Por Marcelo Remígio
Vaidoso,
cangaceiro usava perfume francês e gostava de uísque importado.
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RIO — Ele era
chamado de “governador dos sertões”, sem ter sido eleito. Ditou leis no
interior de sete estados nordestinos e fez frente ao coronelismo, que dominava
a política e controlava instituições como a polícia. Em 29 de julho de 1938, O
GLOBO trouxe em sua primeira página o fim da saga de Virgulino Ferreira, o
Lampião, e sua companheira Maria Deia, a Maria Bonita, mortos em uma emboscada
no dia anterior, junto com outros nove cangaceiros, na Gruta de Angicos,
próxima às margens do Velho Chico, em Sergipe.
“Livre o
Nordeste do maior de seus bandoleiros — ‘Lampeão’ morreu lutando, e sua cabeça,
com a de 9 companheiros, foi conduzida para Maceió — A façanha do tenente
Bezerra, traços biographicos do tenente facinora”, dizia a manchete.
Mas os
editores queriam um diferencial na cobertura da morte do mais temido cangaceiro.
E acionaram um correspondente em Maceió para ir além dos fatos e buscar os
bastidores do legado deixado por Lampião. No dia 3 de agosto de 1938, O GLOBO
relatou a disputa pela sucessão de Virgulino e arriscou quatro nomes de
confiança de Lampião para comandar o grupo: “Quatro bandidos disputam o spectro
de ‘Lampeão’! A successão do ‘Rei do Cangaço’ pende ainda entre ‘Corisco’,
Roque, ‘Portuguez’ e ‘Sereno’”.
CORRESPONDENTE
SE ESPANTA COM PESO DE CANGACEIRA
Durante a
cobertura da morte de Lampião e Maria Bonita, O GLOBO fez um alerta: o
banditismo não havia terminado, pelo contrário, tinha chegado à “phase mais
aguda, porque o governo comprehende a necessidade de manter a ocupação do
sertão por suas forças”, desafio semelhante ao enfrentado hoje, quase 80 anos
depois, em áreas pacificadas do Estado do Rio.
Na mesma
edição de 3 de agosto de 1938, Maria Bonita ganhou destaque. Em um texto
exclusivo, o correspondente em Maceió trouxe a narração do soldado Bertholdo,
que teve a missão, ou para parte da tropa, a honra de cortar a cabeça de Maria
Bonita.
“Paciência,
Maria Bonita!...”, disse o soldado, antes de decepar a cabeça da companheira de
Lampião. Segundo o correspondente, a frase resumiu o sentimento do militar na
hora. Ainda no relato, chamou a atenção a descrição que Bertholdo fez da
cangaceira: “‘Maria Bonita’ estava gorda. No pescoço mais de dois dedos de
banha foram notados pelo soldado. ”
Lampião tinha
como uma de suas paixões o rifle Winchester 44, chamado de Lampião, origem de
seu apelido. Era afilhado e amigo de padre Cícero. Vaidoso, usava lenços de
seda, perfumes franceses e óculos alemães, que disfarçavam o defeito no olho
esquerdo. Gostava também de beber uísque importado. Em uma de suas fotos mais
conhecidas, aparece lendo O GLOBO. O flagrante, sem crédito, acredita-se ser do
libanês Benjamin Abrahão, secretário de Padre Cícero e único a filmar Lampião e
seu bando. Benjamin foi retratado no filme “Baile perfumado.”
CIDADES
SITIADAS PELO MEDO
Dos tempos do
cangaço aos dias de hoje, o sertão de Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba,
Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe — onde o Rei do Cangaço agia — ainda
é alvo da violência. Pesquisa do Instituto Igarapé aponta que seis dos dez
estados com maiores taxas de homicídio estão no Nordeste: Alagoas, Bahia,
Ceará, Paraíba, Pernambuco e Sergipe. Das dez cidades mais violentas, seis são
nordestinas: Maceió, Camaçari, Fortaleza, João Pessoa, Vitória da Conquista e
Imperatriz. Para o pesquisador José Maria Nóbrega, da Universidade Federal de
Campina Grande, a violência está ligada à fragilidade do Estado:
— À época de
Lampião, o país vivia uma instabilidade política. Hoje, a violência está ligada
ao aumento do poder aquisitivo, a drogas e a falhas da polícia.
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