As três casas que vendiam remédios, mais antigas que alcançamos em Santana do Ipanema, já eram chamadas de farmácias. Se existiu alguma botica, não temos conhecimento. Todas as três ficavam no Comércio uma perto da outra. Temos como referências a Farmácia de Seu Alberto (Vera Cruz), a Farmácia de seu Moreninho e a Farmácia de Seu Caroula, cujos títulos não recordamos.
A Farmácia Vera Cruz, pertencente ao ex-pracinha, Alberto Nepomuceno Agra – mais moderna – tinha duas coisas que serviam bem ao povo: uma balança na entrada para quem quisesse usá-la sem pagar nada. Era uma atração e tanto e muito serviu ao povo santanense. Havia um cartaz que chamava atenção com desenhos e advertência: "Entrai pela porta estreita”.
A Farmácia do senhor Cariolando Amaral, também conhecido como Seu Caroula, funcionou no “prédio do meio da rua” e em dois pontos sob o Hotel Central, no Casarão da Esquina. Galego, tipo alemão, Caroula gostava de camisa branca mangas curtas e uma eterna gravata borboleta. Usava vários potes de vidros nas prateleiras, iguais aos das antigas boticas, assim como ultrapassada moda da sua invocada gravata. Chamava atenção o busto de um negro forte e lustroso envergando uma barra de ferro. Talvez fosse a propaganda de um remédio chamado Xarope Fimatosan.
Por sua vez, a Farmácia de Seu Moreninho, funcionou à Rua Barão do Rio Branco e depois no Comércio. O dono fora enfermeiro
E se chamava Hermínio, fazendo muitas vezes o papel de médico pela prática e habilidade adquiridas. Adolescentes iniciando a sexualidade com as peniqueiras e cabarés da cidade, sempre procuravam esta farmácia, após contrair doenças venéreas. Estava em voga a tal injeção Benzetacil, aplicada pelo senhor José Fontes, também conhecido como Zé de Moreninho.
Essas três farmácias prestaram relevantes serviços a minha terra e nunca soubemos de homenagem alguma. Inclusive, quando Santana do Ipanema somente contava com médicos em outros centros mais adiantados, era o trio da saúde da urbe.
Lembram-se daquela brincadeirinha de outros tempos, quando a criança colocava diante de si alguns objetos e ia dizendo “esse sim, esse não”, “esse eu quero, esse não”, “esse é meu, esse não”? E ia separando o que queria do que não queria. Pois bem, a mesma brincadeira pode muito bem ser usada no jogo da política municipal, na escolha de seus representantes, seja candidato a vereador ou a prefeito.
Certamente que serviria também para outras situações, para escolha de candidatos a governador, senador, deputado e até presidente. Bastaria ir juntando e separando pela exclusão, ou pelo exercício do “esse sim” e “esse não”. Acaso houvesse alguma dúvida, bastaria fechar os olhos e dizer: “meu pai mandou escolher esse aqui”. Ora, daria no mesmo, vez que tanta escolha nem sempre produz bom resultado. Não por culpa de quem escolhe.
No caso da escolha em âmbito municipal, a seletividade, além de se pautar pela seriedade e comprometimento com o que de melhor deseja para o futuro do seu rincão, tem de ser pessoal ou publicamente justificada. Não basta dizer “esse sim” ou “esse não”, tem de saber ou comprovar o que motiva o querer e o não querer.
No caso de candidatos já com mandato a escolha ou a rejeição se torna mais fácil. O vereador foi eleito para fazer política pessoal ou para atuar em nome da população? “Esse sim”, “esse não”. Tal vereador merece ser reeleito? “Esse sim”, “esse não”. O que esse vereador já fez merece ser respeitado pela população?. “Esse sim”, “esse não”. Esse vereador possui caráter, é honesto e atua de modo independente? “Esse sim”, “esse não”. Esse vereador atuou na situação ou na oposição por conveniência financeira ou por que não abre mão de defender seus princípios e o melhor pra população? “Esse sim”, “esse não”.
Do mesmo modo deve ser feito com relação aos postulantes ao legislativo municipal. A comunidade eleitora, sempre responsável pelas escolhas, deve logo questionar: É apenas mais um ou é pessoa inteligente e que merece confiança? E então dizer “esse sim”, “esse não”. E daí, escolhendo seletivamente, será possível obter como uma filtragem, ou o que restou na peneira da exclusão, do “esse sim”, “esse não”. Como serão poucos - ou pouquíssimos - que passarão no teste da exclusão, então será muito mais fácil fazer a escolha e votar com a certeza de que não está arriscando nem jogando à própria sorte o legislativo municipal.
Com relação ao prefeito, sua escolha se torna mais fácil ainda. Acaso haja um candidato à reeleição, a primeira pergunta deve ser “esse deve continuar ou não?”. Contudo, como a resposta deve ser íntima ou publicamente justificada, a escolha só terá validade após alguns outros questionamentos: “O prefeito foi um administrador honesto, respeitador e cumpridor das promessas e compromissos?”, “O prefeito refletiu na sua gestão o que a população realmente esperava dele?”, “O prefeito foi um ‘prefeito municipal, de todos’, ou apenas de apadrinhados, apoiadores e determinados grupos políticos?”. Ou simplesmente ter a certeza de que “o prefeito deve continuar porque não há outro que possa ser melhor que ele”.
Uma vez feita tal filtragem, então será fácil dizer “esse sim”, “outro não”. Ou apenas “esse mais nunca!”. Constatando-se que o prefeito candidato deva continuar, ainda assim deve-se observar que existem outros candidatos que precisam ser avaliados, de modo a permitir a mera confirmação ou encontrar qualidades que permitam mudanças no voto. “Esse candidato é melhor, mais honesto e mais compromissado que o outro?”. Então, “esse sim”, “esse não”. E havendo a opção pelo novo, ainda assim as indagações: “Qual o diferencial desse candidato em relação aos demais?”. “Esse candidato é mais honesto que o outro?”. “Posso realmente confiar neste candidato?”.
E assim, num contexto municipal, deve ser feito com relação a todos os candidatos a prefeito e a vereador, seja de partido “a”, “b” ou “c”. Os mesmos questionamentos devem ser feitos se os pleiteantes já ocuparam o legislativo ou o executivo municipal. “Pelo que fez, vale a pena retornar?”. “Foi um bom prefeito, foi um bom vereador?”. E peneirando se vai até separar o bom do ruim, o joio do trigo.
Todo o exposto apenas para demonstrar que as paixões políticas ou as cegueiras no voto, geralmente estão a serviço de más escolhas. Como se trata do futuro da municipalidade, toda escolha deve ser comedida, responsável, pensada e repensada. E sempre sabendo separar: “Esse sim”, “esse não”. E sem esquecer que as questões pessoais, ou seja, as escolhas feitas apenas por retribuições de favores prestados ou de valores pagos são imensamente menos importantes que o futuro do município. É pensando no futuro e na capacidade e compromisso do candidato que a escolha deve ser declarada.
Contudo, se na peneira do “esse sim” e “esse não” der apenas “esse não”, então não haverá outra coisa a fazer: vote não!
Esperando ajudar o indagador Antônio Oliveira – Serrinha, no comentário sobre notícia de José, sobrinho de Lampião, pós Angico, na minha crônica: “Lampião, os bodes e a máquina de costura”, tenho a dizer:
Pesquisador do cangaço Antonio José de Oliveira
O livro “O Fim de Virgulino Lampião, o que disseram os jornais sergipanos”, de Antônio Corrêa Sobrinho, publicado em 2008, editado pela Gráfica Santana, Aracaju, às páginas, 147-149, publicados pelos jornais: “O Nordeste” (03.03.39); “Sergipe-Jornal” (03.03.39); “Correio de Aracaju” (04.03.39), sobre José:
“O Nordeste”: Rio, 2 (A.N.) – Informaram da Bahia que foi preso em Jeremoabo José Ferreira Santos, com 17 anos, sobrinho de Lampião.
José Ferreira sobrinho de Lampião
Conduzido àquela capital em companhia de Aníbal e mais duas praças, José declarou que esteve somente um dia e uma noite junto ao rei do cangaço, pois na manhã seguinte deixara seu tio. Ouvindo o tiroteio, diz que disparou em carreira desabrida fugindo aos acontecimentos, cujo desfecho ignorava. Chorando, José pensa está preso apenas por ter assistido ao combate da polícia contra Lampião. Falando às autoridades, disse que fora enganado pelo coiteiro de nome Messias, morador nas margens do São Francisco que o convidou para trabalhar nos arredores em procura de dormentes.
Subitamente viu-se em presença do seu tio. No momento do tiroteio Lampião entregou-lhe um rifle, mas José confessou que não teve ânimo de atirar.
Por fim declarou que absolutamente não lamentava a morte do célebre cangaceiro.
Virgulino Ferreira da Silva aos 20 anos e José Ferreira Santos/Campos aos 17 anos
José Ferreira Santos, cujo clichê os jornais estamparam, possui todos os traços fisionômicos de Lampião, sendo impressionante a semelhança física entre ambos.
“Sergipe-Jornal”: Rio, 2 (A.N) – Informam da Bahia que foi preso José Ferreira Campos, com 17 anos de idade, sobrinho de Lampião. Conduzido àquela capital pela polícia, José declarou que esteve somente um dia e uma noite junto ao rei do cangaço, pois na manhã seguinte mataram o seu tio. Ouvindo tiroteio, diz que correu fugindo aos acontecimentos, cujo desfecho ignorava. Chorando, José pensa estar preso apenas porque assistiu ao combate da polícia contra Lampião.
O “Correio de Aracaju”, cita mais ou menos a mesma coisa.
É somente o que sei.
Pesquisadores podem responder melhor ao nosso leitor Antônio Oliveira.
Obrigado e abraços (Clerisvaldo B. Chagas, um leitor exigente).
A Repercussão do Plebiscito da estátua de Lampião em Serra Talhada em 1991
Rostand Medeiros – IHGRN
Sou de uma família que foi vítima da ação de cangaceiros, através de um assalto ocorrido no dia 1 de fevereiro de 1927, na zona rural do município de Acari, na região do Seridó do Rio Grande do Norte. Sou bisneto de Joaquim Paulino de Medeiros, o conhecido “Coronel Quincó da Ramada”, proprietário da gleba Rajada, atacada nesse dia pelo bando do paraibano Chico Pereira e seus homens.
Desde tenra idade esse tema foi algo muito presente em diálogos familiares e em momentos de recordações sobre a nossa história familiar. Mas em 1991 o meu conhecimento sobre o Cangaço, esse tema tão específico da história do Nordeste, se limitava a alguns filmes, matérias televisivas e alguns poucos livros, que até hoje se encontram na estante da minha casa.
Nessa época, como até hoje, eu buscava aprender mais sobre o Cangaço e tentava compreender porque meus antepassados foram atacados. Mas era então tudo muito limitado.
Foi quando em 1991 aconteceu algo que chamou muito a minha atenção – A notícia da ocorrência de um plebiscito na cidade pernambucana de Serra Talhada, onde a sua população deveria decidir sobre a colocação, ou não, de uma estátua para o cangaceiro Lampião, em uma área pública do município.
A ideia partiu de uma fundação local, que desejava com isso prestar uma homenagem ao maior bandoleiro nordestino, nascido na antiga Vila Bela, atual Serra Talhada. Mas as famílias das vítimas de Lampião, algumas delas das mais tradicionais da cidade, rejeitaram a proposta.
Com toda a polêmica que se seguiu, a prefeitura local buscou promover uma consulta pública para que a população decidisse sobre o caso.
Morando em Natal em uma época onde a internet ainda era limitada, tentei acompanhar da melhor maneira todo o desenrolar do processo, inclusive através dos jornais, TV e rádios. Mas as informações eram difíceis. Logo surgiu outra surpresa – O alcance da repercussão e de todas as polêmicas do caso junto à imprensa nacional!
Os principais jornais, revistas e emissoras de televisão no Brasil colocaram o tema na pauta e a cidade de Serra Talhada foi alçada as manchetes dos principais meios de comunicação.
No dia 7 de setembro de 1991 houve o processo de votação. Ao final a Justiça Eleitoral, que se envolveu no plebiscito, declarou que 76% dos eleitores votaram pelo “sim”, contra 22% do “não” e 0,8% de abstenções. Mas a estátua de Lampião, da forma como foi pensada em 1991, nunca foi construída.
Para alguns essa votação buscou criar o uso mercadológico da memória de Lampião e do Cangaço naquela cidade. Entretanto foi inegável que para alguém como eu, que vivo há quase 600 km de Serra Talhada, aquele processo despertou em mim um maior interesse por estudar e conhecer mais sobre esse tema. Desejava sair urgentemente da simplória questão “-Lampião foi herói, ou bandido?” Um amigo sociólogo já tinha me dito que “Para entender o Cangaço eu precisava fugir desse discurso rasteiro e polarizado e sair pelas estradas do sertão”. Tinha razão!
Não foi a toa que um dos primeiros lugares que viajei para fora do Rio Grande do Norte com esse intuito tenha sido a área de Serra Talhada e Triunfo. Lugares para onde voltei muitas vezes, continuo com vontade de retornar e fiz ótimas amizades. E nem me chateei quando descobri que toda essa onda de plebiscito para colocação da tal estátua, foi inicialmente uma ideia da fundação para vender turisticamente a cidade de Serra Talhada. Parece que os resultados positivos extrapolaram muito o que se desejou.
Nessa busca por conhecer mais e mais sobre o Cangaço eu não perdi nada. Acabei descobrindo muito além das polarizadas polêmicas que tratam das sangrentas lutas dos cangaceiros.
Descobri as belezas e os problemas da minha região. Descobri a força da nossa gente, do colorido do Nordeste, bem como as histórias de Padre Cícero e de Leandro Gomes de Barros. Descobri Canudos, o belo Rio São Francisco, muito mais do Seridó e das minhas raízes. Descobri também Luiz Gonzaga e Exu, o Beato José Lourenço do Caldeirão, o Pajeú, o Piancó, a Missa do Vaqueiro de Serrita. Descobri Clementino Quelé, Jesuíno Brilhante e Patu, o Saco dos Caçulas em São José de Princesa, a rota de Lampião no Rio Grande do Norte para atacar Mossoró e muito mais.
Independente das polêmicas envolvidas em 1991, do resultado final da votação, da ideia de quem ganhou e de quem perdeu com o pleito, ou se a imprensa manipulou negativamente o plebiscito, ou das consequências para a política local, para o turismo da região e para a identidade da cidade de Serra Talhada, eu acho que aquele evento eleitoral, que logo completará 30 anos, teve como maior mérito colocar toda uma comunidade nordestina debatendo sobre uma determinada figura histórica e sobre um período de sua história.
Não sei se esse tipo de situação ocorrida em Serra Talhada foi um episódio inédito no Nordeste e nem sei dizer se houve nessa parte do Brasil outros debates sobre temas históricos que tenham gerado tanta movimentação. Por isso acho que vale a pena comentar e recordar o que ocorreu no sertão de Pernambuco em 1991.
Concordo quando dizem que a memória de um lugar não é para se tornar mercadoria barata e nem ser mercantilizada de qualquer jeito. Mas não posso esquecer que não foi só na cidade de Serra Talhada que Lampião se transmutou de bandido para patrimônio cultural e turístico. Um exemplo está no meu Rio Grande do Norte. Mesmo sem plebiscito, a cidade potiguar de Mossoró também buscou uma utilização cultural e turística em relação a memória do ataque que sofreu do bando de Lampião em 13 de junho de 1927. Essa iniciativa até hoje é um sucesso!
Por esses dias, mexendo nos meus antigos, amarelados e preciosos papéis sobre história da minha região, encontrei uma página do Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro, que muito chamou a minha atenção na época. Adianto para os que conhecem mais sobre o tema Cangaço que a jornalista Letícia Lins cometeu deslizes em relação à história de Lampião. Mesmo assim eu decidi transcrever para os leitores do TOK DE HISTÓRIA esse texto, para trazer um pouco da efervescência que envolveu aquele plebiscito em 1991.
ESTÁTUA DE LAMPIÃO DESPERTA AMOR E ÓDIO NO SERTÃO
Texto – Letícia Lins
JORNAL DO BRASIL, domingo. 11 de agosto de 1991, 1º Caderno, página 17.
S E R R A T A L H A D A. PE — “Nem herói, nem bandido, é história. Diga sim a Lampião”. Petista, fã de Karl Marx. Che Guevara e Fidel Castro, o ator Anildomá Williams, autor da inscrição pichada nos principais muros de Serra Talhada, já decidiu: com roupa azul, adornada com lenço vermelho no colarinho, embornal, cartucheira, chapéu de couro e rústicas sandálias, vai fazer boca de urna para ninguém menos que Virgulino Ferreira, o famoso Lampião, em plebiscito no próximo dia 7 de setembro, nesta cidade sertaneja, a 497 quilômetros do Recife.
O plebiscito, coordenado pela Casa de Cultura de Serra Talhada, tem um objetivo simples: consultar a população para saber se Lampião, o filho mais polêmico da terra, tem direito a estátua em Praça Pública, na cidade de onde partiu quase menino para o cangaço e a fama. A iniciativa movimenta gente como Anildomá, divide os 100 mil habitantes de Serra Talhada, desperta controvérsias nas cidades vizinhas, provoca irados editoriais em jornais de Pernambuco, Bahia, Alagoas e fez chegar uma enxurrada de cartas à Casa de Cultura, algumas de estados distantes, como o Pará. Não é Para menos: agitador do início do século, homem destemido que enfrentou a polícia e os coronéis de sete estados nordestinos, entre caminhos trilhados a pé no meio dos espinhos da caatinga, Lampião ainda hoje desperta ódios e paixões. É tido como um justo pelos sertanejos, às vezes, como um demônio. Outras, como um deus.
Cinquenta e três anos após sua morte seus conterrâneos falam dele como uma lenda viva, e não escondem a expetativa diante do plebiscito, do resultado ainda imprevisível, com muita gente a favor, muitos contra e quase ninguém neutro. Pesquisa do jornal mensal Correio do Vale, na qual não foram computados os votos brancos nem nulos, mostrou que 55,06% da população se posicionam a favor da estátua, enquanto 4,94% se colocam contra. Não é preciso apelar para os números. Uma circulada pelo Fórum, igreja, praças e sítios mostra que a divisão está em todos os lugares, até mesmo na prefeitura. “Tenho oito secretários e só dois são contra a estátua, porque suas famílias foram perseguidas por Lampião”, diz o prefeito Ferdinando Feitosa (PFL), sem esconder um elogio rasgado ao cangaceiro: “Mais do que um bandido, ele foi um produto do seu tempo, espezinhado e maltratado por seus ricos vizinhos fazendeiros”. Ardoroso defensor da colocação da estátua em praça pública, o vice-prefeito Giovani Santos de Andrade Oliveira diz que os motivos que empurraram Lampião para o cangaço ainda hoje fomentam inimizades no Nordeste; “Terra e honra no sertão viram questão”, justifica. Os dois receberam sinal verde do principal líder político da cidade, deputado federal Inocêncio Oliveira (PFL-PE), para apoiar o pleito.
De fuzil em punho — Lampião é história, só que fez a história de forma diferente, de fuzil em punho — afirma Tarcísio Rodrigues, presidente da Casa de Cultura e organizador do plebiscito. A consulta popular já despertou o protesto do juiz José Machado de Azevedo, que promete lavar as mãos; — Uma estátua de Lampião é uma apologia do crime. — Diz que sua atuação se limitará a fenecer urnas virgens para o pleito, de consequências imprevisíveis, segundo ele.
É ruim exaltá-lo numa terra onde andar com revólver na cintura ainda é simbolo de status e demonstração de machismo. 0 promotor Euclides Ribeiro de Moura Filho, um cearense que anda com uma cópia da certidão de nascimento de Lampião na bolsa, discorda do juiz: — Não se pode olhar a figura de Lampião apenas à luz do direito. É necessário considerar-se o momento histórico em que ele viveu, quando as volantes da polícia que desbravavam o sertão também despertavam o medo na população — encerra o representante do Ministério Público.
Lampião – Da briga com os Nogueira ao cangaço
“Cabra macho, que merecia morrer na ponta do fuzil, e não na covardia”, para o ex-volante Luís Flor, que lutou contra o cangaço durante quatro anos; “menino bom. Mas doido”, para o padre Cícero Romão, e um “príncipe”, para Antônio Silvino, cangaceiro que durante quase duas décadas reinou absoluto no sertão, Virgulino Ferreira era o terceiro de uma prole de oito irmãos, cinco homens e três mulheres. Nasceu na localidade de Serra Vermelha, antigo município de Vila Bela, Hoje transformado em Serra Talhada.
Como todos os pequenos proprietários do sertão do Pajeú, o patriarca José Ferreira e sua mulher viviam do plantio de milho, feijão e de algumas cabeças de gado. A produção era alternada; colhia-se nos anos de bom inverno e se perdia tudo durante a seca. Mas isso não chegava a desanimar os Ferreira, principalmente Virgulino. Ao ver o roçado esturricado, ele juntava 14 burros e saia cortando as estradas poeirentas do sertão, vendendo mercadorias de cidade em cidade, voltava com os caçuás (cestos de cipó) vazios, mas de bolsos cheios. A profissão, ainda hoje, é conhecida no Sertão e tem dois nomes: tropeiro ou almocreve.
Por esse motivo, desde menino Lampião começou a chamar a atenção dos pais, dos vizinhos e dos sete irmãos. Pouco a pouco foi mostrando outras habilidades, não só de bom mercador. Confeccionava artesanato em couro, principalmente arreios de montaria, e vendia nas feiras. Foi um pequeno episódio, comum no sertão, onde qualquer besteira se transforma em questão de honra, que fez tudo mudar, segundo lembram, hoje, não só os Ferreira, como os Nogueira, o clã inimigo.
Chocalhos — Ferreira e Nogueira eram vizinhos. Um parente dos Nogueira, José Saturnino, se mostrou “despeitado” quando viu que o gado dos Ferreira andava na caatinga com uns chocalhos bonitos, dourados, comprados em Juazeiro do Norte, no Ceará. Até então, todos os chocalhos que chegavam à fazenda Serra Vermelha eram negros e sem graça. No sertão — onde o gado é criado sem cercado — o chocalho funciona como um meio de o vaqueiro localizar bois, vacas e cabras. Saturnino amassou o chocalho do gado dos Ferreira, que perderam bois e vacas. Para não ficar por baixo, os Ferreiras deram o troco, amassando chocalhos do seu gado. Saturnino não gostou; capou o cavalo de Virgulino. Virgulino cortou os rabos das vacas de Saturnino. A briga cresceu e o juiz de Vila Bela obrigou os Ferreira a se mudarem. Foram morar no distrito de Nazaré, hoje Carqueja, com uma condição; nem visitavam Serra Vermelha, nem Saturnino entrava em Carqueja. Saturnino quebrou o acordo e os Ferreira não gostaram.
Começaram a fazer arruaças em Carqueja. Foram obrigados a se mudar, desta vez para Alagoas, onde um amigo de Saturnino — a pedido deste — matou o pai de Virgulino e feriu um irmão. Virgulino decidiu vingar-se. Integrou-se ao bando do cangaceiro Sinhô Pereira e depois começou a agir por conta própria, com seu próprio bando. Seu poder cresceu, ele passou a ser temido até pelos governadores. Em 1926, chegou a propor ao governo de Pernambuco dividir o estado em dois: à capital caberia a administração do litoral, enquanto ele reinaria, sozinho, no Sertão. De cangaço em cangaço, Lampião terminou por ter a cabeça colocada a prêmio por 50 contos de réis. Em 1938, seu bando foi desarticulado, ele e seuscompanheiros foram degolados e suas cabeças exibidas em praça pública.
Voto a favor do compadre
Ela tem 92 anos, quase não anda, não gosta de falar muito, mas há um assunto que sempre a empolga e sobre o qual, dependendo da disposição e da saúde, discorre horas seguidas: a vida e morte do compadre Virgulino Ferreira, seu querido Lampião. Ela quer mais é ver a estátua dele na principal praça da cidade, ou no topo da montanha mais alta da serra que dá nome ao município.
— Não botaram a estátua do padre Cícero no Juazeiro? Por que não Lampião aqui? Ele não era tão bom quanto o padre Cícero — diz Especiosa Gomes de Luz, que nunca apareceu em jornal, revista, nem foi ouvida por sociólogos, antropólogos, que costumam derramar ciência e erudição sobre o Cangaço. Para ela, Lampião não passou de um justiceiro: “Ele tirava de quem tinha muito para dar a quem não tinha nem um pouco”. Conta que costumava costurar para o bandido e o bando, e que ele nunca se utilizou da amizade para pedir abatimento no preço das roupas: “Ele pagava muito e bem, e ainda dava os retalhos para fazer calções para os meninos”.
Especiosa guarda boas recordações do Cangaço: “Quando Lampião chegava com seu bando, era uma festa, os pais confiavam, davam as moças para os rapazes dançarem com elas, e Lampião nunca descasou nenhuma”. Ela mostra que as volantes – forças policiais do governo que combatiam o cangaço – despertavam mais medo e eram mais violentas que cangaceiros; “Quando eles vinham, faziam incêndios, acabavam com tudo”. Relata que muitas vezes Lampião deu dinheiro a quem não tinha – Para festa de casamento, batizado e até compra de terra – e diz que não chorou quando soube da morte dele: “Já estava degolado, não adiantava chorar. Só fiz rezar por ele”.
Marca de bala depõe contra
Luís Alves Nogueira tem 86 anos, anda com dificuldade, com auxílio de UMA bengala, já não enxerga por um olho e tem alguns lapsos de memória. Mas há um fato que presenciou a 65 anos que ele recorda com a nitidez de um filme em cores; a invasão da Fazenda Serra Vermelha por Lampião e seu bando, quando os Nogueiras reagiram a tiros contra os cangaceiros, em uma luta sangrenta que durou sete horas.
— Eles bandalharam tudo, queimaram a casa da fazenda, incendiaram o gado ficou tudo uma carniça só — conta, na casa grande da Fazenda Serra Vermelha, que ainda hoje ostenta nas paredes as perfurações de bala daquele tempo, e que guarda como troféus de resistência os torrões de barro que sobraram do ataque a fogo a sua residência. Domingos, filho de Luís, é contra a estátua de Lampião cm Serra Talhada: “Por que não a de padre Cícero? Indaga ele, que costuma visitar com o pai a cova do avô, morto por Lampião dia 26 de fevereiro de 1926.
Aquele foi o resultado da volta do cangaceiro às terras da qual praticamente havia sido expulso por influência do fazendeiro José Saturnino, na década de 10. O patriarca José Ferreira e os oito filhos foram obrigados a se mudar para a localidade de Nazaré hoje distrito de Carqueja, município de Floresta. Depois, mais vez foram tangidos para Alagoas, onde o tenente José Lucena – amigo de Saturnino – matou o pai e feriu um amigo de Lampião. Foi a gota d’água. Virgulino, que já havia se integrado ao bando de Sinhô Pereira, outro histórico cangaceiro, e jurado por ter a pistola como advogado — por não ter encontrado um que o defendesse nas questões de terra de Serra Talhada, resolveu se vingar. Pescado no Tok de História