Por Sergio
Vilar
A relação de
Luiz Gonzaga com o Rio Grande do Norte tem fatos que talvez o próprio Gonzaga
desconheça. E são marcantes para a história musical potiguar e também do Rei do
Baião. Troca de amizades, favores e experiências incalculáveis ao acervo do
cancioneiro nacional. Desde a composição Ovo de Codorna, em parceria com o
potiguar Severino Ramos, à reascensão de “Seu Lua” ao mercado com a produção de
seus discos na década de 1980 pelas mãos do mossoroense Carlos André. Também a
relação afetuosa com o músico Paulo Tito. Parcerias de composição também com
Janduhy Finizola. Gravação do clássico de Chico Elion, Ranchinho de Páia. E
nada menos que a última apresentação pública de Gonzagão, em Natal, meses antes
de sua morte.
Gonzaga,
padrinho de casamento de Carlos André, em 1963
Estes são
apenas alguns dos laços arrochados de Gonzaga com o RN anotados pela
pesquisadora Leide Câmara, no livro ‘Luiz Gonzaga e a Música Potiguar’. A obra
é o título 36 da coleção Cultura Potiguar, editada pela Secretaria
Extraordinária de Cultura do RN e Fundação José Augusto, através da Gráfica
Manimbu. Será lançada hoje, na Pinacoteca do Estado (Praça 7 de Setembro,
Cidade Alta). A sessão de autógrafos começa às 19 h. São quase 200 páginas de um
minucioso levantamento das relações entre Gonzaga e os músicos potiguares, todo
ilustrado e com informações de cada uma das canções de potiguares gravadas por
Gonzaga, e vice-versa. E essa história começou já na década de 1940, quando o
rei do baião não passava de um retirante.
Leide Câmara
lembra que Gonzagão gravou a música Queixumes, do potiguar Henrique Brito ainda
em 1945. “A música era toda instrumental, feita para o Gonzaga sanfoneiro.
Naquela época, a voz nordestina dele ainda era pouco aceita”, conta a pesquisadora.
Entre os potiguares que gravaram Gonzaga, Ademilde Fonseca foi a primeira,
ainda em 1951. Depois, as Irmãs Ferreira. Depois, o Trio Irakitan e na
sequência foram mais de 200 canções do repertório de Luiz Gonzaga gravadas por
54 cantores ou grupos potiguares. Segundo Leide Câmara, quem mais gravou foi
João Mossoró. Por outro lado foram 24 canções de autoria de artistas potiguares
gravadas por Gonzaga.
Composições
potiguares na voz de Gonzagão
O compositor
caicoense Severino Ramos foi o principal parceiro musical potiguar de
Luiz Gonzaga. Os dois assinaram nada menos que doze parcerias, entre as quais
uma das mais conhecidas músicas do repertório final de Gonzaga: Ovo de Codorna,
que enfrentou problemas com a censura durante a ditadura militar, mas foi
gravada três vezes (1971, 1978 e 1979) pelo Rei do Baião. As duas primeiras
composições, ambas em parceria, foram ainda em 1964: Aquilo Bom e Se Não Fosse
Esse Meu Fole.
Leide
desconhece quando os dois se conheceram. Nem mesmo a família de Severino soube
informar. “A probabilidade é que tenha sido em Campina Grande. Severino Ramos,
embora nascido em Caicó, foi registrado como filho de Campina Grande. Lá era o
celeiro da música nordestina. E Severino era amigo de Jackson do Pandeiro, que
foi padrinho do filho dele. Então havia laços que podem ter levado ao encontro
dos dois”, acredita Leide Câmara.
Gonzaga, Jorge
Ben e o jornalista Toinho, nos jardins da casa do ex-governador Geraldo Melo –
andanças pelo solo potiguar
O outro grande
parceiro potiguar de Gonzaga foi o médico Janduhy Finizola. Ele morava em
Campina Grande; era fã do rei do baião. Em dia plantão, aparece Gonzaga no
hospital para ser atendido. Surgiu daí a amizade recíproca, seguida da parceria
em oito músicas. Entre elas, Missa do Vaqueiro, quando ambos foram assistir a
missa e Gonzaga sugeriu a Finizola escrever a respeito. No livro de Leide há a
foto dos dois nessa ocasião. Outras duas: Cavalo Criolo (1974) e Os
Bacamateiros (1981).
Além das 12
músicas com Severino Ramos, das 8 com Janduhy Finizola, e da instrumental de
Henrique Brito, Gonzaga gravou outras três canções de potiguares: Meu Padrin
(1960), de Frei Marcelino e considerada a primeira música dedicada a Frei
Damião; Ranchinho de Páia, de Chico Elion; e Renascença, do poeta potiguar
Celso da Silveira em parceria com Onildo Almeida. “Esta foi a única música de
Gonzaga gravada em CD. Todas as outras foram lançadas em disco e depois
remasterizadas”.
‘Luiz Gonzaga
e a Música Potiguar’ documenta ainda as andanças do velho Lua por todo o Rio
Grande do Norte, ao longo de várias décadas. O livro registra homenagens fora
da música — seminários, publicações em livro e folheto de cordel, eventos
oficiais, e uma vasta iconografia que ilustra a presença de Gonzaga na cena
artística potiguar, incluindo a primeira biografia escrita sobre Gonzagão, em
1951, por uma potiguar: Zé Praxedes, conhecido como “o poeta vaqueiro” e amigo
íntimo do rei do baião.
Última
aparição em público, em Natal
O primeiro
encontro de Roberto do Acordeon com Luiz Gonzaga se deu na rádio Jornal do
Comércio, em 1958. Nos anos de Jovem Guarda, Roberto e Luiz tocaram várias
vezes em circos montados em interiores de Pernambuco. Trocavam uma ideia,
acenavam um para o outro e mantinham o coleguismo saudável dos sanfoneiros.
Somente em 1976, as antigas Casas Régio fizeram contrato com os dois para
temporada de quatro shows no Rio Grande do Norte: um em Natal (Praça Gentil
Ferreira, no Alecrim), em Mossoró (Festa de Santa Luzia), em Currais Novos e
outro em Caicó.
“A época tava
boa pra Gonzaga. O jornalista Carlos Imperial inventou de divulgar que um dos
ex-Beatles tinha gravado Asa branca. Isso deu uma levantada na carreira dele. E
fomos os dois para esses shows”, lembra Roberto. E sentencia: “Verdade é que o
forró nunca morreu. E Seu Luiz era perseverante, teimoso. Nunca teve essa de
período de baixa, não”. Mas lembra quando, em abril de 1989, a mulher com quem
Gonzaga viveu seus últimos anos ligou para o sanfoneiro: “Roberto, é Edelzuíta.
Gonzaga pediu para eu ligar pra você. Ele está precisando dos amigos agora. Tem
data para ele por aí?”.
Gonzaga e
Roberto do Acordeon – década de 1980
Roberto era
dono do Forró do Sanfoneiro. O espaço marcou época em Natal, localizado na
Roberto Freire, onde hoje funciona o supermercado Favoritos. A inauguração foi
em 1985, com presença de Gonzaga. “Liguei convidando. Atendeu o sobrinho,
Piloto. Gonzaga tava dormindo. Acordaram e ele atendeu todo animado. Era sempre
assim: perguntava como a pessoa estava, se a família tava boa de saúde, sobre a
política local. Aí fiz o convite. Ele disse: ‘Vou e faço um acordo bom pra
você: eu toco dois dias e você me paga um’. E esse um ainda foi barato”.
Quatro anos
depois seria o último show da vida de Luiz Gonzaga, também em Natal. “Edelzuíte
me ligou de novo. Nem sabia que ele estava doente. Aceitei logo e pedido e
marquei o show na semana seguinte. E ele repetiu a mesma proposta: fez duas
apresentações e só cobrou uma”. Desta vez, o empresário hoteleiro Sami Elali
soube de sua vinda e cedeu hospedagem. “Fomos ao hotel pegá-lo para o show. Quando
chegamos, ele de cadeira de roda. Quem estava lá chorou. Ele dizia que estava
tudo bem e que o show seria um dos maiores. E de fato superlotou de novo os
dois dias”.
O show foi em
maio. Luiz Gonzaga se locomovia em cadeira de rodas decorrente de osteoporose.
Morreria três meses depois, em 2 de agosto de 1989, vítima de parada
cardiorrespiratória no Hospital Santa Joana, na capital pernambucana. O Forró
do Sanfoneiro fecharia um ano depois, quando “o dono do terreno cresceu o olho
no lugar”. Ainda saudoso, Roberto se conforma com a frase do amigo Gonzaga:
“Ele me dizia: ‘Roberto, se esses forrós fossem bom pra negócio eu tinha uns
quatro ou cinco lá no Rio e São Paulo, porque fui eu quem levou o forró pra
lá”.
Leide Câmara
A autora é uma
das mais importantes pesquisadoras musicais do estado e criadora do Instituto
Leide Câmara Acervo da Música Potiguar (AMP). É autora de obras referenciais
sobre o tema, como o ‘Dicionário de Música do Rio Grande do Norte’, com cerca
de 600 verbetes que cobrem mais de um século de história, e de estudo sobre o
pioneirismo bossanovista do compositor macauense Hianto de Almeida.
Mostras na
Pinacoteca
O lançamento
do livro de Leide Morais é parte de uma ampla programação na Pinacoteca do
Estado nesta terça-feira, a partir das 19h. Serão abertas duas mostras de
fotografia — Ser-Tão Seridó, de Paula Geórgia Fernandes, e Ecos
Híbridos, de Eustáquio Neves, Alexandre Siqueira e Pedro David. As duas ficam
abertas até o dia 21 de junho. A programação inclui ainda a exposição Obras-primas
da Gravura, com parte do acervo da própria Pinacoteca, e o lançamento do edital
do III Salão de Arte Popular Chico Santeiro.
Atualizado em
21 de maio de 2013
http://portalnoar.com/luiz-gonzaga-e-a-musica-potiguar-uma-relacao-intima-de-meio-seculo/
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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