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domingo, 14 de dezembro de 2014

LUIZ GONZAGA E A MÚSICA POTIGUAR: UMA RELAÇÃO ÍNTIMA DE MEIO SÉCULO

Por Sergio Vilar

A relação de Luiz Gonzaga com o Rio Grande do Norte tem fatos que talvez o próprio Gonzaga desconheça. E são marcantes para a história musical potiguar e também do Rei do Baião. Troca de amizades, favores e experiências incalculáveis ao acervo do cancioneiro nacional. Desde a composição Ovo de Codorna, em parceria com o potiguar Severino Ramos, à reascensão de “Seu Lua” ao mercado com a produção de seus discos na década de 1980 pelas mãos do mossoroense Carlos André. Também a relação afetuosa com o músico Paulo Tito. Parcerias de composição também com Janduhy Finizola. Gravação do clássico de Chico Elion, Ranchinho de Páia. E nada menos que a última apresentação pública de Gonzagão, em Natal, meses antes de sua morte.

Gonzaga, padrinho de casamento de Carlos André, em 1963

Estes são apenas alguns dos laços arrochados de Gonzaga com o RN anotados pela pesquisadora Leide Câmara, no livro ‘Luiz Gonzaga e a Música Potiguar’. A obra é o título 36 da coleção Cultura Potiguar, editada pela Secretaria Extraordinária de Cultura do RN e Fundação José Augusto, através da Gráfica Manimbu. Será lançada hoje, na Pinacoteca do Estado (Praça 7 de Setembro, Cidade Alta). A sessão de autógrafos começa às 19 h. São quase 200 páginas de um minucioso levantamento das relações entre Gonzaga e os músicos potiguares, todo ilustrado e com informações de cada uma das canções de potiguares gravadas por Gonzaga, e vice-versa. E essa história começou já na década de 1940, quando o rei do baião não passava de um retirante.

Leide Câmara lembra que Gonzagão gravou a música Queixumes, do potiguar Henrique Brito ainda em 1945. “A música era toda instrumental, feita para o Gonzaga sanfoneiro. Naquela época, a voz nordestina dele ainda era pouco aceita”, conta a pesquisadora. Entre os potiguares que gravaram Gonzaga, Ademilde Fonseca foi a primeira, ainda em 1951. Depois, as Irmãs Ferreira. Depois, o Trio Irakitan e na sequência foram mais de 200 canções do repertório de Luiz Gonzaga gravadas por 54 cantores ou grupos potiguares. Segundo Leide Câmara, quem mais gravou foi João Mossoró. Por outro lado foram 24 canções de autoria de artistas potiguares gravadas por Gonzaga.

Composições potiguares na voz de Gonzagão

O compositor caicoense Severino Ramos foi o principal parceiro musical  potiguar de Luiz Gonzaga. Os dois assinaram nada menos que doze parcerias, entre as quais uma das mais conhecidas músicas do repertório final de Gonzaga: Ovo de Codorna, que enfrentou problemas com a censura durante a ditadura militar, mas foi gravada três vezes (1971, 1978 e 1979) pelo Rei do Baião. As duas primeiras composições, ambas em parceria, foram ainda em 1964: Aquilo Bom e Se Não Fosse Esse Meu Fole.

Leide desconhece quando os dois se conheceram. Nem mesmo a família de Severino soube informar. “A probabilidade é que tenha sido em Campina Grande. Severino Ramos, embora nascido em Caicó, foi registrado como filho de Campina Grande. Lá era o celeiro da música nordestina. E Severino era amigo de Jackson do Pandeiro, que foi padrinho do filho dele. Então havia laços que podem ter levado ao encontro dos dois”, acredita Leide Câmara.

Gonzaga, Jorge Ben e o jornalista Toinho, nos jardins da casa do ex-governador Geraldo Melo – andanças pelo solo potiguar

O outro grande parceiro potiguar de Gonzaga foi o médico Janduhy Finizola. Ele morava em Campina Grande; era fã do rei do baião. Em dia plantão, aparece Gonzaga no hospital para ser atendido. Surgiu daí a amizade recíproca, seguida da parceria em oito músicas. Entre elas, Missa do Vaqueiro, quando ambos foram assistir a missa e Gonzaga sugeriu a Finizola escrever a respeito. No livro de Leide há a foto dos dois nessa ocasião. Outras duas: Cavalo Criolo (1974) e Os Bacamateiros (1981).

Além das 12 músicas com Severino Ramos, das 8 com Janduhy Finizola, e da instrumental de Henrique Brito, Gonzaga gravou outras três canções de potiguares: Meu Padrin (1960), de Frei Marcelino e considerada a primeira música dedicada a Frei Damião; Ranchinho de Páia, de Chico Elion; e Renascença, do poeta potiguar Celso da Silveira em parceria com Onildo Almeida. “Esta foi a única música de Gonzaga gravada em CD. Todas as outras foram lançadas em disco e depois remasterizadas”.

‘Luiz Gonzaga e a Música Potiguar’ documenta ainda as andanças do velho Lua por todo o Rio Grande do Norte, ao longo de várias décadas. O livro registra homenagens fora da música — seminários, publicações em livro e folheto de cordel, eventos oficiais, e uma vasta iconografia que ilustra a presença de Gonzaga na cena artística potiguar, incluindo a primeira biografia escrita sobre Gonzagão, em 1951, por uma potiguar: Zé Praxedes, conhecido como “o poeta vaqueiro” e amigo íntimo do rei do baião.

Última aparição em público, em Natal

O primeiro encontro de Roberto do Acordeon com Luiz Gonzaga se deu na rádio Jornal do Comércio, em 1958. Nos anos de Jovem Guarda, Roberto e Luiz tocaram várias vezes em circos montados em interiores de Pernambuco. Trocavam uma ideia, acenavam um para o outro e mantinham o coleguismo saudável dos sanfoneiros. Somente em 1976, as antigas Casas Régio fizeram contrato com os dois para temporada de quatro shows no Rio Grande do Norte: um em Natal (Praça Gentil Ferreira, no Alecrim), em Mossoró (Festa de Santa Luzia), em Currais Novos e outro em Caicó.

“A época tava boa pra Gonzaga. O jornalista Carlos Imperial inventou de divulgar que um dos ex-Beatles tinha gravado Asa branca. Isso deu uma levantada na carreira dele. E fomos os dois para esses shows”, lembra Roberto. E sentencia: “Verdade é que o forró nunca morreu. E Seu Luiz era perseverante, teimoso. Nunca teve essa de período de baixa, não”. Mas lembra quando, em abril de 1989, a mulher com quem Gonzaga viveu seus últimos anos ligou para o sanfoneiro: “Roberto, é Edelzuíta. Gonzaga pediu para eu ligar pra você. Ele está precisando dos amigos agora. Tem data para ele por aí?”.

Gonzaga e Roberto do Acordeon – década de 1980

Roberto era dono do Forró do Sanfoneiro. O espaço marcou época em Natal, localizado na Roberto Freire, onde hoje funciona o supermercado Favoritos. A inauguração foi em 1985, com presença de Gonzaga. “Liguei convidando. Atendeu o sobrinho, Piloto. Gonzaga tava dormindo. Acordaram e ele atendeu todo animado. Era sempre assim: perguntava como a pessoa estava, se a família tava boa de saúde, sobre a política local. Aí fiz o convite. Ele disse: ‘Vou e faço um acordo bom pra você: eu toco dois dias e você me paga um’. E esse um ainda foi barato”.

Quatro anos depois seria o último show da vida de Luiz Gonzaga, também em Natal. “Edelzuíte me ligou de novo. Nem sabia que ele estava doente. Aceitei logo e pedido e marquei o show na semana seguinte. E ele repetiu a mesma proposta: fez duas apresentações e só cobrou uma”. Desta vez, o empresário hoteleiro Sami Elali soube de sua vinda e cedeu hospedagem. “Fomos ao hotel pegá-lo para o show. Quando chegamos, ele de cadeira de roda. Quem estava lá chorou. Ele dizia que estava tudo bem e que o show seria um dos maiores. E de fato superlotou de novo os dois dias”.

O show foi em maio. Luiz Gonzaga se locomovia em cadeira de rodas decorrente de osteoporose. Morreria três meses depois, em 2 de agosto de 1989, vítima de parada cardiorrespiratória no Hospital Santa Joana, na capital pernambucana. O Forró do Sanfoneiro fecharia um ano depois, quando “o dono do terreno cresceu o olho no lugar”. Ainda saudoso, Roberto se conforma com a frase do amigo Gonzaga: “Ele me dizia: ‘Roberto, se esses forrós fossem bom pra negócio eu tinha uns quatro ou cinco lá no Rio e São Paulo, porque fui eu quem levou o forró pra lá”.

Leide Câmara

A autora é uma das mais importantes pesquisadoras musicais do estado e criadora do Instituto Leide Câmara Acervo da Música Potiguar (AMP). É autora de obras referenciais sobre o tema, como o ‘Dicionário de Música do Rio Grande do Norte’, com cerca de 600 verbetes que cobrem mais de um século de história, e de estudo sobre o pioneirismo bossanovista do compositor macauense Hianto de Almeida.

Mostras na Pinacoteca

O lançamento do livro de Leide Morais é parte de uma ampla programação na Pinacoteca do Estado nesta terça-feira, a partir das 19h. Serão abertas duas mostras de fotografia — Ser-Tão Seridó, de Paula Geórgia Fernandes, e Ecos Híbridos, de Eustáquio Neves, Alexandre Siqueira e Pedro David. As duas ficam abertas até o dia 21 de junho. A programação inclui ainda a exposição Obras-primas da Gravura, com parte do acervo da própria Pinacoteca, e o lançamento do edital do III Salão de Arte Popular Chico Santeiro.

Atualizado em 21 de maio de 2013

http://portalnoar.com/luiz-gonzaga-e-a-musica-potiguar-uma-relacao-intima-de-meio-seculo/

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