Por Sálvio
Siqueira
A história do
Fenômeno Social Cangaço, do cangaço brasileiro, por incrível que pareça é muito
complexa e polêmica devido, desde seu início, não haverem tido a preocupação de
um arquivamento da “passagem” da mesma. O período mais estudado é o lampiônico,
que sendo o último, encontrou-se ‘provas vivas’, remanescentes de todos os lados
participativos: cangaceiros, volantes, coiteiros e etc.. Mesmo assim, há um
desencontro no encontro das narrativas dos fatos, tanto relatados por
ex-cangaceiros quanto por ex-volantes e ex-coiteiros. Não batem as narrativas
devido aos mesmos puxarem a ‘sardinha para sua brasa’ todas as vezes que
relatavam o mesmo passado.
Ou seja, a
mesma personagem histórica conta de variadas formas um ato ocorrido em que
esteve presente. De todos os fatos polêmicos, o que chamou, sempre, mais
atenção foram à maneira, modos, da morte do seu maior símbolo, Lampião.
Virgolino Ferreira, o chefe cangaceiro Lampião, destaca-se na historiografia
devido a sua longevidade atuante, 20 anos de cangaço, sendo o maior tempo em
que um chefe cangaceiro comandou um bando de bandoleiros em toda a história do
Fenômeno Social que se inicia por volta de 1756, com o cangaceiro “Cabeleira”,
até seu fim no primeiro meado de 1940, com a morte do cangaceiro “Corisco”.
Lampião, em
seu reinado sangrento, usou de estratégias de Guerra de Movimentos, Guerrilha,
como ninguém jamais as havia usado, usou de táticas de espionagem e contra
espionagem, cativou peregrinos, roceiros, vaqueiros e outros com doações
formando assim uma imensa malha de proteção e colaboradores. Essa malha é
enriquecida com a participação direta de grandes latifundiários da época,
‘coronéis’, políticos, militares e comerciantes, os quais cuidavam do
abastecimento das necessidades do bando tais como equipamento bélico, roupas,
alimentação e etc.. A principal fonte de colaboração eram as informações
recebidas e a contra informação repassada, dando tempo de uma retirada
estratégica sem sofrer baixas. Claro que ocorreram ocasiões em que a coisa não
saiu como o planejado e o ‘caldo’ engrossou, tendo de haver um embate não
programado.
Nos combates
contra a Força Pública planejados, programados, Lampião sempre se saiu
vitorioso. Sendo destacados três desses confrontos como os maiores,
respectivamente, temos “O Combate da Serra Grande”, “O Fogo da Maranduba” e o
“O Fogo do Serrote Preto”. O primeiro é considerado como a maior derrota da
PMPE em todos os tempos. O segundo, segundo participantes, onde se deu o maior
volume de tiros e o terceiro, uma das maiores emboscadas aonde o próprio
Lampião se colocou como ‘isca’.
Pois bem, Lampião, na manhã do dia 28 de julho de 1938, estando com seu bando
acampado no leito do Riacho Angico, e arredores, margens, na fazenda Forquilha,
hoje Poço Redondo, SE, é atacado por uma volante alagoana comandada pelo
Tenente João Bezerra da Silva, natural de Carnaíba, PE. O tenente dividiu sua
tropa em três frentes, uma ficou com ele, outra com o sargento Aniceto e outra
com o Aspirante Ferreira de Mello. De onde estavam, Alto das Perdidas, em
relação ao acampamento, citaremos aqui com exclusividade a tolda de Lampião,
distanciava uns 200 metros, O comandante teria que percorrer o menor percurso,
seguiria diretamente para o alvo. O sargento Aniceto faria o maior, pois teria
que segui em linha reta e, mais adiante, fazer uma conversão para a esquerda,
atravessa o leito do riacho e desce no sentido das águas tentando barra uma via
de fuga. O Aspirante Ferreira de Mello divido seu grupo em dois.
Sendo ao todo
cerca de 15 homens, ele e mais quatro entram no leito do riacho e seguem em
direção contrária a descida das águas. O restante dos seus homens, sob o
comando do cabo Bertoldo, senguem no mesmo sentido só que por cima da barreira
direita dando cobertura aos homens embaixo.
Na sequência, Aniceto topa com o subgrupo de Zé Sereno que, estando há uns 70
metros do leito do riacho, na margem esquerda, entram em combate. O comandante,
nesse momento está entre dois fogos, dos cangaceiros que estavam acampados na
margem direita do riacho, Alto das Umburanas, e os próprios que estavam no
leito junto ao chefe mor, ainda teriam que se preocuparem com os cabras de Zé
Sereno que estavam mais a direta da sua posição respondendo aos tiros da tropa
de Aniceto. Por fim, o Aspirante com seus homens, tomam o caminho mais adequado
para se pegar à ‘presa’. As vezes estavam na margem direita e as vezes no
próprio leito do riacho, eles vão subindo o morro com cautela e dedos nos
gatilhos.
A maior
aproximação de todos os três grupos foi do Aspirante Ferreira de Mello que na
ocasião portava uma metralhadora Bergmann que havia tomado emprestado ao
comandante de volante Odilon Flor no dia anterior em Pedra de Delmiro,
AL.
Nós, em pesquisa de campo, fizemos duas expedições, em 2016 e em 2018, na Grota
do Riacho Angico, onde passamos de um dia para o outro. A primeira expedição
foi devido os dias serem os mesmo, as datas se coincidirem, o dia 27 ser numa
quarta-feira e, evidentemente, a quinta-feira cair no dia 28 de julho. A última
foi devido à comemoração dos 80 anos da morte do “Rei dos Cangaceiros”.
Encontramos vestígios, cápsulas, bolotas e estilhaços de chumbo no leito do
riacho e em suas margens, direita e esquerda. O detalhe maior vem a ser a prova
do uso da metralhadora Bergmann no leito do riacho.
O tempo de
combate, entre o primeiro e último tiro não pode ter sido de vinte minutos,
pois teria feito mais vítimas, inclusive da Força Pública, onde só ocorreram
três militares feridos, dentre esses um soldado morto, o soldado Adrião e,
entre os cangaceiros, pereceram 11 baixas fatais.
Nos objetos
recolhidos de Lampião existem provas contundentes de que ele foi atingido no
tórax e abdome com projéteis de calibre menor do que o usado no mosquetão.
Porém, em sua fonte direita aparecem resquícios de um tiro desse fuzil. Nas
cartucheiras, de ombro da cintura, aparecem perfuração que não levam a crer que
sejam de um projétil de grosso calibre, pelo contrário. Na bainha de seu
punhal, e lâmina, aparecem em vários registros fotográficos e que era usado
única e exclusivamente para sangrar, uma marca provável de uma bolota de
chumbo. Se prestarmos atenção nos estragos feitos pela bala, notaremos que não
pode ter sido da bala de um fuzil e sim de um calibre menor. Em um dos
‘pentes’, carregadores, do mosquetão Mauser 1922, usado por Lampião, também
encontramos ‘rastros’ de projéteis que atingiram o mesmo. Das cinco cápsulas,
existentes no pente, todas são atingidas causando marcas, porém, de projéteis
de menor calibre.
Quando se dispara uma metralhadora não se tem a mira plena, segura, no alvo. A
rajada sequencial leva as balas para a direita, para a esquerda, para cima e
para baixo sem deixar o atirador ter os disparos num único sentido.
O pesquisador,
escritor, sociólogo Frederico Pernambucano de Mello, em uma entrevista num
programa televisivo relatou sobre saber quem teria sido o ‘verdadeiro matador
de Lampião’. A narrativa do pesquisador não se encaixa com os fatos
apresentados nas provas contundentes apresentadas sobre os ferimentos
balísticos em que sofreu o corpo de Lampião naquele ataque. Não há razão, tão
pouco sustentação alguma, para crer-se que o soldado Santo tenha atirado
primeiro e em Lampião, tão pouco está com o coiteiro Pedro de Cândido amarrado
a si. O soldado Santo se destacou na degola dos cangaceiros, ou seja, na
separação das cabeças dos cangaceiros mortos de seus corpos.
Depois tem a
prova maio do tiro no crânio de Lampião, que foi “a queima roupa”, bem próximo.
A distância quanto maior mais o estrago da bala de um fuzil é maior. Prova
disso, a maneira como ficou o crânio da cangaceira Enedina. O pesquisado Geraldo
Antônio De Souza Júnior refere em matéria do seu grupo de estudos
“Cangaçologia”: “Na cabeça “mumificada” de Lampião, que na ocasião do registro
fotográfico, encontrava-se exposta no Museu do Instituto Médico-Legal doutor
Nina Rodrigues em Salvador/BA, podemos ver claramente duas marcas, sendo uma na
face direita (Mandíbula) provocada por um tiro disparado à queima-roupa pelo
soldado Volante José Panta de Godoy, durante o ataque da Força Policial Volante
alagoana ao coito de Angico no dia 28 de julho de 1938 e uma segunda marca na
região temporal que foi provavelmente provocada por coronhadas ou por algum
objeto contundente (Laudo) utilizado pela soldadesca movida pela cólera.”
As balas na
altura do coração e no abdômen do bandoleiro líder, assim como no pente das
balas do mosquetão, provão o contrário do que narrou o pesquisador citando
serem as palavras do soldado Santo. Santo, com certeza, depois de não haver
mais ninguém para contestar suas palavras, ‘resolveu’ falar. Mas, o que ele
falou não é a verdade, tão pouco próximo a ela. Pelo simples motivo do soldado
pertencer ao grupo que ficou com o tenente comandante da ação. Sendo que esse
só consegue aproximar-se depois de vários cangaceiros já encontrarem-se
abatidos no vão da grota do riacho, inclusive Lampião. Quem abateu a maioria
dos cangaceiros foi à tropa comandada pelo Aspirante Ferreira de Mello, que ao
avançarem pelo leito do mesmo, chegaram encima daqueles que estavam com suas
toldas junto a tolda de Lampião. A nosso ver, o pesquisador, escritor e
sociólogo, já em seu final de carreira, não deveria afirmar, confirmando, o que
disse o soldado Santo, pois, acreditamos que o mesmo saiba das inúmeras versões
do acontecido. Afirmar tal citação é muita responsabilidade histórica, se é que
a história vale de alguma coisa para alguns pesquisadores/escritores.
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