Por Sálvio
Siqueira
Tudo pode-se
dizer do chefe cangaceiro Virgolino Ferreira, o Lampião, menos que não era um
ás em táticas de guerrilha no ventre da Mata Branca nordestina. Esse dom
acompanhou-o desde a tenra idade quando, segundo a jornalista,
pesquisadora/escritora Marilourdes Ferraz, em seu livro “O Canto do Acauã”, nos
informa de que o mesmo, durante as brincadeiras nos intervalos das aulas, junto
a seus colegas e irmãos, já demonstrava liderança e raciocínio lógico tático
entre ‘bandidos e polícia’.
Esse é um tipo de divertimento que toda criança, principalmente do Nordeste brasileiro, até bem pouco tempo atrás, praticou, curtiu, fez parte e brincou. Com o passar dos anos, o mesmo torna-se apenas lembranças guardadas de uma infância feliz. No entanto, para o jovem Virgolino não ficou apenas na lembrança. Aos poucos, com o avanço da idade e o discorrer do tempo, viera o aperfeiçoamento de tal dom.
Escritora Marilourdes Ferraz
Virgolino e seus dois irmãos mais velhos, Antônio e Livino, desde cedo que pegaram no batente do roçado e na profissão de almocreve juntamente com seu pai. A labuta na almocrevaria trouxera aos irmãos “Ferreira” um maior conhecimento de toda a região, desde os confins do sertão baiano, do Vale do Pajeú das Flores, dos cariris cearenses e paraibanos aos contornos e contrafortes geográficos sergipanos e alagoanos.
Cidades, Vilas e Povoados, arruados e sedes de grandes propriedades rurais, latifundiários, ‘coronéis’, assim como o conhecimento de grande parte da população ‘moradora’, pobre, subservientes aos mesmos, os pistoleiros, jagunços e cangaceiros da época fora e dentro dos limites das propriedades, municípios e Estados percorridos com a burrarada e suas mercadorias. Começa assim a formar-se em seu cérebro, juntando-se ao dom tático e de liderança que nascera com ele, mais uma coragem inconteste, as mais brilhantes ideias e projetos para um futuro negro e sangrento, porém, promissor e vantajoso.
Lampião e o irmão Antonio Ferreira
Quando nos embrenhamos nas entre linhas das várias obras literárias sobre a saga deste chefe cangaceiro, sempre notamos suas artimanhas em guerra de movimentos aplicadas de maneira astuciosa, sagaz e planejada. Suas emboscadas causaram grandes baixas nas fileiras das Forças Públicas oficiais, aos contratados pelos Estados, aos ‘voluntários’ e ‘cachimbos’ que formavam e compunham as alas de seus perseguidores.
Além da tática móvel posta em ação no campo das batalhas, Lampião empregou, criou, naquela época, a maior e mais eficaz forma de derrotar o inimigo: uma grande malha de colaboradores. Auxiliares pagos a peso de ouro, ou, na ‘moeda de troca de favores’, e em todas as camadas da pirâmide social. Desde ao menos notado, do mais pobre sertanejo, calejado e subjugado ao patrão, a mais alta autoridade dentro de alguns municípios e Estados que compuseram o caminho por onde impôs seu cangaço. A criação da ‘equipe’ de informação e desinformação foi uma das táticas empregadas que o levaram há um tempo demasiado longo para um chefe cangaceiro permanecer vivo e ativo. Como exemplo, citamos a presença do telegrafista militar, ou mesmo civil, como exímio colaborador, pois, até o momento, não vemos se quer uma linha referindo que foi agredido, morto ou torturado esse profissional pelo ‘rei dos cangaceiros’ nos inúmeros livros dos escritos sobre o tema a não ser o constante corte dos fios telegráficos.
Livino está atrás a esquerda
Uma das maiores, se não a maior, emboscada colocada, arguida, planejada por Virgolino Ferreira a Força Pública foi, com toda certeza, a da Serra Grande, no município de São Serafim, hoje, Calumbi, PE, em novembro de 1926, aonde causou as maiores baixas aqueles que o combatiam. Tanto que, após o episódio, seus familiares, irmãos, irmãs, primos e cunhados, que nada tinham haver com seus atos criminosos e morando em Juazeiro do Norte, CE, passaram a ser perseguidos e presos.
Próximo a “Passagem do Pereira”, boqueirão natural nos contrafortes naturais laterais da Serra Grande, aonde rebanhos de caprinos fizeram sua vereda para acessarem a alimento e água no topo da mesma, aliás, única via de acesso para subi-la naquela extensão, o comandante da Força Pública perseguidora, tenente Hygino José Berlamino, olhando seu relógio de algibeira, segundo o sociólogo, pesquisador/escritor Frederico Pernambucano de Mello, diz, “São 7h45. Morra quem morrer, escape quem escapar, eu fico aqui à espera da quebra da espoleta no alto da serra”.
Lampião determinou o local, a hora e a maneira do grande combate, o qual é considerado o maior entre cangaceiros e volantes. Desde o sequestro dos dois cidadãos, Benício Vieira e Pedro Paulo Mineiro Dias, próximo a cidade de Triunfo, PE, representantes de duas grandes empresas, aquele da Souza Cruz e Cigarros e esse, da Standard Oill Company, até o cerco a casa de José Esperidião, no sítio Varzinha, em São Serafim, o incêndio em sua casa e, por fim, seu assassinato após mais de cinco horas de combate. Esperidião, sozinho, enfrentou Lampião e sua caterva, algo em torno de cem homens, aonde demonstrou ser mais um valente homem do Vale do Pajeú, pois, segurou o fogo durante cinco horas de combate, defendendo sua casa, sua esposa e seu filho único de apenas sete dias de nascido, morrendo sem deixar-se ser subjugado aos anseios do perverso chefe cangaceiro. Para nós, o verdadeiro herói da historiografia cangaceira.
O tenente Hygino, como maior graduado naquela missão aonde o contingente era por volta de 300 praças, composição de várias volantes, depois de ter discutido com os comandantes de duas volantes, sargento Arlindo Rocha e o cabo Manoel Neto, a fim de formarem um plano de ataque, com precaução e designação de uma patrulha para fazer o entorno da serra, essa seria comandada pelo cabo Euclydes Flor, com isso deixar os cangaceiros em duas frentes de combates, porém, por insistência dos dois, desiste dessa tática e permite que se faça a vontade de ambos que era de adentrarem o boqueirão, a única passagem e, de frente, desalojarem o inimigo, distribuído taticamente por Lampião ao longo do paredão rochoso. Resultado, além de várias baixas nas fileiras, os dois são feridos, Manoel Neto nas pernas e Arlindo Rocha tem sua mandíbula despedaçada por uma bala de fuzil.
Essa batalha perdura por todo o dia e, aqueles comandantes de volantes, o sargento e o cabo, são, na verdade quem menos dá combate devido terem sido colocados fora de ação logo no início da contenda.
Ao ‘percorrermos’ as entrelinhas da historiografia do cangaço, principalmente aquele imposto por Virgolino Ferreira, notamos que possuir coragem sem ter tática, planejamento, tornara-se um erro fatal daqueles que davam combate ao crime nas entranhas da caatinga sertaneja. O interessante é que, mesmo acontecendo várias vezes com distintos comandantes de volantes, os mesmos permaneceram na teimosa insistência da ação mal aplicada contribuindo assim para baixas fatais em seus comandados, isso quando não de suas próprias vidas.
Alguns, ainda
no início dos estudos ou por não quererem ampliar seus conhecimentos, pensam
que Lampião, ou qualquer outro chefe cangaceiro, vivia em busca das volantes
para dar combate. Esse, de princípio, torna-se um erro que jamais devemos ter.
A munição gasta nos combates com as volantes custavam muito caro aos chefes de
grupos cangaceiros. Havia fornecedores, porém, aplicavam valores muito acima do
preço de mercado a época. Pernambucano de Mello, citando sobre a aquisição de
munição por parte dos cangaceiros e fazendeiros, colhido informação em um processo
de denúncia crime aberto pelo promotor público Osvaldo Tavares de Mello, em 8
de maio de 1927, refere: “O informante Ascendino Alves de Oliveira diz ter
ouvido de Lampião e de Sabino a queixa de que estavam pagando três mil-réis por
cada pente de cinco balas de fuzil, mesmo sabendo que, “na fonte, o pente
custava, no máximo, um mil-réis”.
Fonte: Livros
do autor referido.
Foto Blog http://xn--lampioaceso-d8a.com/
Kiko
Monteiro
São José do
Egito, PE, 09 de julho de 2021.
https://www.facebook.com/groups/476477993607651
http://blogdomendesemendes.blogspot.com