No mês de
outubro de 1899 a ‘sociedade’, na Capital pernambucana, vivia de tititis sobre
um caso envolvendo uma família da alta sociedade. A esposa do Dr. José Tavares
de Melo, dona Tereza Tavares de Melo, entra com pedido de desquite alegando ter
sido agredida pelo esposo. Inconformado, o esposo tenta de várias maneiras
fazer com que ela retire o pedido de ‘Desquite Judicial’ diante as autoridades.
A luta travada nos tribunais vaza para a imprensa e essa, como sempre, dá um
jeitinho de ‘fantasiar’ o caso, chamando a atenção da população para tal.
O maior dos
empecilhos que o Dr. Tavares encontrava pelo ‘caminho’ era a ‘autoridade’, o
poder, do pai de dona Tereza, o usineiro ‘coronel’ Antônio dos Santos Dias,
pois por mais que tentasse ver e falar com a, ainda, esposa, seu sogro não
permitia. Então, como já se esperava, torna-se uma rixa particular entre os
dois. Não podendo vencer o sogro numa ‘queda-de-braço’ direta e legal, Dr.
Tavares apela para o extremo, contrata um bando de cangaceiros para ‘dar fim’ ao
sogro e trazer dona Tereza de volta para a casa dele.
Antônio
Silvino, naqueles dias encontrava-se acoitado nas terras do engenho de
cana-de-açúcar chamado Arandu, no município de Canhotinho, PE. Dr. Tavares
descobre sua localização, entra em contato e vai até ele. Lá chegando conta, a
sua maneira, todo o ocorrido. Solicita do chefe cangaceiro seus serviços para
ir buscar sua esposa que estava na mansão da usina Santa Filonila, de
propriedade do coronel Antônio dos Santos Dias, para casa e, em contra partida,
matar seu sogro. Preço estipulado pelo ‘Rifle de Ouro’ e aceito pelo
contratante, selando o ‘acordo’ com um aperto de mão forte e olhos nos olhos um
do outro, fazendo parte desse acordo tudo de valor que fosse encontrado na casa
sede do engenho ficaria para os bandoleiros.
O sogro do Dr.
Tavares era um dos mais importantes e fortes usineiros da na Zona Canavieira da
província pernambucana naquela época. Pessoal e diretamente, e mesmo nos
tribunais, jamais que ele ganharia uma batalha contra o poderoso ‘coronel
Santos Dias’. Devido a isso, ele tomou a decisão de contratar um bando de
foragidos para realizar aquela tarefa. O coronel Antônio dos Santos Dias havia
levado sua filha mais velha para a casa sede nas terras da Usina Santa
Filonila, de sua propriedade devido à mesma ter dito que havia virado uma
constante seu marido a maltratar. Ele, o coronel Santo Dias, era pai de uma
prole grande, com filhos e filhas. As filhas, que eram duas, tinha a mais
velha, Tereza, e uma menina chamada Feliciana que contava apenas com treze anos
de idade. As duas sempre estavam juntas, apoiando uma à outra, nos afazeres da
casa. Seus irmãos estavam quase sempre fora, pelas terras da usina, tentando
darem conta da lida diária.
Sem saber ao
certo onde ficava a Usina Santa Filonila, Silvino, na manhã do dia 10 de
outubro daquele ano, sequestra um ‘boia-fria’ para que servisse de guia até a
casa sede da mesma. Avistada a casa principal, o refém fica com uma ‘guarda’ e
o restante dos cabras cercam a casa. Após cercarem, abrem fogo cerrado e
contínuo conta portas e janelas da casa do coronel Dias.
O coronel não
se encontrava em casa, naquela madrugada tinha viajado para ir resolver alguns
negócios. Os irmãos de Tereza já haviam ido para o campo trabalharem. Quando o
fogo tem início, Feliciana corre procurando abrigar-se e leva um tiro. A
menina, de apenas treze anos de idade, tomba e seu pequeno e frágil corpo
estatela-se no assoalho da casa já sem vida. A sequência dos disparos durou
mais um pouco, porém, tiveram que cessar por não haver sequer um tiro contra o
bando. A caterva parte e invade a mansão da usina. Quando lá estavam, notam que
dois corpos jazem no chão frio da moradia. O corpo de um homem, empregado
caseiro do coronel e um corpo de uma menina.
Silvino, ao deparar-se com o corpo da criança, sente-se ‘comovido’:
“(...)
deparou-se com o corpo de Feliciana imerso em enorme poça de sangue. Sentou-se
comovido ao lado da criança e ali se deteve alguns instantes (...).”
(DANTAS,2012)
Logo se
levanta e ordena que a cabroeira comece a procurar por dona Tereza, que era o
principal objetivo da missão, e a trouxesse até ele. Ao partirem em busca dela
os cangaceiros vão destruindo tudo que encontram pela frente e ficando com tudo
que achavam ter valor. Dona Tereza sai do lugar em que estava escondida e
entrega-se. Ao ser levada a presença do chefe cangaceiro suplica para que a
deixe ficar para providenciar o velório e sepultamento da sua irmã Feliciana,
prometendo depois retornar para sua casa. Talvez pela morte da criança, o chefe
da turba permite que ela fique.
Ao sair da casa, ordena que executem o pobre “boia-fria”, que havia servido de
guia até ali. A ordem é cumprida rapidamente. Logo somem por entre o balançar
dos pés de cana-de-açúcar canavial adentro, deixando para trás um rastro de
dor, lágrimas e sangue.
Aquele crime
teve grande repercussão na Capital da Província, Recife. Todos sabem de
imediato que o mandante seria o Dr Tavares. Grande contingente policial é
removido para aquelas terras para caçarem ele, no entanto, todo esforço da
Força Pública fora em vão. Parecia que o marido de dona Tereza havia evaporado.
No mesmo dia
10 de outubro, já quando a noite havia coberto a região com seu negro manto, os
três corpos foram levados em caixões para a cidade do Recife em um trem. Na
estação ferroviária a população se aglomerava em volta dos caixões,
principalmente o menor onde estava o corpo da criança e pedem para que seja
aberto. Então aquele pequeno ataúde que transportava o corpo da pequena
Feliciana é aberto e a cena causa grande comoção nos presentes. Da estação, o
cortejo fúnebre segue para a Igreja Matriz de Santo Antônio e na manhã do dia
seguinte são sepultados no cemitério de Santo Amaro.
Investigações
levam as autoridades saberem que o autor dos crimes havia sido Antônio Silvino
e seu bando. Grande força policial é designada para irem à caça dos
bandoleiros, a qual recebeu o reforço de vários jagunços do coronel. Quando se
encontrava preso na Casa de Detenção da cidade do Recife, em seu primeiro
interrogatório devido ao primeiro Processo Judicial ter sido aberto, no Fórum
da cidade de Olinda, PE, em 5 de setembro de 1916, quando o Juiz refere sobre a
morte da menina Feliciana filha do ‘coronel’ Antônio dos Santos Dias, na Mansão
da usina Santa Filonila, o chefe cangaceiro diz ter sido aquela morte o único
crime de que se arrependia.
A Volante
estava sob o comando do “Subdelegado João Gonçalves”. Naqueles morros, cobertos
por cana o trabalho do rastejador foi de primordial importância, pois, na manhã
do dia 13, no município de Gravatá de Bezerros, PE, localizam, cercam e atacam
o bando de cangaceiros. Pegos de surpresa, os bandoleiros são alvos fáceis,
inclusive o chefe é atingido em um dos braços. Dois de seus homens são abatidos
e sangrados pelos volantes. A morte da menina gerou feras humanas em busca de
feras humanas.
Ferido, não há outro jeito, Silvino consegue furar o cerco e, junto com a
cabroeira, se entocam para esperarem curar seus ferimentos. No entanto, as
volantes não param e só se detém o necessário para um breve descanso e/ou
reabastecimento, e seguem a sua cata.
Saradas as
feridas, o “Rifle de Ouro”, já em princípios de 1900, surge roubando em um
engenho no Distrito de Cabaças, em terras paraibanas. Em seguida ao crime, uma
volante comandada pelo capitão da Polícia paraibana, José Augusto, pega o
rastro dos bandoleiros e não largam mais. Conhecedor do terreno, o capitão
Augusto antecipa-se a turba e prepara-lhe uma emboscada. Nem mesmo conseguiram
sair das terras do engenho roubado, os cangaceiros comandados por Antônio
Silvino, são atacados. Sob suas ordens, os cangaceiros respondem aos tiros da
volante com uma cadência e ritmo assombroso. Pela quantidade de disparos, é
formada uma nuvem de fumaça, coisa que os cangaceiros aproveitam e caem fora da
arapuca. Nesse combate, não fora registrada baixas de nenhuma dos lados.
Mais uma vez,
o bando do “Rifle de Ouro” some como que por encanto. Ninguém dar noticia
exatas de onde estaria o bandoleiro e seus comandados. Ao faltar alguma iguaria
necessária, Silvino reaparece e extorque, ou mesmo rouba, de pequenas
propriedades, Vilas ou aglomerados de casas, voltando em seguida a sumir de
vista. Nessa época, com o arrocho ao bando de Antônio Silvino, vários bandos de
criminosos, ao praticarem seus crimes, aproveitam o ensejo e deixam todos
‘cientes’ que faziam parte do bando do “Rifle de Ouro”, com isso, os crimes do
filho de Carnaíba, PE, vão aumentando.
Pernambuco e
Paraíba fazem um pacto para que suas Forças Públicas atuem em conjunto em ambos
os territórios no combate ao crime. Naquela época as divisas estaduais era o
primeiro impedimento da Força Pública de um Estado, Província, prosseguir com a
perseguição em outro(a) vizinho. Essa decisão arrocha mais ainda os movimentos
do grupo cangaceiro. Entre os municípios de Itabaiana e Vila do Ingá, ambas na
Paraíba, e a divisa com o Leão do Norte, havia uma espécie de ‘deserto’ na Mata
Branca chamado Surrão. Essa área já fora escolhida pelo cangaceiro do vale do
Pajeú das Flores, devido ser bastante difícil à locomoção e sobrevivência.
Mesmo assim, estando os militares determinados, a coluna avança em busca dos
inimigos.
Quase todos os
movimentos dos militares estavam sendo observados pelo filho de Batistão, que
esperava o momento certo para entrar em ação. Esse momento chega e a espoleta
começa a ser cortada sem dó nem piedade. A tropa militar é formada por
militares pernambucanos e paraibanos. Os primeiros, numa composição de mais ou
menos noventa e cinco homens, estão sob as ordens do Capitão Angelim, os
segundos, em torno de vinte e cinco praças, sob o comando do Alferes Paulino
Pinto. Ao juntarem-se, em terras pernambucanas, logicamente o comando geral
passou a ter as ordens do capital Angelim.
No momento do
embate, o Alferes Paulino segue diretamente para onde se encontra os inimigos.
Já a força do Capitão Angelim, recua um pouco e segue fazendo o ataque pelos
flancos e tentando fechar o cerco para pegá-los, também, pela retaguarda. A
gana de acabar com o bandoleiro pernambucano era tão forte, que o comandante
paraibano não usa tática alguma. Ele mesmo sai de frente, de peito aberto
bradando aos quatro cantos que acabará com Silvino naquele momento. De súbito
seu rifle é arrancado das mãos por uma bala, é ferido em uma delas. Ele pouco
se importa. Agachando-se junto às pedras, trincheira, onde estava um de seus
homens, o soldado José Menino, pega a arma do mesmo e prossegue na direção dos
bandoleiros. Está manobrando a alavanca da arma quanto é atingido novamente,
dessa fez na altura do abdome. Mesmo sendo atingido pela segunda vez, o Alferes
não recua. Faz menção de prosseguir com o ataque quando uma bala quebra-lhe os
ossos da perna esquerda, fazendo desfalecer, no chão duro e seco do vale do
Surrão, um dos homens mais valentes que a Paraíba já viu.
O fumarel da
pólvora queimada, outra vez torna-se aliada dos bandoleiros. Aproveitando a
quantidade de fumaça, Antônio Silvino passa a ordem de caírem fora daquela
arapuca. Como que fosse um só, a turba evacua o local rapidamente, tanto que
militares atiram a esmo. No entanto, aquela batalha foi esmagadora para os
homens do “Rifle de Ouro”:
“(...) O
resultado do entrave do Surrão foi desastroso para Antônio Silvino. Muitos dos
seus asseclas caíram gravemente feridos e tornaram-se presas fáceis para os
militares. As baixas estavam além do que poderia esperar o régulo dos sertões:
seis mortos durante a resfrega e mais nove sangrados pela própria polícia após
o tiroteio (...).” (ob. Ct.)
O periódico “A
União”, em uma edição especial, fornece a população os nomes dos quinze
cangaceiros abatidos no Surrão. O Jornal refere que todos os cangaceiros foram
“mortos em combate”:
“Antônio
Francisco da Silva; José Francisco da Silva, vulgo Criança; Joaquim Paulino
(Marreca); Firmino Paulino (Fura Moita); Aprígio Gomes de Araújo; José Firmino
da Costa; José Ribeiro Campos; Marcelino Pereira; Francisco Alexandre; Antônio
Aurélio; José Bacalhau; Antônio Jovino; Caetano Labareda; José Guedes e José
Guedes Faria”.
A coisa estava
ficando desesperadora para Silvino. Com a perda de tantos homens, resolveu que
dali por diante iria procurar diminuir seu bando. Aqueles em quem confiava mais
como Serra Branca, Baliza, Ventania, Tempestade, Azulão e mais uns seis,
permaneceram com ele, os outros, ele mandou que procurassem seus rumos. Após a
derrota “no fogo do Surrão” Silvino dana-se de mata adentro e passa vários
meses dentro de uma das tantas furnas que usava como esconderijo... nas
quebradas do sertão.
Fonte “Antônio
Silvino - O Cangaceiro, O Homem, O Mito” – DANTAS, Sérgio Augusto de Souza. 2ª
Edição. Cajazeiras, PB, 2012
Fotos meramente ilustrativas (as fontes dos registros fotográficos estão abaixo
de cada imagem).
https://www.facebook.com/groups/545584095605711/?multi_permalinks=1011994058964710¬if_id=1525782186245183¬if_t=feedback_reaction_generic&ref=notif
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