Para que se
possa compreender o alcance e o que representou a chamada “Lei do Diabo” como
instrumento de repressão do Governo de Pernambuco no combate a Lampião, tem que
se analisar o que significou a participação dos coiteiros durante o ciclo do
cangaço.
Generalizando-se,
pode-se afirmar que “ser coiteiro para a polícia é servir-lhe um copo d’água
numa rápida parada de uma marcha incessante; é vê-lo passar ao longe e, não ir,
pressuroso, delatá-lo; é topá-lo na estrada e responder as perguntas que lhe forem
feitas; é, enfim, todo aquele que voluntária ou involuntariamente tenha
com ele o mais leve contato”.
Deixando de
lado as diversas categorias em que podem ser classificados os coiteiros, tais
como, o involuntário, o vingativo e o comerciante, nota-se que, no caso
específico de Lampião, os coiteiros, no geral, deram-lhe uma sustentação
logística admirável.
Outro fator
que facilitou enormemente o relacionamento de Lampião com o povo sertanejo foi
o cultivo da palavra empenhada, sob quaisquer circunstâncias, Lampião elevou
este fator cultural a um nível da lei que cumpriu ao longo de sua vida. Se
alguém lhe fizesse um favor, mesmo que indiretamente, “essa pessoa jamais
sairia das profundezas do seu coração rude de cangaceiro maldito. Para
Virgulino, seus amigos não tinham defeitos, como seus inimigos não tinham
virtudes. Com os primeiros, era de uma lealdade canina; com os últimos, de
uma crueldade feroz”.
Em
contrapartida, a política de repressão estatal sempre foi pautada por uma ação
violenta contra a população civil, pobre e indefesa. Alguns historiadores
chegam mesmo a afirmar que o abuso das volantes militares encarregadas de
combater Lampião constituiu-se num dos principais fatores de transformação de
pacatos agricultores em violentos cangaceiros ou em perigosos coiteiros. Em
outras palavras: a violência e a arbitrariedade policial produziam a
metamorfose de transfigurar simples cidadãos em inimigos do Estado.
Quando um
agricultor ou vaqueiro era seviciado pelas volantes, era natural que a honra ultrajada
fosse a qualquer custo. O ódio do sertanejo, com sua honra e dignidade
pisoteada por botas dos militares, fazia com que este esquecesse “muitas vezes
a afronta que Lampião lhe fez, bandeia-se para o seu lado e quando não
cangaceiriza, transfigura-se em coiteiro perigoso, servindo como espião,
auxiliando-o com víveres, dando-lhe abrigo em sua casa, dificultando a campanha
de vários modos”.
Não foi
somente a Força Pública de Pernambuco que se destacou na tarefa de provocar
transtornos entre os integrantes da população civil. A Policia de Alagoas,
Ceará e Bahia também tornaram-se tristemente célebres pelas cenas de violência
e arbitrariedade praticadas contra o povo sertanejo. Nestes Estados os membros
das forças militares “portavam-se como legítimos facínoras, perversos e
sádicos.
Humilhando,
estuprando, aterrorizando e até mesmo assassinando fria e covardemente! Agiam
como o vilão com o poder na mão e a certeza da impunidade. Até parecia que
espalhar a desordem, o pânico e a violência fosse a sua finalidade ou objetivo.
Se se disser que as forças da polícia que o governo enviava aos sertões em
perseguição aos cangaceiros, eram, de muitos casos, piores que estes, não
estaremos exagerando”.
A formulação
da política repressiva do Estado de Pernambuco, no que se refere ao combate a
Lampião, teve dois autores: Gilberto Freyre e Antônio Silvino, um sociólogo em
busca da fama e um prisioneiro em busca da reabilitação. Meta comum aos dois: o
fim de Lampião.
Gilberto
Freyre, na condição de Chefe de Gabinete de Estácio Coimbra,encarregou-se de
formular um ambicioso plano de repressão ao cangaço, baseando-se numa “aguda
análise social do problema”.
A Antônio
Silvino, um ex-cangaceiro, se celebrizou nos sertões nordestinos, entre 1900 e
1914 e que estava cumprindo pena na Casa de Detenção do Recife, é atribuído a
paternidade do plano de combate ao cangaço, a pedido do Chefe de Polícia do
Governo de Pernambuco, Eurico de Sousa Leão. Sendo do conhecimento do Chefe da
Polícia que Antônio Silvino, um profundo conhecedor da geografia e da
mentalidade do sertanejo, estaria disposto a colaborar com a polícia na tarefa
de erradicar o cangaço em Pernambuco convocou-o ao seu Gabinete. O ilustre
prisioneiro, lisonjeado pela confiança nele depositada, não hesitou em ajudar a
polícia. No próprio Gabinete do Chefe de Polícia formulou o seu plano, cujas
linhas mestras eram as seguintes: que o Chefe de Polícia, Eurico de Sousa Leão,
chamasse à capital “o Comandante das forças volantes em Vila Bela, dando ordem
de chamar todos os coiteiros do bandido à sua presença e perguntasse aos
mesmos, se queriam ingressar na polícia como sargentos, cabos e soldados para
perseguir os bandidos. Os que não quisessem nem uma coisa, nem outra, prendesse
e mandasse imediatamente para a Casa de Detenção e outros fosse enterrados nas
caatingas do sertão”.
Numa
sociedade, como a sertaneja, onde a lealdade e a palavra empenhada fazem parte
de um sistema de valores cultivados, de geração em geração, o plano de Antônio
Silvino teve um efeito devastador. A traição foi elevada à categoria de virtude
e a hipocrisia à norma nas relações pessoais. O povo, na sua sabedoria,
apelidou o plano de Antônio Silvino como a “LEI DO DIABO”. Os efeitos desta
“Lei” não demoraram a aparecer: desapareceu os amigos coiteiros do bandido,
ficando assim a correr dias e noites, sem encontrar um abrigo, sem ver os
velhos amigos que se tornaram inimigos”.
Fonte Sertão
Sangrento: Luta e Resistênci
Jovenildo
Pinheiro de Souza
Fonte: facebook
http://blogdomendesemendesa.blogspot.com