Por Benedito Vasconcelos Mendes
Após um severo e
longo verão, de oito meses de duração, sem nenhuma chuva, que se iniciou no mês
de julho de 1961 e se prolongou até fins de fevereiro de 1962, meu avô ouviu no
”Grande Jornal Sonoro H 22”, da Rádio Iracema de Sobral, que já tinha começado
a chover no Estado do Piauí. Com a notícia de chuvas no Estado vizinho, meu avô
começou a observar a movimentação das nuvens chegando à região Norte do Ceará,
vindas da Amazônia. O céu que antes era totalmente azul, sem nenhuma nuvem, de
repente começou a exibir nuvens brancas, altas e estratificadas que, à medida
que o tempo ia passando, iam sendo substituídas por nuvens mais escuras, mais
espessas e mais baixas. De um dia para outro o tempo mudou de vez, apresentando
nuvens de chuva, quase negras, volumosas e muito baixas. No dia anterior à
grande chuva (a primeira do ano), meu avô tinha observado muitos relâmpagos e
trovões para o lado do nascente. Antes da chuva, o dia ficou muito diferente,
nublado e quase sem sol. À tardinha, com o tempo fechado anunciando muita
chuva, meu avô ficou inquieto, reticente e, de instante em instante, ele se
dirigia até ao alpendre, olhava para o céu e dizia...”vai cair uma tromba
d’água”. Ele entrava em casa e rapidamente voltava ao alpendre, olhava
novamente para o céu e vaticinava...“ a chuva vai ser pesada e daqui a uma
semana o gado vai ter muita rama para comer” (ramas são brotos e folhas dos arbustos
e árvores). Meu avô inseguro, com medo que aquele tempo bonito de chuva
mudasse, ou seja, que o vento desviasse as nuvens pejadas de umidade para outro
lugar, começou a rezar. Ele levantava os braços para o céu, clamava, em voz
baixa, a São José para que as nuvens não fossem dissipadas e que a chuva fosse
forte e começasse logo a cair. Sempre andando pela casa, agitado, sem querer
jantar, ele voltava ao alpendre e lembrava que...“ faziam oito meses que não se
formava um tempo tão bonito igual a este.” Foi um dia escuro, sem sol, com
muitos relâmpagos e trovões e a noite escura, quase negra, sem lua, sem
estrelas, com muitos relâmpagos e trovões, que culminaram, ainda cedo da noite,
com o início da chuva forte e duradoura, com muitos estrondos de trovões e
claridades cintilantes e intermitentes, provocadas pelos incessantes
relâmpagos. Meu avô exclamava...“que céu lindo, totalmente negro, com lua e
estrelas escondidas atrás das nuvens, onde a monotonia só é quebrada pelos
incandescentes clarões dos relâmpagos”. Eu, muito jovem ainda, não achava
aquilo nada bonito, ao contrário, eu sentia muito medo dos trovões e dos
relâmpagos. O que eu achava airoso era o céu azul, sem nuvens, com lua cheia,
estrelado e sem chuva. A chuva torrencial entrou madrugada a dentro. Enquanto
meu avô agradecia a Deus a chuva benfazeja, eu pedia a São José que fechasse as
torneiras do céu, pois o medo não estava me deixando dormir.
Os meninos da
fazenda, filhos e netos dos vaqueiros, ficaram com muita vontade de tomar banho
na bica de zinco da casa grande, mas meu avô não permitiu, ele alegava que as
telhas estavam sujas e somente após umas três chuvas elas ficariam limpas. Os
trovões e relâmpagos só cessaram e a chuva só se tornou mais fina com a
madrugada alta, mas o dia ainda amanhece As chuvas que se precipitam nas áreas
norte e centro do semiárido nordestino (Nordeste Setentrional) sofrem forte
influência da ZCIT - Zona de Convergência Intertropical, que ocorre nas
proximidades da Linha Equatorial (Região Norte) e de lá as nuvens de chuva se
deslocam em direção ao sul, daí porque, antes de chover no Ceará, chove no
Estado do Piauí.
Regionalmente, chamamos de inverno o período chuvoso, de três
a cinco meses de duração, que ocorre no primeiro semestre do ano, nas estações
Verão e Outono, e denominamos de Verão o período seco e quente, que geralmente
dura de sete a nove meses e ocorre no segundo semestre do ano (inverno e
primavera) e, frequentemente, também no início do primeiro semestre (verão). O
Nordeste, por estar próximo do Equador, não apresenta as quatro estações do ano
bem caracterizadas e sim um período chuvoso e outro seco, sem a ocorrência de
frio. Como o Brasil se encontra no Hemisfério Sul e Portugal no Hemisfério
Norte, as estações do ano ocorrem em datas diferentes nestes dois países.
Quando aqui é inverno, lá é verão e vice-versa. Os portugueses que vieram
colonizar o Nordeste seco não tinham noção que as quatro estações do ano no
Brasil ocorriam em épocas diferentes das de Portugal. No Hemisfério Sul
(Brasil), o verão corresponde ao período de 21 de dezembro a 20 de março, o
outono começa no dia 20 de março e se prolonga até 21 de junho, o inverno vai
de 21 de junho a 22 de setembro e a primavera de 23 de setembro a 21 de
dezembro. Quando o Hemisfério Sul estiver no verão, o Hemisfério Norte estará
no inverno. Os portugueses colonizadores, interpretando que as estações
ocorriam na mesma época no Brasil e em Portugal, associaram o período de chuvas
no Nordeste brasileiro à estação invernosa em Portugal.
Em virtude de no sertão
nordestino as chuvas serem reduzidas e incertas e a ocorrência de secas
catastróficas serem muito frequentes, o sertanejo valoriza muito o início e a
efetivação do período chuvoso e, anualmente, a esperança se renova em se ter um
bom inverno, que possibilite boas safras agrícolas e forragens suficientes para
a manutenção do gado. O principal motivador de alegria para o habitante do
sertão é a ocorrência de um bom período de chuvas, daí este comportamento
característico do sertanejo, aqui expressado pelo meu avô, diante das
incertezas climáticas regionais. As chuvas são o sustentáculo das atividades
produtivas e a fé e a esperança comandam a vida emocional e religiosa do homem
do campo.
Enviado pelo professor e escritor Benedito Vasconcelos Mendes
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