Material do acervo do pesquisador Antônio Corrêa Sobrinho
O BANDITISMO
NOS SERTÕES DO NORDESTE BRASILEIRO
UM ENSAIO
POLÍTICO-SOCIAL
(Especial para o GLOBO)
CAPÍTULO III
Dos nossos
dois artigos anteriores, evidencia-se que duas providências se impõem aos
governos para os sertões do Nordeste: - “Instrução” e “Justiça”; - escolas e
magistrados íntegros, desligados dos chefes políticos locais e dispondo de
força policial disciplinada para o cumprimento de suas ordens.
Enquanto não levarmos ao sertanejo a certeza de que ele não será mais o vassalo
dos potentados da terra, de que todas as garantias lhe serão dadas pelos
poderes públicos, de que o seu direito será respeitado pelas autoridades e os
seus delitos punidos de acordo com as leis e não de conformidade com a vontade
dos políticos situacionistas – tudo quanto se fizer será inútil para modificar
lhe o caráter e tirar-lhe esse pendor para a vingança particular, que herdou
dos seus antepassados, e que leva ao crime. Será este o único meio de se evitar
que novos bandos de cangaceiros se formem, arrastados por aquele instinto
sanguinário que já analisamos.
Estas mesmas considerações lemos em um discurso proferido na Câmara dos
Deputados de Pernambuco pelo deputado Arruda Falcão, o transcrito aqui no
Jornal “A Manhã”, de 9 de agosto findo. Infelizmente, o inteligente orador, com
a preocupação de fazer obra de oposição ao governo, subordinou as suas
patrióticas aspirações, que são as de todos os bons pernambucanos, a conclusões
verdadeiramente contraproducentes.
Combatendo a proposta orçamentária do governo para 1928, na qual o Dr. Estácio
Coimbra pedia um aumento na dotação da verba destinada à força pública, o
ilustre deputado, citando Alberto Rangel, disse o seguinte:
- “O cangaceiro é uma expressão da terra que habita, como o jangadeiro o é do
mar. A sua moral tem as irregularidades de infrações devidas ao olvido e ao
desleixo com que o fulminou a organização política do país.
O banditismo é uma endemia do sertão, mas é a hipertrofia da coragem. Tipo
estupendo da originalidade, o Brasil não produziu nenhum mais interessante. Com
a educação conveniente, o sertanejo abandonaria a crueza de desvios sociais e
seria um fator de trabalho e de riqueza.”
Destes conceitos, que não sofrem contestação, tirou o Dr. Arruda Falcão as
seguintes conclusões:
- “Precisamos manter no sertão excelente justiça ‘e nada de polícia’ para
solução de problemas de ordem social e econômica que ela nunca poderia
resolver. ‘O sertão não espera policiamento” para desenvolver-se. Precisa desde
tempos imemoriais colocar-se ao abrigo da lei moral e do pão quotidiano.
Melhoramentos materiais, melhoramento moral. Eis os benefícios que ao sertão
nunca os governos enviaram.
Em vez de “reforçar a eficiência numérica dos batalhões policiais”, olhemos com
especial cuidado para o serviço da Justiça.”
Não são outras as ideias que vimos emitindo neste trabalho sobre o caráter do
sertanejo nordestino e a necessidade de se lhe dar instrução e justiça.
Mas isto leva tempo e necessita muito trabalho e muita perseverança por parte
dos governos, “PORQUE NÃO SE ACA FACILMENTE COM HÁBITOS, FORMANDO O CARÁTER DE
UM POVO”; de medo que, concomitantemente com as providências que todos
aconselham, ou melhor, para que elas possam surtir o efeito desejado, torna-se
imprescindível extinguir desde já os bandos de criminosos que infestam
atualmente os sertões do Nordeste, mesmo porque não é possível a aplicação
serena da Justiça quando os seus representantes vivem sob a ameaça constante de
morto desses bandos sinistros, para os quais já não servem aquelas providências.
E como extingui-los sem uma força numerosa, pelos motivos que deixamos
apontados em nosso primeiro artigo? Basta dizer-se que, não obstante se acharem
atualmente nos sertões o Nordeste, em perseguição aos bandidos, “AS MILÍCIAS DE
SEIS ESTADOS coligadas pelo convênio de dezembro de 1926, em primeiro talvez
superior a 2.000 SOLDADOS, ainda não foi possível a captura de “Lampião”, de
“Massilon” e de outros celerados que destes chefes se desligaram, constituindo
novos bandos.
Foi, pois, uma verdadeira heresia a afirmativa do deputado pernambucano – “de
que precisamos manter no sertão excelente justiça E NADA DE POLÍCIA” – pois sem
polícia é que a justiça não pode ser exercida.
E, tanto assim, que o próprio autor dessa frase, “no mesmo discurso” que
citamos, disse também o seguinte, em completo antagonismo com aquela afirmativa
e com a sua oposição ao aumento da força pública (textual):
- “COMO MEDIDA DE EMERGÊNCIA, A CAPTURA DOS CELERADOS CERTAMENTE SE IMPÕE AOS
BONS DESÍGNIOS DA ADMINISTRAÇÃO.”
Ora, não há de ser com pequenos contingentes policiais que o governo
pernambucano poderá conseguir este resultado PRELIMINAR, para chegar então ao
FIM, por todos almejado. O grande erro dos governos tem sido justamente manter
nos sertões pequena força policial em perseguição aos criminosos. Com a tática
dos cangaceiros e a facilidade de locomoção que eles têm, como conhecedores do
terreno e dos seus esconderijos, em pouco tempo os soldados ficam extenuados,
tornando-se impossível a perseguição e sacrificando-se inutilmente homens e
dinheiro.
Por consequência, “se a captura dos acelerados se impõe ao governo” (como disse
o deputado Falcão), o aumento da força pública é uma necessidade indiscutível e
urgente.
Para estes cangaceiros, que estão depredando o Nordeste e tornando impossível a
vida do sertanejo honesto e trabalhador, todos os rigores são poucos, tanto
mais quanto eles se afastam inteiramente de alguns dos seus antecessores que,
em meio de sua vida de crimes, conservavam algumas virtudes primitivas, como a
probidade, a proteção para os fracos e o respeito pelas mulheres; de sorte que
não é de admirar que quase todos os historiadores da nossa vida sertaneja se
refiram a cangaceiros, qualificando-os de – homens valentes e “honestos.”
De “Jesuíno Brilhante”, bandido famoso dos sertões do Ceará, terror dos seus
inimigos e um tigre sanguinário quando se defrontava com a polícia e a tropa de
linha que o perseguiam, conta Rodolfo Teófilo que por ocasião de uma seca
tremenda que assolou aquele Estado, ele se tornara uma Providência para a gente
humilde, salvando da morte centenas de famintos, aos quais distribuía
mantimentos e roupas.
Xavier de Oliveira, no seu livro – “Beatos e Cangaceiros” – que tem o mérito
incontestável de ter sido escrito por um filho do sertão do Ceará, e no qual
ele narra as façanhas de 13 cangaceiros “que conheceu pessoalmente” – traça o
perfil de diversos como de indivíduos trabalhadores, e “nobres”. Do cangaceiro
“Beato da Cruz”, diz que – “a sua memória e as suas virtudes jamais deixarão de
ser veneradas, enquanto houver um romeiro crédulo na Jerusalém Brasileira (o
Juazeiro do Padre Cícero).” Referindo-se a “Quintino”, outro cangaceiro de
Pajeú de Flores, que foi ter no Juazeiro perseguido pela polícia pernambucana,
diz: - “era um homem bom, nobre e pacato; um amigo leal, embora um inimigo
temível e terrível”. – De “Antônio Vaqueiro” e “Antônio Godé”, bandidos de
incrível audácia, diz: - “eram homens honestos em quem a nobreza reclamava a
primazia à coragem; incapazes de uma traição como de uma covardia”. – E, para
demonstrar a probidade e honradez de alguns desses cangaceiros, conta o
seguinte, referente a um deles: - “Canuto Reis” nunca roubou de ninguém um
alfinete sequer; mas também nunca levou para casa um desaforo, por pequenino que
fosse. Quando o coronel Franco Rabelo, que se apossou violentamente do governo
do Ceará, entendeu acabar com o prestígio do padre Cícero, Canuto Reis foi um
dos heróis da jornada de 14 de janeiro de 1914, em que as forças do governo
foram completamente derrotadas pelos romeiros do padre. Vitoriosos, os
sertanejos e “os chefes” revolucionários começaram a saquear a cidade do Crato,
onde se ferira o combate, enquanto Canuto se dirigiu a um de nome Pedrinho,
pedindo-lhe dez tostões emprestados, para matar a fome, pois não comia desde
que começara a luta. Lendo na fisionomia de seu interlocutor a surpresa que lhe
causara um tal pedido naquela ocasião, disse-lhe o bandido: - “Seu Pedrinho, me
empreste dez tostão. Tou vendo que vosmincê se admira deu não tá também
robando; mas um cabra de vergonha, como eu, tem corage pra mata cem homes de
uma veiz, mas não tem pra robar um vintém, nem que seja do bispo. Isso faz
vergonha.”
Do mesmo modo, Xavier de Oliveira se refere a outros dos seus 13 biografados,
salientando lhes às vezes a perversidade, mas sempre abandonando lhes algumas
virtudes.
Um perfil de cangaceiro que se arroga, como chefe de um grupo, o papel de –
“juiz” – à moda sertaneja traça o Dr. Raul Azedo, narrando o que lhe contou uma
velhinha, em cuja choupana ele e um companheiro de viagem se hospedaram, quando
atravessavam a zona quase deserta do riacho do Navio, em Pernambuco, sobre as
façanhas do terrível bandido Casimiro Honório: - “Se furtam um bode da gente
(disse a velhinha na simplicidade do estilo sertanejo), a gente corre onde está
Casimiro e basta o ladrão saber disso para o bode logo aparecer. Se alguma
cousa ruim faz mal a qualquer moça solteira e não casar com ela, a mãe da moça
vai se valer de Casimiro, que manda um recado ao sem-vergonha e ele mais que
depressa trata de casar com a moça.”
O célebre cangaceiro Antônio Silvino entrou para o “cangaço” par a vingar o
assassinato do pai, quando ele ainda menino, por não ter a justiça punido o
criminoso. Quando cresceu, vingou-se matando o assassino e mais quatro irmãos
deste. Depois, correu o sertão espalhando o terror, roubando nas estradas,
incendiando fazendas e saqueando o comércio nas cidades e vilas. Mas, como
distribuía com a pobreza uma parte dos roubos, e se constituiu o protetor da
honra das moças, captou a simpatia da gente humilde, ao ponto dos menestréis
sertanejos contarem nas suas “décimas” as proezas d’ “O Capitão”, como
apelidaram-no. Pôde assim dominar nos sertões do Nordeste durante 20 anos,
zombando da polícia pernambucana que o perseguia tenazmente, porque os pobres
acoitavam-no em suas casas. Afinal, ferido de um encontro com a força pública,
foi preso e se acha recolhido à Casa de Detenção de Recife, onde tem um
comportamento exemplar.
Em suma, Gustavo Barroso, no seu livro “Heróis e Bandidos”, não deixou
igualmente de salientar o chocante contraste daquelas almas sertanejas de
outrora, onde as maiores personalidades se aliavam a uma nobreza de caráter
inexplicável, conforme a ocasião e o meio em que agiam.
Mas, até nesse ponto, aquela raça degenerou. O lado heroico, que provocava a
admiração dos historiadores do “cangaço”, pela sua parceria com os instintos
ferozes, desapareceu.
Os atuais bandos de criminosos que infestam o Nordeste brasileiro são compostos
de facínoras da pior espécie, sem a menor sombra de uma qualidade indômita, da
b
“Lampião”, “Massilon”, “Sabino Gomes” e seus sequazes são apenas tipos de
ladrões sanguinários e de assassinos covardes. Nos assaltos que deram à vila de
algodões e à cidade de Triunfo, em abril de 1926, esses bandidos não
encontraram a menor resistência, por terem fugido covardemente os destacamentos
policiais que guarneciam aquelas localidades. Pois bem, não obstante a
passividade com que os recebeu a população atemorizada, os perversos não se contentaram
em saquear as principais casas comerciais; assassinaram friamente diversas
pessoas, incendiaram fazendas, mataram o gado e atiraram-se como canibais
contra infelizes moças solteiras que não tiveram tempo de fugir, maculando-as
em sua honra, e, para cúmulo da malvadez, surraram desapiedadamente aquelas que
ainda procuraram resistir aos seus instintos bestiais.
Urge, pois, o extermínio dessas bestas-feras, custe o que custar. Os governos
nortistas têm o dever inadiável de dar caça a esses bandos ferozes, numa
perseguição tenaz, sem tréguas, a fim de que possa ser iniciada a regeneração
dos costumes sertanejos pela “Instrução” e pela “Justiça”.
Só então poder-se-á conseguir que o sertanejo nortista abandone a sua vida de
aventuras criminosas para se tornar um fator de trabalho e de riqueza.
Justiniano de
Alencar.
Fonte: facebook
Página: Antônio Corrêa Sobrinho
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