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quinta-feira, 19 de junho de 2014

A “LEI DO DIABO”


Para que se possa compreender o alcance e o que representou a chamada “Lei do Diabo” como instrumento de repressão do Governo de Pernambuco no combate a Lampião, tem que se analisar o que significou a participação dos coiteiros durante o ciclo do cangaço.

Generalizando-se, pode-se afirmar que “ser coiteiro para a polícia é servir-lhe um copo d’água numa rápida parada de uma marcha incessante; é vê-lo passar ao longe e, não ir, pressuroso, delatá-lo; é topá-lo na estrada e responder as perguntas que lhe forem feitas; é, enfim, todo aquele que voluntária ou involuntariamente tenha com ele o mais leve contato”. 

Deixando de lado as diversas categorias em que podem ser classificados os coiteiros, tais como, o involuntário, o vingativo e o comerciante, nota-se que, no caso específico de Lampião, os coiteiros, no geral, deram-lhe uma sustentação logística admirável.

Outro fator que facilitou enormemente o relacionamento de Lampião com o povo sertanejo foi o cultivo da palavra empenhada, sob quaisquer circunstâncias, Lampião elevou este fator cultural a um nível da lei que cumpriu ao longo de sua vida. Se alguém lhe fizesse um favor, mesmo que indiretamente, “essa pessoa jamais sairia das profundezas do seu coração rude de cangaceiro maldito. Para Virgulino, seus amigos não tinham defeitos, como seus inimigos não tinham virtudes. Com os primeiros, era de uma lealdade canina; com os últimos, de uma crueldade feroz”.

Em contrapartida, a política de repressão estatal sempre foi pautada por uma ação violenta contra a população civil, pobre e indefesa. Alguns historiadores chegam mesmo a afirmar que o abuso das volantes militares encarregadas de combater Lampião constituiu-se num dos principais fatores de transformação de pacatos agricultores em violentos cangaceiros ou em perigosos coiteiros. Em outras palavras: a violência e a arbitrariedade policial produziam a metamorfose de transfigurar simples cidadãos em inimigos do Estado.

Quando um agricultor ou vaqueiro era seviciado pelas volantes, era natural que a honra ultrajada fosse a qualquer custo. O ódio do sertanejo, com sua honra e dignidade pisoteada por botas dos militares, fazia com que este esquecesse “muitas vezes a afronta que Lampião lhe fez, bandeia-se para o seu lado e quando não cangaceiriza, transfigura-se em coiteiro perigoso, servindo como espião, auxiliando-o com víveres, dando-lhe abrigo em sua casa, dificultando a campanha de vários modos”.

Não foi somente a Força Pública de Pernambuco que se destacou na tarefa de provocar transtornos entre os integrantes da população civil. A Policia de Alagoas, Ceará e Bahia também tornaram-se tristemente célebres pelas cenas de violência e arbitrariedade praticadas contra o povo sertanejo. Nestes Estados os membros das forças militares “portavam-se como legítimos facínoras, perversos e sádicos. 

Humilhando, estuprando, aterrorizando e até mesmo assassinando fria e covardemente! Agiam como o vilão com o poder na mão e a certeza da impunidade. Até parecia que espalhar a desordem, o pânico e a violência fosse a sua finalidade ou objetivo. Se se disser que as forças da polícia que o governo enviava aos sertões em perseguição aos cangaceiros, eram, de muitos casos, piores que estes, não estaremos exagerando”.

A formulação da política repressiva do Estado de Pernambuco, no que se refere ao combate a Lampião, teve dois autores: Gilberto Freyre e Antônio Silvino, um sociólogo em busca da fama e um prisioneiro em busca da reabilitação. Meta comum aos dois: o fim de Lampião.

Gilberto Freyre, na condição de Chefe de Gabinete de Estácio Coimbra,encarregou-se de formular um ambicioso plano de repressão ao cangaço, baseando-se numa “aguda análise social do problema”.

A Antônio Silvino, um ex-cangaceiro, se celebrizou nos sertões nordestinos, entre 1900 e 1914 e que estava cumprindo pena na Casa de Detenção do Recife, é atribuído a paternidade do plano de combate ao cangaço, a pedido do Chefe de Polícia do Governo de Pernambuco, Eurico de Sousa Leão. Sendo do conhecimento do Chefe da Polícia que Antônio Silvino, um profundo conhecedor da geografia e da mentalidade do sertanejo, estaria disposto a colaborar com a polícia na tarefa de erradicar o cangaço em Pernambuco convocou-o ao seu Gabinete. O ilustre prisioneiro, lisonjeado pela confiança nele depositada, não hesitou em ajudar a polícia. No próprio Gabinete do Chefe de Polícia formulou o seu plano, cujas linhas mestras eram as seguintes: que o Chefe de Polícia, Eurico de Sousa Leão, chamasse à capital “o Comandante das forças volantes em Vila Bela, dando ordem de chamar todos os coiteiros do bandido à sua presença e perguntasse aos mesmos, se queriam ingressar na polícia como sargentos, cabos e soldados para perseguir os bandidos. Os que não quisessem nem uma coisa, nem outra, prendesse e mandasse imediatamente para a Casa de Detenção e outros fosse enterrados nas caatingas do sertão”.

Numa sociedade, como a sertaneja, onde a lealdade e a palavra empenhada fazem parte de um sistema de valores cultivados, de geração em geração, o plano de Antônio Silvino teve um efeito devastador. A traição foi elevada à categoria de virtude e a hipocrisia à norma nas relações pessoais. O povo, na sua sabedoria, apelidou o plano de Antônio Silvino como a “LEI DO DIABO”. Os efeitos desta “Lei” não demoraram a aparecer: desapareceu os amigos coiteiros do bandido, ficando assim a correr dias e noites, sem encontrar um abrigo, sem ver os velhos amigos que se tornaram inimigos”. 

Fonte Sertão Sangrento: Luta e Resistênci
Jovenildo Pinheiro de Souza

Fonte: facebook

http://blogdomendesemendesa.blogspot.com

Um comentário:

  1. Anônimo20:51:00

    Muito bom texto caro Mendes, este da página de Salvio Siqueira.
    Antonio Oliveira

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