Por Rangel Alves
da Costa*
Nascido sob as
bençãos sagradas e inspirado para uma existência baseada na prática das grandes
virtudes, aos poucos o homem foi profanando sua condição primordial de bondade
e decência. Ao profanar sua essência, violando as regras primeiras e fazendo
uso abusivo de práticas indignas ou impuras, o ser humano se permitiu carregar
sobre si o fardo da ambiguidade: aquele que espiritual e moralmente quer ser e
assim ser visto, e aquele que tudo nega pelas próprias ações.
A ambiguidade
parece ser própria do ser humano. Carrega em si tantos sentidos e
interpretações que se torna quase que indefinível e sempre impreciso. Uma hora
está firme numa posição, na outra já tomou outra direção; prega religiosamente
uma coisa e faz tudo diferente por trás dos panos. Enxerga no outro o que não
consegue reconhecer em si mesmo, aponta o erro do próximo e dificilmente se
admite errado também.
Mas não é
tudo, eis que se tornou costumeiro dividir a sua realidade em dois mundos
completamente distintos. O que lhe cabe e lhe diz respeito, e onde tudo parece
sempre correto e justo, e aquele onde está situado o outro. Este sempre objeto
de críticas, de insinuações maldosas, envolto em suspeitas e falsidades. E
assim é forjada a convivência, onde ninguém acredita no outro porque a verdade
está apenas consigo.
E não somente
perante o outro como diante de toda a realidade da vida. Consequência disso é
um mundo egoísta, individualista, ganancioso. Um mundo onde os seres parecem
apenas aparentes, disfarçados, pois nunca refletindo suas verdades íntimas, mas
tão somente o que lhe interessa como proveito. Quer dizer, o mais importante
não é viver e sim agir para levar vantagem em tudo, para fazer valer sempre os
interesses pessoais.
Conhecidas são
as posições e as contradições políticas existentes no mesmo ser humano, sempre
na dependência desta ou daquela situação. Valores, conceitos e princípios são
renegados e tornados conservadores demais ou desatualizados perante os modismos
e as nuances do tempo presente. Dificilmente se vê a manutenção de princípios
pessoais diante das atrações do tempo presente. As tentações são tamanhas que
se tornaram raridades coisas como a manutenção da palavra, a lealdade aos
compromissos, a preservação do caráter.
Aparentemente,
o postulado humano continua inabalável. Cada um procura repassar a imagem de
insuspeita, de seriedade a toda prova. E até age assim externamente, e no
intuito de transmitir conceitos que não existem internamente. Muito menos na
consciência. Esta, em alguns casos, tem de conviver com o dilema de reconhecer
o erro e saber que continua errando. Vale sempre aquele velho ditado: faça o
que eu digo, mas não faça o que eu faço. E assim vai o ser humano caminhando na
eterna busca de um norteamento na vida. Ou não.
Ou não porque
o homem parece ter aprendido a ser o seu próprio disfarce. Dependendo da
situação age de uma forma e de modo totalmente no passo seguinte. Faz-se,
assim, desacreditado não só nas ações, mas também, e principalmente, na feição
de seu caráter. E nem parece preocupado com isso, eis que também aprendeu a
viver segundo as forças dos ventos e das propensões cotidianas e não mais em
cumprimento e preservação de sua honradez.
Alguns animais
se disfarçam instintivamente, mas quase sempre por necessidade de
sobrevivência. O camaleão toma a cor do tronco da árvore para fugir do
predador; gafanhotos se disfarçam de galhos e folhagens para não servir
facilmente de presa; diversas outras espécies são exímias na arte da
camuflagem, mas tudo em obediência a princípios naturais. Contudo, mesmo que
assim comumente ocorra, não é algo inato ao ser humano a propensão de modelar
seu caráter segundo as conveniências.
Talvez sejam
as conveniências, os interesses e as vantagens que tornam determinados sujeitos
tão volúveis. À moda dos malabaristas, vivem se contorcendo para alcançar o que
lhe garanta melhor proveito, ainda que de modo reprovável em todos os sentidos;
à moda dos mais argutos interesseiros, se ajoelham piedosamente diante do algoz
com moeda na mão; igualmente aos heréticos, preferem desacreditar para pecar
sem temor. Tristes os tempos do homem assim.
A verdadeira
personalidade humana - ou aquele arcabouço definidor do comportamento humano no
seu pensar, sentir e agir - vai sendo moldada progressivamente, mas não de modo
a fazer com que um mesmo indivíduo, de modo normal, possa ter diversas
personalidades, uma para cada momento. O caráter é, pois, a junção dos valores
presentes na personalidade e que permitem reconhecer no homem firmeza de
posicionamento. Sem a solidez no caráter, logo é revelada a fragilidade do ser
diante das ofertas indecentes encontradas a cada passo.
E de repente,
o ser sagrado pelo nascimento, existência e espírito, se torna um vil objeto
daquilo que ele próprio diz repudiar. Apenas diz, pois esconde sua essência
humana e age com o disfarce adequado a cada situação.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Postado por Adryanna Karlla Paiva Pereira Freitas
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