Por Robério Santos
Antonio Alves de Sousa, o Volta Seca
Muitos pesquisadores não se importam com as ramificações familiares que existem dos antigos cangaceiros, mas deveriam, pois existem histórias interessantes influenciadas pelos parentes famosos. Bandoleiros, na sua imensa maioria, já mortos por causas diversas, até as naturais (quem diria!). Volta Seca ficou famoso desde sua saída do Saco Torto, na época, povoado de Riachuelo, no final da década de 20. Mas, para trás ele deixou um magote de irmãos, tios e conhecidos. Depois da sua entrada no bando, Lampião deu suas voltas pelo agreste sergipano, chegando muito perto do que conhecemos hoje como Malhador e que antes não passava de um povoadinho pequeno com duas ruas e uma pequena capela sendo construída. Mas, Lampião, numa destas passagens pelo agreste daqui despertou a curiosidade dos moradores.
O fazendeiro João Barbosa, conhecido como Joãozinho da Lema, irmão de Gentil Barbosa, morava numa modesta fazenda entre o que ia desde o Rio Jacaracica (Cajueiro Antigo) até a região que hoje situa o grupo escolar do Povoado Cajueiro, onde tudo era Itabaiana Grande. Obrigatoriamente, Lampião e seu bando passavam por estas terras, aproveitando e recebendo de Joãozinho muitos mantimentos, poucos armamentos, pois eles não tinham com frequência. Também havia um tanque enorme, com o minadouro ao lado, onde os cangaceiros se abasteciam. Era uma região com muitos recursos, bem diferente de outras que eles já haviam passado. As pessoas tinham medo dos cangaceiros, mas quando os viam pessoalmente chegavam à conclusão que “não eram tão maus”, assim dizem alguns mais velhos que moram ainda naquele trecho. Havia um acordo: Lampião seria sustentado pelo fazendeiro e em troca não praticaria atrocidades com o povo da região. Trato feito.
Numa dessas passagens, esteve com Lampião o menino Volta Seca. Este ficou descabreado, pensativo e falou pouco, mas todos se espantavam pela pouca idade. Lampião comentou até que o pequeno era da região, mas não podia deixar o cangaço para não entregar os segredos. Nenhum segredo foi revelado aos curiosos que se aproximavam sem medo e até proseavam com alguns dos cangaceiros. Era um misto de medo e curiosidade.
O tempo foi passando, as conversas se alongando e o mito Lampião se consolidou. Mas, quem roubou a cena mesmo depois de sua prisão foi Volta Seca. Os jornais do país inteiro noticiavam a prisão do pequeno. Foi aí que um desses jornais da capital Rio de janeiro chegou até o Saco Torto (talvez enrolado num mamão da feira de Itabaiana), grande curiosidade se instalava. Um dos irmãos de Volta Seca se chamava Aprígio dos Santos, apelidado de Aprígio Capuchinho ou Aprígio Carrapeta e foi ele quem ficou com o jornal.
Décadas e décadas se passaram e os anos 60 chegou. Aprígio já não morava no Saco Torto, havia se deslocado mais a norte nas proximidades do povoado Malhada Velha, no povoado João Gomes, perto do Carvalho em direção ao Zanguê. Casado com Joana (mulher corpulenta, que foi rebatizada de Joana Baleia, pelos meninos da região), pai de vários filhos, ele era temido por todos na região. Moravam numa casa do tio de Manoel Messias de Jesus, que na época era ainda uma criança e lembra de alguns acontecimentos. Trabalhavam todos juntos, ora na lavoura e também na arte de fazer cestos e caçuás. Aliás, Aprígio era considerado o melhor cesteiro da região e um hábil tirador de mel das famosas “oropas” arranchadas em ocos de pau e em formigueiros.
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Aprígio era conhecido na região por ser valente e cheio de mandingas. Ele contava histórias de assombração, de cangaceiros, de brigas, dizia que matou pessoas e de outras coisas que amedrontavam as pessoas do sítio, aliás, naquele tempo, qualquer coisa assustava. Mas, o que mais assustava era o fato de que ele era irmão de um cangaceiro famoso e enchia a boca para dizer nos bares e esquinas que o irmão havia assassinado sete soldados de polícia lá no interior da Bahia. As pessoas temiam que Aprígio fosse igual ao irmão, por isso o respeitava. Não se sabia se por medo ou respeito mesmo, mas todos mudavam de direção quando apontava na vista ele ao longe.
Uma certa vez, o então jovenzinho João do finado Antônio Sevino, primo do já citado Manoel, estava no sítio, no meio do pasto e Aprígio chegou sem aviso prévio. Nisso, ambos puxaram assunto e ficaram lá por um bom tempo. Não existia mato, nada ao redor deles, só capim baixo, de quase dez centímetros. João assustado com a conversa ouve um barulho no lado oposto, olha rapidamente para trás e ao retornar à vista para a frente, Aprígio havia sumido como num passe de mágica. João começou a tremer e não conseguia sair do lugar, começou a procurar onde o homem estava e nada de encontrar. Não havia explicação lógica para que isso acontecesse. Ele se gabava que conseguia se transformar num topo, numa formiga e até num pássaro, mas ninguém acreditava, até aquele momento. O povo começou a chama-lo de “encantado”, assim como o pessoal do sertão chamava outro místico de João Valentim, lá na cidade de Nossa Senhora da Glória, anos depois. Veio a reaparecer dias depois como se nada houvesse acontecido.
Aprígio era magro, moreno claro, barba ficando branca, olhos grandes e assustadores. Ele já não é mais vivo, mas seu filho Zé Preto da família dos Pixititas, morador de Malhador atualmente, e guarda seu legado, assim como as memórias de Manoel Messias de Jesus, que inclui Carrapeta no rol dos mitos que colocava criança para dormir, assim como o temível Volta Seca e o mítico Mata Escura que assolaram nosso agreste e ainda estão vivos no imaginário popular.
Robério Santos
Pesquisador, escritor
Itabaiana, Sergipe
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