Por Alfredo
Bonessi
O Cangaço
O Cangaço
encontrou em Virgulino Ferreira a maior liderança de grupo, superando em muito
outros chefes que o antecederam, nas mais variadas formas de agir do bando de
cangaceiros.
Pelo que se
apurou em pesquisas, por estudantes do cangaço, os irmãos Ferreira se
desentenderam com um vizinho por questões da invasão de animais em
roçados – e a situação evoluiu aponto de um grupo emboscar o
outro, causando ferimentos em alguns e prisão para outros.
Enquanto esse
vizinho entrava para a polícia, os Irmãos Ferreira entravam para um grupo de
salteadores.
Nessa época,
já era publico e notório o espírito de desordeiros que alimentava a índole dos
Ferreiras – comportamento no modo de vida que nunca se alterou, e que acabou
por eliminar da vida sertaneja os irmãos Ferreira, não
sem antes arrastar para a vida de crimes e para a morte seu irmão mais novo
Ezequiel Ferreira e seu cunhado Virgínio.
Essa atitude
ocasionou também a morte da mãe, por exaustão e desgosto, e
do pai deles, assassinado covardemente por uma volante comandada pelo Aspirante
Lucena, que mais tarde foi o responsável pelo fim do cangaço no sertão, graças
a estratégia adotada de informação, contra-informação, e pelo elevado movimento
e circulação de volantes pelas áreas de atuação dos bandos de cangaceiros.
Por um erro de
alguns escritores, primitivos no tema cangaço, acreditou-se que Virgulino
Ferreira entrou para a vida do cangaço para vingar a morte do pai – isso não é
verdade. A rigor nunca Virgulino vingou alguém, nem mesmo seus chefes de grupo
quando esses foram mortos por civis ou pelas mãos da policia. O que se viu na
sua vida de crime foram mortes movidas por desobediências no cumprimento de
suas ordens, como foi o caso dos trabalhadores da rodovia, e a
marcação a ferro nos rosto e nas partes íntimas das mulheres de alguns militares,
por estarem de vestidos curtos e cabelos cortados.
O fato é que o
cangaço era meio de vida para Virgulino Ferreira, diferente do cangaço por
justiça de Antonio Silvino e do cangaço por vingança de Sinhô Pereira.
Para isso
Virgulino se impôs no sertão como um indivíduo cruel, estando em
mando acima dos poderosos coronéis da região, sendo até enganado por alguns,
como foram os casos do coronel Zé Pereira de Princesa e do coronel Isaias
Arruda, que ficou com mais de sessenta contos de réis do cangaceiro, e que o
enviou para uma viagem sem volta até Mossoró, e que na volta o cercou com fogo
no mato e mais de quatrocentos soldados da policia de tocaia.
Ao contrário
do que muita gente pensa, Virgulino teve vida boa no cangaço, no interior das
fazendas, ao redor das fogueiras, nas comidas gostosas feitas pelas mulheres
dos fazendeiros, ao som fanhoso do ronco dos foles, bebericando
bebidas finas, tomando banho de perfumes, comercializando armas e munições
entre os seus, pedindo dinheiro aos poderosos, sequestrando pessoas influentes,
assaltando cidades e vilas, atemorizando os comerciantes e forçando
mulheres a praticarem sexo com ele e com o grupo.
Lampião reinou
absoluto pelo sertão por longo tempo, e não se deu conta do número
de estradas de rodagem que aumentavam dia-a-dia, das estações de rádio que se
fechavam ao redor dele, do grande números de pessoas contrarias ao seu
movimento, porque os cangaceiros atrapalhavam o comércio, e ainda, pelo
crescente número de informantes aliciados pela polícia e
decididas a trabalharem para ela, e como principal fator, a inclusão
de sertanejos como parte integrante das volantes, quer como graduados, quer
como guia e rastejadores, que conheciam bem o terreno e sabiam das artimanhas
de viver e combater nas caatingas.
Assim sendo a
vida de Lampião estava por um fio naqueles meses de 1938, até que por um
emaranhado de situações, fatos, iniciativas e decisões, o destino aplicou
um golpe derradeiro em Virgulino e seu estado maior do cangaço, no amanhecer de
28 de julho de 1938, quando a volante do tenente João Bezerra o cercou na grota
de Angicos e abriu fogo contra os cangaceiros que estavam acabando de acordar.
Muito tempo
depois alguns estudiosos do assunto tentaram justificar a morte de Lampião,
criando diversas teses sobre o fato acontecido, como envenenamento, traição, e
outros culparam o sobrenatural para o fato dos cangaceiros terem sido pego de
surpresas e não esboçarem nenhuma reação e serem mortos com tanta facilidade.
O fato é que
Lampião foi negligente em sua segurança quando ocupou esse local, um buraco que
só tinha uma saída. Além do erro de ficar muito próximo de Piranhas, sede de
volantes, e de Santana de Ipanema, local onde era o centro de movimentação da
força. Apesar de chegar aos seus ouvidos, pelos informantes, na
tarde de quarta-feira, que a policia tinha tomado um
determinado destino, bem ao contrário do seu esconderijo, fato esse que fez com
que relaxasse na vigilância e na segurança do acampamento.
Entendemos que
o trabalho de Pedro de Cândido e de seu irmão Durval foi fundamental para
o êxito da operação policial, porque guiaram a volante, a noite e sobre as
encostas do monte das Perdidas, ao lado do monte Angicos, tendo pela frente o
monte das Imburanas, fator esse primordial para o silencio e
eficácia de toda a operação.
Se os
cangaceiros operassem como uma força de combate imbuída de exterminar a
policia – mas esse não era o seu objetivo – nesse dia do combate de Angicos,
poderiam ter se reunido fora do cerco e voltado ao campo da luta e dizimado o
grupo de policiais que, descuidados, tratavam de disputar entre si a posse dos
bens e do dinheiro dos cangaceiros mortos.
O resultado
desse fato foi o fim do cangaço, muitos comerciantes que deviam dinheiro de
agiotagem aos cangaceiros tiveram suas dívidas quitadas, muitos soldados da
volante ficaram ricos e importantes, alguns deles se tornaram fazendeiros, um
deles viajou até para a França, o assunto Angicos correu o Brasil de ponta a
ponta e foi notícia até no exterior.
Hoje,
estudantes procuram uma causa para a existência do cangaço, mas não a
encontram. Se Virgulino tinha um sonho, uma meta, um objetivo, um ideal,
ninguém ficou sabendo, nem mesmo a sua companheira, que nesse dia e noite,
derradeiros, brigou muito com ele - sua voz triste e cansada ainda
ressoa pelas pedreiras de Angico:
“dexa essa
vida, homi”.
A sublime
Ordem Maçônica
Para aquele
que era conhecido como um homem valente e matador de Lampião, acostumado com a
vida sertaneja cheia de imprevistos e surpresas, o convite para ingresso
na Ordem Sublime lhe causou uma certa inquietação. Seu padrinho o alertou sobre
isso: era preciso ter muita coragem, determinação, paciência, porque o trabalho
era exaustivo, longo, cheio de altos e baixos – era necessário ter uma vontade
firme - uma vontade de vencer - que superava todas as provas
existentes na vida mundana.
Além das
provas porque tinha que passar, dos juramentos de fidelidade, no trabalho
cansativo nas pedreiras, lapidando a pedra bruta, também era necessário
empreender várias viagens, por lugares incertos, sob tempestades e relâmpagos,
em mares tenebrosos, em busca da verdade e da fé, para que o mundo fosse melhor
e mais justo. Depois que as pedras estivessem polidas, poderia ser construído o
templo de Salomão – um templo de virtude e de sabedoria.
Na construção
do templo empregaria as ferramentas do pedreiro, seria então um pedreiro livre:
a régua, o esquadro, o compasso, o nível, o prumo, e o malho seriam os seus
instrumentos de aperfeiçoamento social da pedra bruta. Quando a pedra bruta
estivesse polida, seria um mestre no uso desses instrumentos.
Era preciso
também deixar a vida mundana e vestido de noivo casar com a nova vida – e assim
teria que passar também por um prova difícil ao se fazer o balanço da vida, uma
verdadeira reflexão, dentro do porão da consciência, onde teria que fazer um
testamento, conhecer de perto o alimento da terra, e
tomar conhecimento do livro máximo de todas as religiões.
Depois
enfrentaria de igual para igual, o senhor dos mundos, na pessoa de um bode
preto, no fundo de sua consciência – vencido esse bode preto, venceria o mundo.
A impressão
que teve o nosso corajoso candidato era que não estava mais vestido, que seria
um simples condenado, que encapuzado e descalço seguiria para um patíbulo.
Antes de
mais nada, teria que vencer o luxo e as vaidades e se desapegar dos bens mundanos.
O tempo passou
e o novo candidato se houve com muita coragem e valentia. Venceu as tenebrosas
viagens, quase naufragou nas durezas da vida, passou por inúmeras tempestades e
relâmpagos, trabalhou duro nas pedreiras, conseguiu deixar polida a pedra bruta,
subiu pela escada da virtude, do conhecimento, do mérito, e
tornou-se um nobre cavaleiro da rosa e da cruz – hoje mora no oriente eterno,
junto com os seus irmãos.
Alfredo
Bonessi - MM – FRC – AMFDV – SFB – SFU – AGADU – CROO MAAT
Enviado pelo professor, escritor, pesquisador do cangaço e gonzaguiano José Romero de Araújo Cardoso
http://blogodmendesemendes.blogspot.com