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domingo, 10 de julho de 2016

LAMPIÃO O IMORTAL

Material do acervo da pesquisadora Analucia Gomes

Após o anuncio oficial da morte de Lampião em Angico/Se, alguns jornalistas relataram que inúmeros sertanejos não acreditaram nessa morte. A exibição da cabeça de Lampião não fundamentou o seu desaparecimento. Desde 1938, grande parte da população sertaneja acreditou e acredita até hoje que aquele que virou lenda e cujo corpo era fechado, protegido contra as balas e arma branca não morreu. Para o jornalista Afrânio Mello do Diário de Pernambuco, a manifestação teatralizada das autoridades policiais não conseguiu extinguir o poder desse mito da invulnerabilidade de Lampião. Ainda após terem passados muito tempo olhando o crânio mutilado de Lampião, a crença exagerada da imortalidade de alguns personagens, enigmático para o homem civilizado é característica da alma sertaneja. Curvar-se sobre a personagem mítica de Virgulino é ter em conta a história e o imaginário, o provável e o possível, sem esquecer nada, nem mesmo o inacreditável. Pesquisa Cangaceiros

Élise Jasmim

Fonte: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10208831833346862&set=gm.1260643327282116&type=3&theater

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LAMPIÃO - O METAMORFO

Por Raul Meneleu Mascarenhas

Segundo a mitologia, Metamorfos são seres que se transformam no que querem. Começam humanos, mas, mais tarde aprendem a mudar sua forma, apenas observando quem querem ser. Metamorfose, também conhecida como transformação, é uma mudança na forma ou no formato de uma pessoa, especialmente uma mudança da forma humana, de forma animal ou uma mudança na forma de aparição de uma pessoa para outra.


Quando um Metamorfo toma a forma da pessoa que escolheu para se transformar, eles literalmente mudam a sua pele, dentes e unhas. Quando eles mudam para a pessoa que desejaram, eles acessam os pensamentos dessa pessoa que estão imitando. A única coisa que pode matar um Metamorfo é prata, bala ou lâmina no coração.


Todos metamorfose descendem de um Alfa. Existem muitas lendas sobre ele, e sem dúvida é o primeiro e o mais poderoso, capaz de transformar sem de forma imediata sem perda de pele. Seu intelecto, força, resistência e reflexos são bem maiores, sendo que ele também tem um vínculo psíquico com todos os seres, sendo capaz até de sentir sua localização.


Lampião, podemos dizer, que tinha as características de um Ser Metamorfo. Se formos analisar sua vida, podemos encontrar diversos motivos para avaliarmos assim. Até mesmo podemos dizer que ele quando quis morrer, não o fez pelas próprias mãos e sim, pelo raciocínio lógico imposto por ele próprio, para isso. Deixou-se apanhar, relaxando a guarda do grupo, e com cerca de 40 nos, estava farto de viver e planejou sua morte como se planeja algo corriqueiro. Deixou-se abater e como um rei faraônico, levando para a sua sepultura, concubinas e servos seus. Que outra forma podemos explicar Angico?


Sua metamorfose iniciou muito cedo, ainda menino, quando se destacava na escola como um jovem de inteligência maior que a dos outros.

Era muito ágil, dificilmente foi acertado por um tiro ou golpe; poucas vezes o foi. Tinha a capacidade de saber se a pessoa que falava mentia ou tentava o enganar, assim como metamorfos leem a mente de outras pessoas. Era impenetrável mantendo o bloqueio em sua mente contra qualquer um que tentasse decifrar seus pensamentos. Atraia suas vítimas, com ardis e usava seu poder de metamorfose para viajar sem ser notado. Alguns diziam que fazia isso em forma de animal, como uma coruja, um lobo e até morcegos. Usava óculos sem ter necessidade de lentes corretivas. O jornal O Povo de Fortaleza, de 5 de agosto de 1928, descreve esses óculos "com vidros esfumaçados, engastados em tartaruga e ouro, com o fim de encobrir um extenso leucoma da córnea do olho direito" - tudo bem que fosse isso, mas podemos pensar que era para esconder as mutações que seus olhos realizavam, deformando-se pavorosamente ao olhar para as pessoas e essas não desmaiassem de pavor.

Seu corpo esquelético sofria mutações e deformações, como a cor da pele, pés e mãos. Lampião foi aquele que Elise Grunspan-Jasmin disse que era "guerreiro valoroso, e não um homem alquebrado, que sobrevive apesar dos ferimentos". Temos vários relatos de "repentes" que Lampião tinha, inclusive criar uma mística qualidade de prever algo ou receber avisos de forças estranhas.

Em seu livro, "Lampião: o homem que amava as mulheres: o imaginário do cangaço" Daniel Soares Lins diz que "ao pesquisador do imaginário enveredar tanto no campo dos discursos quanto na estrutura das práticas históricas, buscando encontrar nos "fatos históricos" os "resíduos" colados aos personagens. O sonho, a quimera, a mística, a paixão, o "tempo mágico" e os rituais deveriam ser compreendidos como práticas racionais, respondendo, contudo, a uma outra ordem simbólica, a uma outra organização dos signos e dos imaginários."

Continuando com Daniel Soares Lins, que diz "...em síntese, ao contrário do historiador que não "ama os acontecimentos", o estudioso do imaginário reivindica, de certa maneira, sua vinculação ao campo das temporalidades e dos acontecimentos, da cultura e da subjetividade."

Isso é importante na criação do misticismo que envolveu Lampião, pois muitas estórias foram contadas e muitas foram também inventadas, por aqueles que o admiravam.

A esse respeito, o tenente João Gomes de Lira, ex-oficial das Forças Volantes, contou que um colibri um dia se chocou com a aba do chapéu de Lampião que viu nisso um mau presságio e teria dito a seus companheiros que era preciso retroceder. No dia seguinte ele teve a confirmação de que uma Força Volante lhe tinha preparado uma cilada naquele local. Sabendo que se tratava de nazarenos, ele teria feito o seguinte comentário: "Se tivesse passado por lá, teriam acabado comigo" (Pedro Tinoco, "A Superstição Ronda o Cangaço", Jornal do Commercio, 8/7/1997, p. 2).

Numa entrevista que concedeu ao Diário de Pernambuco, João Bezerra, o militar que cercou e matou Lampião e Maria Bonita, juntamente com alguns cangaceiros, evoca o recurso aos sonhos, ao sobrenatural e às premonições entre as Forças Volantes antes de iniciar um combate contra Lampião, tanto este lhes parecia ser dotado de uma dimensão sobrenatural.

"Às vezes, noite alta, ouvia-se um rumor, o chefe da volante percorria os subordinados um a um, no escuro, passando a mão pelo rosto para conhecer seus cabras, temendo pela vida de todos, isolados na caatinga bravia, longe de homens mais humanos. Na perseguição de cangaceiros. Rastejavam horas seguidas. Arrastando a barriga contra a aspereza da terra, olho atento e ouvido apurado, esperando a qualquer momento o soar da fuzilaria, rezando com medo de ensopar a terra com seu sangue já que a chuva não a queria molhar..." - (Afrânio Mello, "Como Correu Sertão a dentro a Notícia da Morte de Lampeão". Diário de Pernambuco 5/8/1938, p. 5).

Só também um homem que acreditasse no sobrenatural, e usando os desígnios que o destino lhe pusera nas mãos, poderia acabar com Lampião e isso com o consentimento de uma autoridade superior. A única coisa que pode matar um Metamorfo é prata, bala ou lâmina no coração e isso, em sentido figurado, o militar João Bezerra recebeu dessas entidades superiores, quando acabou com Lampião.

A Saga Cangaço é muito rica e enseja inclusive a nós viajarmos nas ondas desse grande mar que se chama imaginação. A clarividência de Lampião, esse seu terceiro olho com sua capacidade de "ver" ou de "sentir" o perigo que o ameaçava, não era a única arma mágica de que dispunha para escapar aos seus inimigos. Lampião teria também o dom da invisibilidade, graças a proteções sobrenaturais, às orações fortes que trazia consigo e que podia invocar em situações extremas. E apenas essas proteções, essas entidades escondidas sobre o manto do destino, poderiam retirar dele e dá-la para outro homem, que pela força de leis que não conhecemos, foi dada ao militar João Bezerra.

Mãos compridas, que semelham garras; os dedos cheios de anéis de brilhantes, falsos e verdadeiros; ao pescoço, vasto e vistoso lenço de cores berrantes, preso no alto por valioso anel de Doutor em Direito; sobre o peito, medalhas do Padre Cícero, escapulários e saquinhos de rezas fortes; chapéu de cangaceiro, tipicamente adornado de correias e metal branco; ensimesmado toda vez que defronta uma turba de curiosos, folgazão quando entre poucos estranhos ou no meio de seus comparsas; não se esquecendo dum guarda-costas vigilante, à direita, sempre que desconhecidos o rodeiam; paletó e camisa de riscado claro, calças de brim escuro; alpercatas reluzentes de ilhoses amarelos; a tiracolo, dois pesados embornais de balas e bugigangas, protegidos por uma coberta e xale finos; tórax guarnecido por três cartucheiras bem providas; ágil como um felino, mas aparentando constante estropiamento e exaustão; às mãos o fuzil e à cinta duas pistolas “Parabelum” e um punhal de setenta e oito centímetros de lâmina: esse era Virgolino Ferreira da Silva – O LAMPIÃO – duende das estradas, assombração das matas e caatingas!

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1862 – O ESTRANHO DESFILE DOS DEMÔNIOS NEGROS DA NOITE DE SÃO BARTOLOMEU

Foliões no Bloco Carnavalesco Os Cão, na praia da Redinha, em Natal. Na foto, os foliões saem de dentro do mangue, onde se pintaram com a lama característica do local – FOTO ED FERREIRA/AE – Fonte – http://gilvandejacana.blogspot.com.br/2014/03/bloco-os-cao-completa-50-anos-pelas.html
Que Estranho Cortejo Percorria as Ruas da Cidade do Natal, Com Homens Pintados de Negro, Imitando Demônios e Realizando uma Comemoração? Teria algo Haver Com Um Moderno Bloco Carnavalesco da Redinha? 



Autor – Rostand Medeiros

Tradição é tradição e, quer você goste, ou não, uma das manifestações mais tradicionais, autênticas e originais do moderno carnaval de Natal é o irreverente bloco “Os Cão”.

Em 2016 “Os Cão” (no singular mesmo) comemorou 52 anos de tradição e muita folia na região da Praia da Redinha, na Zona Norte da capital potiguar. Segundo Francisco Ribamar de Brito, Seu Dodô, um dos criadores do bloco, tudo começou quando ele, Zé Lambreta, Chico Baé e mais dois amigos brincaram a festa de Momo de 1964 em um bloco chamado “Brasinhas”, que só saia nas ruas até a segunda-feira de carnaval. Eles resolveram esticar a festa até a terça, mas não tinham nenhuma fantasia para usar naquele último dia de folia!

Enquanto pensavam em como resolveriam esta questão, os rapazes resolveram pegar camarões para servir de tira gosto em um local conhecido como Porto D’água, na área de mangue do estuário do Rio Potengi. Quando lá estavam Chico Baé melou seus cabelos de lama, querendo estirar o cabelo crespo. Todos acharam idéia engraçada e igualmente melaram o corpo de lama. Completaram a fantasia com pedaços de galhos e saíram se divertindo pelo mercado e ruas da Redinha.


Logo quem passava, ou se recusassem a dar cachaça ao grupo, eles assustavam e as pessoas diziam – “Lá vem os cão!”. Nos anos seguintes eles repetiram a brincadeira e o grupo foi crescendo.

É patente que o “Grand Monde” natalense jamais teve maiores simpatias por este bloco carnavalesco da Redinha. No máximo eles e sua lambuzada festa são vistos como “exóticos” e aturados, pois os políticos da cidade dos Reis Magos não podem ficar indiferentes a uma festa que arrasta mais de 2.000 pessoas para as ruas. Mesmo com pouco apoio os “Os Cão” vão resistindo com sua festa original. Sempre brincando pela Redinha, acompanhados por uma legião de demônios usando como fantasia basicamente a lama do mangue do Potengi, muitos portando tridentes, chifres de animais e galhos de árvores. Sempre pedindo cachaça nas terças-feiras de Momo e com muita irreverência.

O interessante é que descobri uma nota de jornal onde temos a informação que há quase um século e meio, de uma maneira diferenciada e bem distinta, já circulou pelas velhas ruas de Natal algumas pessoas que se fantasiaram de demônios enegrecidos em meio a um festejo religioso, mas que estranhamente parece possuir algumas similaridades com o moderno bloco “Os Cão”.

O Correspondente

Em setembro de 1862 o Brasil ainda era um imenso Império com vastas extensões de terras quase virgem, com forte economia agrícola, tocada pela mão de obra escrava, poucas modernidades e grande número de analfabetos. Apesar de todas as deficiências já existiam muitos jornais nas capitais das Províncias, que hoje chamamos de Estados.

Antônio Carlos Mariz e Barros, comandante da corveta Belmonte em 1862, que visitou Natal e foi morto na Guerra do Paraguai.

Este era um dos principais meios de circulação de informações, onde os melhores jornais contratavam correspondentes nas Províncias vizinhas para reproduzirem notícias regionais. Este era o caso do “Jornal de Recife”, um dos principais jornais de Pernambuco na época, que em Natal tinha como correspondente Joaquim Ignácio Pereira Junior, um súdito português, que também era o Vice-Cônsul honorário de seu país no Rio Grande do Norte. Este informava de Natal, principalmente os eventos sociais e políticos. Notícias do interesse de uma pequena parcela de potiguares, membros da elite local, que tinham negócios, ou estudavam na capital pernambucana.

Há quase 154 anos, na edição do “Jornal de Recife” de quinta-feira, dia 17 de setembro de 1862, Joaquim Ignácio, como era de costume, iniciou sua coluna informando que na manhã do dia 24 de agosto, Pedro Leão Veloso, então Presidente da Província do Rio Grande do Norte, recebeu no Palácio do Governo o jovem primeiro tenente Antônio Carlos Mariz e Barros, comandante da corveta Belmonte, da Marinha do Brasil, que se encontrava no porto para concertar uma pequena avaria na hélice. O encontro protocolar ocorreu no sobrado localizado no bairro da Ribeira, na então Rua do Comércio, atual Rua Chile, a mais imponente e alta edificação (com apenas dois andares) existente em Natal na época[1].

Nota da edição do “Jornal de Recife” de quinta-feira, dia 17 de setembro de 1862.

Então na sequência do seu informativo, até com certa surpresa, o correspondente Joaquim Ignácio apresentou uma outra notícia que não tinha nenhum caráter oficial.

O Estranho Cortejo

Cerca de vinte “marmanjões” haviam desfilado pelas ruas de terra da pequena Natal, trajando muito pouca roupa, pintados completamente de preto (seria de lama do mangue?) e figurando demônios. Durante o desfile estes homens eram “açoitados” por um figurante vestido de São Miguel, o santo guerreiro, que protegia uma pobre alma vestida de branco da ação dos pretensos membros da legião do mal.

Mesmo estando com a presença de São Miguel, aquele estranho cortejo fazia parte de uma comemoração pelo dia de São Bartolomeu, um dos doze primeiros apóstolos de Cristo.

Consta que São Bartolomeu nasceu em Caná, a quatorze quilômetros de Nazaré, na Galiléia, tendo sido apresentado a Jesus pelo apóstolo Filipe, seu maior amigo. Assim como o apóstolo Tomé, Bartolomeu foi um grande viajante e teria passado por locais no Irã, Síria, Índia, Armênia e por algum tempo na Grécia, com Filipe, especialmente na região da Frigia. Na Índia o apóstolo Bartolomeu pregou a verdade do Senhor Jesus, segundo o Evangelho de São Mateus, onde conseguiu converter muitas pessoas naquela região. Já na Armênia ele conseguiu converter o rei Polímio, sua esposa e muitas outras pessoas em mais de doze cidades. Essas conversões, no entanto, provocaram uma enorme inveja dos sacerdotes locais, que, por meio do irmão do rei Polímio, conseguiram a ordem de tirar a sua pele e depois decapitá-lo[2].

Imagem de São Bartolomeu.

Apesar daquele cortejo em Natal glorifica a figura de um santo católico, percebemos na pequena e, para tristeza deste pesquisador, econômica nota, que aquele ato público causava estranheza em pessoas da comunidade. Tanto que o correspondente do “Jornal de Recife” apontou que ele estava na função de “transmitir factos, que demonstrem o progresso” e, após informar sobre este estranho evento religioso-teatral pelas ruas da urbe, completava afirmando em tom jocoso se aquilo “É, ou não, civilização!”.

Personagens Estranhos  

Segundo Luís da Câmara Cascudo, em seu livro “História da Cidade do Natal” (Edição do IHG-RN, 1999, páginas 122 a 124), ninguém soube lhe dizer como começou aquele estranho cortejo, mas soube que ele não era autorizado pela igreja católica, tinha um aspecto um tanto macabro e havia sido iniciado por pessoas do povo.
O evento ocorria sempre pela tardinha do dia 24 de agosto, na medida que as ruas estreitas da cidade começavam a ficar no escuro[3].



Entre hurros, gritos, risadas histéricas, pulos, guinchos e outras diabruras, os jovens surgiam pintados de preto, com chifres na cabeça, estirando suas línguas cobertas de tecidos vermelhos feitos de baeta e trazendo pequenas asas. Fico imaginando o choque dos natalenses daqueles tempos coloniais.

Mas o Mestre Cascudo aponta algumas diferenças entre o que ele registrou através da memória dos mais velhos que assistiram estes desfiles e o relato de Joaquim Ignácio. Entre estas estava a que existia uma pessoa fantasiada como o próprio demônio, comandando a sua legião de diabos negros e um homem vestido com um larguíssimo hábito de monge, com cordões de São Francisco na cintura, grande capuz que escondia seu rosto e afugentava os “filhos do cão” com chicotadas cênicas.

Outra diferença apontada e que fazia o medo se estampar tanto na cara dos pequenos, quanto dos marmanjões, era a figura da morte.
O ator que interpretava a figura que lembra o fim de todos os seres viventes apresentava-se andando em pernas de pau, com uma roupa alva, que arrastava pelo chão. Mas os textos nada trazem sobre alguma foice estilizada levada pelo pretenso ator.

Uma outra representação da morte em um jornal carioca no fim do século XIX.

Independentemente disso ele parecia realizar sua função com esmero, pois a figura sinistra era temida e batiam-lhe portas e janelas na cara. Como resposta a afronta, a morte então riscava no ar uma cruz latina e bradava a plenos pulmões “Vá se preparando! Vá se preparando! Eu volto em breve para vim buscá-lo…” Daí a pouco o cortejo parava em frente a alguma outra casa e, se recebesse porta na cara, vinha nova praga rogada. Pelos escritos de Cascudo, essa era a parte mais “terrível” do cortejo[4].

Certamente aquele cortejo fazia muita criança natalense daquele tempo se mijar de medo e seria desaprovada pelas modernas técnicas e normas da psicologia infantil.

Não nós esqueçamos que esta era uma época de medicina limitadíssima, onde morrer por doenças variadas era algo comum e uma sentença dessas proferida na porta de casa, mesmo por brincadeira, certamente deixaria muitos se benzendo, se ajoelhando diante de seus oratórios e declamando benditos.[5]
Estranhamente o fim do cortejo acontecia diante da Igreja Matriz, na antiga Rua Grande, atual Praça André de Albuquerque, com todos os integrantes rezando uma solene ave maria.

Antiga Rua Palha em festa – 

Para Cascudo o fim desta estranha manifestação popular ocorreu com um fato pitoresco e bastante hilário…

Não sabemos a data exata, mas entre os anos de 1836 e 1838, o capitão Antônio José de Moura exercia o cargo de primeiro comandante do recém criado Corpo Policial, atual Polícia Militar, e tinha a sua residência na Rua da Palha (atual Rua Vigário Bartolomeu, no Centro). Durante um destes anos, quando o cortejo de 24 de agosto passou em frente à casa do policial, dois cachorros de sua propriedade ficaram extremamente agoniados com a gritaria, pularam a janela da residência e partiram para cima dos integrantes do desfile. Foi literalmente um Deus nos acuda, com satanás e sua legião de demônios fugindo para todos os lados, gente caindo no chão, o capitão Moura no meio da rua apenas vestido de chambre (um roupão caseiro comprido) e com muito trabalho para segurar os seus endiabrados mastins. Paradoxalmente quem mais sofreu foi à morte, pois o ator despencou das pernas de pau e foi mordido “na parte mais carnuda do corpo”.

Ainda segundo Câmara Cascudo o cortejo caiu em desgraça diante do escárnio pelo ocorrido, perdeu força e sumiu.

Eterna Estranheza

Mas diante da nota publicada pelo correspondente do “Jornal de Recife”, vinte anos depois do ataque dos cães do capitão Moura na Rua da Palha, mesmo sendo vistos com estranheza, como algo diferente e burlesco, o desfile do dia de São Bartolomeu em Natal resistiu e continuou de alguma forma.

Nada sabemos quem eram seus participantes, apenas que eram pessoas “conhecidas de todos”. Mas acredito que provavelmente não pertenciam as classes privilegiadas da provinciana cidadela e não existe nada sobre a presença feminina no desfile.

O desfile foi esquecido e São Bartolomeu em Natal é lembrado atualmente na comunidade de Vila Paraíso, na Zona Norte, por uma capela que inclusive desabou devido a chuvas em julho de 2013. Não sei se esta pouca lembrança nos dias atuais seria devido ao desfile do dia de São Bartolomeu no século XIX, mais que festejar o santo, servir para que uma parte da população, de maneira alegre e irreverente, afrontasse indiretamente a elite e as instituições da cidade?



Em tempo – Nada encontrei que ligasse o desfile do dia de São Bartolomeu, com seus demônios pintados de negro, ao moderno bloco carnavalesco “Os Cão”.

A não ser uma estranheza da elite de outrora e atual, com tudo que é espontaneamente criado pelo povo de Natal, que parece nunca acabar e onde se percebe muito preconceito.

NOTAS

[1] Quatro anos depois este mesmo tenente Mariz e Barros se tornaria um dos grandes heróis da Marinha do Brasil, quando no comando do encouraçado Tamandaré em plena Guerra do Paraguai, morreu no combate travado contra o forte Itapiru.
[2] O dia de São Bartolomeu é bastante festejado em Portugal, possuindo extensa tradição. Em vários locais deste país este dia é dedicado àquele que é conhecido como padroeiro das crianças, fazendo reviver tradições que se misturam com a fé e devoção. Na foz do rio Douro, no Porto, norte de Portugal, ainda hoje se acredita que o banho de mar tomado no dia 24 de Agosto serve para a cura e prevenção contra o mal, sendo todo malefício exorcizado pela ação da água tornada miraculosa nesse dia por parte de São Bartolomeu. Nesta região além do banho ritual existe a tradição do cortejo de São Bartolomeu, também conhecido como Cortejo do Traje de Papel. Trata-se de um desfile, com centenas de figurantes com trajes feitos de papel crepe de diversas cores, onde ao final os participantes se juntam para um banho coletivo.
[3] Pesquisando nos jornais antigos eu descobri que o evento de 1862 ocorreu no início da lua nova do mês de agosto, quando provavelmente as velhas ruas natalenses, que não tinha mesmo muita iluminação pública, estavam bem escuras. 
[4] Provavelmente a propagação da sentença final ocorria defronte a casa de alguém que recusava dar aos integrantes do cortejo algum alimento, ou uma bebida.
[5] Joaquim Inácio, o correspondente do “Jornal de Recife”, na mesma nota sobre o cortejo do dia de São Bartolomeu, descreveu que naquele agosto de 1862 a cólera não apareceria em Natal, que havia se extinguido na Penha, atual Canguaretama, mas grassava no engenho “Estrella”, próximo à comunidade de Flores.

Extraído do blog Tok de História do historiógrafo e pesquisador do cangaço Rostand Medeiros

https://tokdehistoria.com.br/2016/07/10/1862-o-estranho-desfile-dos-demonios-negros-da-noite-de-sao-bartolomeu/

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O LABAREDA E O LAMPIÃO

Por Clerisvaldo B. Chagas, 11 de julho de 2016 - Crônica 1.546

Sem Psicologia, Psiquiatria ou acompanhamento, o cangaceiro Ângelo Roque, o Labareda, foi o que nos chamou maior atenção no bando de Virgulino. Suas participações na caterva – narradas pelo doutor Estácio de Lima no livro O mundo estranho dos cangaceiros – mostram a mesma personalidade de várias passagens com o bandido que não constam naquele compêndio.

O cangaceiro Labareda

Labareda mostrava ser um cangaceiro diferente. Taciturno, parecia não gostar de pertencer aquele bando. Vamos encontrá-lo com sua rudeza, um homem pensante, menos cruel de que os comparsas, supostamente ativo a respeito da vida geral e da vida que pôs nos ombros. Seus comportamentos diferenciados eram como se não aprovassem a maioria dos atos satânicos praticados pelos cangaceiros mais ferozes. Não lhe faltava coragem, isso é notório desde que tomou a vingança como seu caminho e a solidão das matas. 


Para sua sobrevivência contra as ações policiais, teve que ingressar no bando de Lampião que por ironia estava mais bem protegido das investidas. Obedecia ao chefe, mas parecia antipatizar alguns parceiros que se excediam. Comportava-se como um analista da situação nômade de todos, mas na ignorância que conduzia no bornal, não conseguia detectar essa qualidade. Era por isso, talvez, que nem se exibia e estava sempre atento ao modo de cada um.


Equilibrado até certo ponto, Ângelo Roque não era nenhum santo. Contudo, as vítimas do bando, em geral, estavam mais seguras com a sua presença se solicitado e tomando partido. Cangaceiro diferenciado, insistimos na sua condição de analista, jornalista ou escritor que vivia e não alcançava.

Ângelo Roque, o Labareda, poderia ter sido um excelente sargento de volante à semelhança de um Zé Rufino que bem se aproxima do seu modo de ser.

Resistiu com pequeno grupo até à parceria com Lampião, mas nenhum do bando ocuparia o cargo do chefão com sucesso garantido, nem mesmo Labareda.

Ângelo Roque sempre foi um cangaceiro social. Um ser retraído, humilde, valente, respeitado e observador, é isso que mostra a sua biografia.

Enviado pelo autor Clerisvaldo B. Chagas
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ASCRIM OFÍCIO Nº 122/2016 – QUINTANAS LITERÁRIAS – DEBATES “HISTORIOGRAFIA DOS PRIMEIROS POVOADORES DE MOSSORÓ MOSSORÓ-(RN), 08.07.2016.


INSIGNES SENHORES HISTORIADORES,

M.D. DOUTORES (ORDEM ALFABÉTICA).: BENEDITO VASCONCELOS MENDES, ELDER HERONILDES DA SILVA, GERALDO MAIA, JOSÉ ROMERO ARAÚJO CARDOSO, LEMUEL RODRIGUES DA SILVA, MILTON MARQUES MEDEIROS, RICARDO LOPES, WILSON BEZERRA MOURA,
     
OS SENHORES, CONSAGRADOS NA ÁREA EM QUE ATUAM, FOMENTANDO A PRESERVAÇÃO DA CULTURA HISTÓRICA MOSSOROENSE, FORAM ESCOLHIDOS, PARTICIPAREM NA ABERTURA OFICIAL DAS QUINTANAS LITERÁRIA DA ASCRIM, QUE ORGANIZARÁ O DEBATE “HISTORIOGRAFIA DOS PRIMEIROS POVOADORES DE MOSSORÓ”, DIA 14.07.2016, AS 10:00 HS, EM COBERTURA TELEVISIVA, NA SALA DE REUNIÕES DAS ENTIDADES CULTURAIS, LOCALIZADA NA BIBLIOTECA MUNICIPAL NEY PONTES DUARTE (PRAÇA DA REDENÇÃO JORNALISTA DORIAN J. FREIRE).

      NA OPORTUNIDADE, INCLUSIVE, SERÃO SELECIONADAS FRASES VERSANTES SOBRE O TEMA DO DEBATE, DA LAVRA DE CADA UM DOS SENHORES, AS QUAIS TERÃO ENFOQUE ESPECIAL NOS “ATOS SOLENES DA ASCRIM”, EVENTO A REALIZAR-SE NO DIA 28.07.2016.

QUINTANAS LITERÁRIAS/FRASE DE 1 MINUTO ENFOQUE “HISTORIOGRAFIA PRIMEIROS POVOADORES DE MOSSORÓ: BENEDITO VASCONCELOS MENDES, ÉLDER HERONILDES DA SILVA, GERALDO MAIA, JOSÉ ROMERO ARAÚJO CARDOSO, LEMUEL RODRIGUES DA SILVA, MILTON MARQUES MEDEIROS, RICARDO LOPES, WILSON BEZERRA MOURA.

SOLICITAMOS CONFIRMAR PRESENÇA, VIA EMAIL OU PELOS CONTATOS 84-99150-8664 OU 98602-0646.

SAUDAÇÕES ASCRIMIANAS,

FRANCISCO JOSÉ DA SILVA NETO – PRESIDENTE DA ASCRIM -

TANIAMÁ VIEIRA SILVA BARRETO – DIRETORA DE CERIMONIAL E DE EVENTOS DA ASCRIM

Enviado pelo professor, escritor, pesquisador do cangaço e gonzaguiano José Romero de Araújo Cardoso.

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CHUVA DE BALA NO PAÍS DE MOSSORÓ - O CALOTE 2016

Por Kydelmir Dantas

Sou 'testemunha ocular' desta autoria. Por 5 anos como consultor histórico deste espetáculo, que tem a História como espinha dorsal, fui a procura das reminiscências dessa autoria. Conversei com Tarcísio Gurgel e até debatemos sobre as diversas mudanças que 'lhe impuseram' nas tais licenças poéticas que sempre usam como desculpas artísticas. Ele - um gentleman mossoroense - nunca fez questão disto, até porque entende que o espetáculo é para turistas e que deve ser feito para que os nativos tenham uma noção do que foi aquele 13 de junho de 1927. 

Mas, voltemos ao assunto AUTORIA. Em 1977, nos 50 anos da vitória de Mossoró sobre o bando de cangaceiros comandados por Lampião, houve um programa de homenagens aos cidadãos que estiveram nas trincheiras da resistência. Ao mesmo tempo, lembraram-se de fazer uma peça teatral que mostrasse um pouco daquela tarde histórica. O executivo mossoroense, através da secretaria de educação e cultura, contactou-se com Ariano Suassuna que, segundo ele, por questão de tempo, não pode assumir o compromisso de montar o texto. Daí alguém se lembrou de Tarcísio Gurgel, que estava por cá e já conhecido como uma pessoa que teria capacidade de fazê-lo. 


Imagens do Espetáculo Chuva de Bala

Convite feito, convite aceito e TG montou a peça que levou o título de Espetáculo da Resistência, encenado pelo Grupo de Teatro da UFRN no adro da Capela de São Vicente no dia 13 de junho daquele ano. Fácil é de se comprovar isto... Vão até o impresso jornal O Mossoroense, e peguem o mês de junho de 1977, lá encontra-se convite, local e data da encenação. Encontra-se no acervo do Museu Municipal Lauro da Escóssia.

Em 2002, num momento de lucidez, o executivo local resolveu que a peça deveria voltar a ser apresentada para os seus munícipes; entraram em contato com o TG – ele lembra hora, dia, mês e o representante da PMM que lhe contactou – para uma nova montagem que, a partir de então recebeu o novo título de CHUVA DE BALA NO PAÍS DE MOSSORÓ. Mesmo com o estupro do diretor de então – Abujamra – à nossa história e a do cangaço – aconteceu. A partir de 2003, com a direção de João Marcelino, que nos primeiros anos mais se aproximaram da História real, houve várias mudanças, e eu estive lá, assistindo, aplaudindo e conferindo, que o texto do Tarcísio Gurgel, as músicas do Danilo Guanais, os atores e atrizes de Mossoró, farão sucesso sob qualquer direção. E tenho dito!

Kydelmir Dantas
Pesquisador, escritor, cordelista
Conselheiro Cariri Cangaço

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