ilustrada”
Pelo acaso, Lampião acabou por se tornar garoto propaganda de A Noite Ilustrada. Dois anos antes de morrer, ele aparecia em uma de suas mais famosas fotos, feita pelo fotógrafo e caixeiro viajante Benjamin abraão (1890-1938), mostrando um exemplar da famosa revista carioca, ao lado de maria Bonita, que aparecia sentada, acariciando os cães Ligeiro e Guarany. A edição, de 27 de maio de 1936, trazia na capa a nadadora americana Anna Evers, uma das promessas da olimpíada de Berlim daquele ano.
Na legenda, lia-se: “a sereia e sua rede… Anna Evers exibindo um formoso modelo praiano em Santa Mônica, Califórnia”. Segundo depoimentos das cangaceiras Aristéia e Dadá, as fotos foram feitas entre junho e julho de 1936, portanto um mês ou dois depois do lançamento da revista. Abrahão seria morto pouco mais de dois meses antes de Lampião, em serra talhada, no dia 10 de maio de 1938. De origem sírio-libanês-brasileira, ele se tornou o responsável pelo registro iconográfico do cangaço e de seu líder, Lampião.
Para fugir do serviço militar em seu país, durante a Primeira Guerra Mundial (1914- 1918), ele veio para o Brasil. chegou em 1915. Foi mascate em Recife e Juazeiro do Norte, atraído pela frequência de romeiros em busca do Padre Cícero, de quem se tornou secretário e conheceu Lampião, em 1926, quando foi à cidade receber a bênção do célebre vigário e a patente de capitão, para auxiliar na perseguição da coluna prestes. Anos depois, obteve do cangaceiro autorização para acompanhar o bando na caatinga e realizar as imagens que o imortalizaram. Foi assassinado com 42 facadas e o crime nunca foi esclarecido.