LAMPIÃO em Limoeiro do Norte, Ceará, no dia 15 de junho de 1927.
O que disse a respeito o então prefeito FELIPE SANTIAGO DE LIMA.
O Sr. Felipe Santiago, prefeito do município de Limoeiro, dali recentemente chegado, concedeu ao “O Ceará” a seguinte entrevista, relativa à incursão dos bandoleiros na sua localidade:
Na qualidade de prefeito comuniquei, com antecedência, ao Sr. Presidente do
Estado, que Lampião se dirigia para Limoeiro. Esperamos até à última hora, que
ao menos nos fosse enviada munição para os que estavam empenhados em organizar
a resistência e a defender a cidade. Na manhã de quarta-feira última, muito
cedo ainda, Lampião mandou o agricultor, em cujo sítio estava acampado,
descansando, transmitir um telegrama para Mossoró. Esse portador trazia também
a incumbência de avisar que o bando entraria, mais tarde, na cidade, e que
esperava ser bem recebido. Muita gente fugiu. Diante da impossibilidade de
resistir e temendo a sanha dos bandidos, não tivemos outro recurso senão
receber o bando sinistro, poupando-nos, assim, às depredações e crimes em que
se tem celebrizado. Mandamos abater um boi e preparar farta refeição para os facínoras.
Depois do meio dia, Lampião conforme prometera, fez sua entrada pacífica, mas
espalhafatosa. Ao aproximar-se da primeira rua deu voz de comando, em altos
brados, gritando:
- “Bala na águia! é pra entra que entra! Todo direito nós temos Ceará!”
Depois, o bando penetrou no beco, do Corredor, numa algazarra infernal, dando
vivas ao padre Cícero, ao prefeito, vivas que eram correspondidos pela maioria
das pessoas presentes e atemorizadas. Já dentro da cidade ordenou, em tom
severo, aos seus sequazes que não tocassem em ninguém, nem em cousa alguma.
Antes de se dirigir ao telégrafo, Lampião avisou que queria falar, com
urgência, ao prefeito, indicando o lugar onde ia esperar-me. Dominado por um
mal estar, como o senhor deve avaliar, fui à audiência. O ser gentil, a seu
modo, tratou-me, o temível bandoleiro, esforçando-me por começo, com muito
respeito, passando depois a maior familiaridade, dizendo-me, então: “Não tenha
receio, está tudo garantido. Aqui não se bole em ninguém. O pessoal é
disciplinado.” Entrando em seguida, em diversas indagações sobre o movimento de
forças, lamentou não ter encontrado o major Moisés, pois “desejava conhece-lo
nessas alturas”. Massilon (que é uma espécie de lugar-tenente de Lampião, cujo
nome verdadeiro é Antônio Leite) aparteou: “Queria encontrar o major Moisés
para ajustar uma conta velha”.
Terminada a palestra, Lampião ficou de procurar-me mais tarde, o qual de fato
fez. Nessa ocasião, achava-me em companhia do padre Vital Guedes.
Disse-me o bandido que precisava de dinheiro. Declarei-lhe que não daria
dinheiro algum. O cangaceiro riu e olhou para Sabino, um cabra mal encarado, de
gestos hediondos, que disse: “Quando nós qué, rouba, mas eu agora tou pedindo.
Quero dez contos.”
Relutei em dar-lhes a importância pedida, mostrando-lhes as dificuldades em que
me encontrava de arranjar dez contos. Propus dar-lhe dois. Sabino interveio,
dizendo: “Dois contos não é dinheiro.”
Apelei, então, para Lampião, dizendo-lhe estar Sabino muito duro.
Lampião, riu-se. O padre Vital, batendo no ombro de Sabino, camaradescamente,
disse: “Sabino, é até bonzinho, não é, Sabino?!” Nessa ocasião chegaram outros
bandoleiros.
Lampião pensou um instante, declarando, então, que aceitava os dois contos, mas
fazia outro pedido: - Queria balas. Declarei que não havia na cidade munição
alguma, no que fui acreditado.
Após isso, Lampião retirou-se me dizendo que se responsabilizava por tudo que o
comércio vendesse aos seus “cabras”, menos bebidas, que não considera artigo de
necessidade.
Os cangaceiros almoçaram fartamente, percorrendo, em seguida, toda a cidade.
Compravam tudo por altos preços. Além de donativos à igreja, Lampião distribuiu
muitas esmolas, dando aos cegos e aleijados cédulas de dez mil réis.
À tarde, em frente à igreja, reuniram-se todos. Traziam os bolsos cheios de
níqueis e pratas. Lampião deu ordem para que despejassem as moedas, a fim de
poderem carregar maior quantidade de munição. Nas proximidades estavam muitas
crianças. Os bandidos começaram a atirar-lhes as moedas. Isso determinou a luta
entre os garotos, com o fim de apanhá-las, o que muito divertia os facínoras.
Houve meninos que conseguiram apanhar mais de 10$000.
Quando levei os dois contos ao bandoleiro, pedindo-lhe que os contasse, Lampião
respondeu: “Não precisa. Tenho todas as confianças”. Em seguida meteu o
dinheiro na bolsa grande que conduz a tiracolo, com alguma dificuldade, pois a
mesma estava recheada.
À noite, Lampião foi à estação do telégrafo, onde se achavam diversas pessoas.
Falou diretamente com Aracati. De momento a momento, o bandido interrompia:
“Cuma diz? Arrepita de novo!” Antes de Lampião retirar-se do aparelho,
comunicou-se com a estação de Russas, obtendo a notícia de que ali chegaria uma
força. Declarou, então, que queria ficar só, dizendo-me, com uma intimidade
revoltante: “É bom, vamos botá tudo pra fora. Aqui só fica eu, senhô e aquele
rapaz”. Referia-se ao telegrafista. Quando o sinistro assassino certificou-se
de que, de fato, havia forças em Russas, encolerizou-se gritando: “Vou defender
a cidade!” mandando, em seguida, empiquetar as estradas. Com muito custo
consegui demovê-lo do contrário obtendo que o grupo se retirasse. Lampião
aquiesceu com a condição de indicar-lhe, eu, a fazenda de uma pessoa conhecida,
onde o bando pudesse pernoitar. Assim foi feito. No dia seguinte, chegou a
força paraibana, que cometeu os maiores desatinos. A sua atitude foi tal que a
cidade ficou inteiramente deserta. Apesar de ter chegado inesperadamente,
ofereci-lhe almoço, que o tenente Quelé recusou, dizendo ser pequena a sua
demora. Mais tarde, porém, resolveram adiar a partida. Pediram refeição. Na
impossibilidade de prepara-la de repente, mandei-lhe queijos, rapaduras e
bolachas. Comeram, as praças, cinco e meia arrobas de queijos.
A força do tenente Quelé tem no seu meio indivíduos que foram cangaceiros de
Lampião. Um deles já serviu dois anos com o terror do Nordeste.
A imagem do prefeito Felipe Santiago de Lima foi extraída do site http://maurilofreitas.blogspot.com.br/…/capitulo-ii-2-oliga…
Fonte: facebook
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