Por Pedro do Cordel - Pedro Popoff.
Antonio
Amaury, nossa pequena homenagem para o senhor, nosso maior exemplo de retidão,
caráter, seriedade e o seu legado para a história do Brasil é incontestável.
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Por Pedro do Cordel - Pedro Popoff.
Antonio
Amaury, nossa pequena homenagem para o senhor, nosso maior exemplo de retidão,
caráter, seriedade e o seu legado para a história do Brasil é incontestável.
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Os cantadores violeiros e repentistas do Nordeste são a maior, mais espontânea, mais pura e mais apaixonante reserva da poesia do Brasil. Cego Aderaldo, o mais famoso patriarca de todos eles, atualmente com 92 anos de idade está morrendo mais de solidão do quê de velhice.
Aderaldo Ferreira de Araújo completa agora 74 anos de escuridão. Nasceu no Crato, Ceará, entre os Canaviais do Cariri, entre caboclos beliciosos e ágeis. Como diria o poeta Jáder de Carvalho.
Aos 18 anos quando trabalhava de folguista no motor de descaroçar algodão tomou um copo d’água com corpo quente e seus olhos explodiram no mesmo instante. Três meses depois morria ali a mãe, um ano depois o pai e ele ficou só no mundo.
Sua família passou a ser a escuridão porque ainda hoje dialoga na eternidade de sua noite. Com vergonha de pedir esmola tornou-se cantador.
Cheguei aos 18 anos
perdendo a vista a clareza
não posso enxergar os campos
os quadros da natureza
até de vista tocou-me
esse quinhão de pobreza!
Hoje, não vejo os refolhos
dois lindos cravos azuis,
não vejo o mar cheio de escolhos
mas tenho fé que meus olhos
um dia enxergam Jesus!
Peleja com Zé Pretinho
Ídolo do povo nordestino, mobilizador de auditórios, centralizador das atenções da massa nas feiras e ajuntamentos, alvo de curiosidade e estima nas grandes cidades, inclusive Rio e São Paulo: enfim, uma figura quase lendária pela sua fama de mais de meio século varando fronteiras, sempre esteve cercado de carinho e de afeto de alegria e de loquacidade, de risos e gargalhadas, de prestígio e de glória, escancarando a alma dura e rude, simples e boa, em constante sintonia com a sensibilidade de milhares de brasileiros que se criaram ouvindo o nome, as histórias, os versos, principalmente aqueles de sua peleja com Zé Pretinho do Tucum, quem foi publicada em primeira mão pela Tipografia Guajarina, de Belém do Pará, em 1916.
Zé Pretinho:
“Cala-te, cego ruim,
Cego aqui não faz figura;
Cego quando abre a boca
É uma mentira pura;
O cego quanto mais mente,
Ainda mais sustenta e jura.”
Cego Aderaldo:
“Esse negro foi escravo,
Por isso é tão positivo;
Quer ser na sala de branco
Exagerado e Altivo:
Nego de canela seca,
Todo ele já foi cativo.”
Zé Pretinho:
“No sertão eu peguei,
Um cego mal criado,
Danei-lhe o machado,
Caiu, eu sangrei,
O couro eu tirei,
Em regra de escala,
Espichei na sala,
Puxei para um beco,
Depois de bem seco,
Fiz mais de uma mala.”
Cego Aderaldo:
“Negro é monturo,
Mulambo rasgado,
Cachimbo apagado,
Recanto de muro,
Negro sem futuro,
Perna de tição,
Boca de pilão,
Beiço de gamela,
Venta de moela,
Moleque ladrão.”
A certa altura da Peleja, o cego puxou um trava-língua, o que foi a derrota de Zé Pretinho:
“Amigo José pretinho,
Eu não sei o que será,
De você no fim da luta,
Porque vencido já está:
Quem a paca cara compra,
Paca cara pagará.”
Zé Pretinho:
“Cego, eu estou apertado,
Que só um pinto no ovo.
Estás cantando aprumado,
E satisfazendo ao povo;
Esse teu tema de paca
Por favor diga de novo.”
Cego Aderaldo:
“Diga uma vez, digo dez,
No cantar não tenho pompa,
Presentemente não acho,
Quem este meu mapa roupa;
Paca cara pagará
Quem a paca cara comprar“.
Zé Pretinho:
“Cego teu peito é de aço,
Foi bom Ferreiro que fez,
Pensei que o cego não tinha
No verso tal rapidez,
Segue, se não for maçada,
Repita a paca outra vez”.
Cego Aderaldo:
“Arre com tanta pergunta
Desse nego capivara!
Não há quem cuspa pra cima
Que não lhe caía na cara;
Quem a paca cara compra,
Pagará a paca cara”.
Zé Pretinho:
Agora cego me ouça,
Cantarei a paca já,
Tema assim é um cabrito,
No bico do Carcará,
Quem a cara, cara compra
Caca… caca… Carcará”.
Houve um trovão de risadas,
Com verso do Pretinho,
O capitão Duda disse
-Arreda para lá Negrinho,
O Cego canta sozinho”.
Essa peleja, largamente difundida nos livros de Leonardo Mota, levou o nome do Cego Aderaldo para aos quatro cantos do Brasil, projetando-o além-fronteiras e em diversas línguas. Ano passado (1966), o escritor Robert Lewis, da Universidade de Cambridge, veio diretamente de Londres para o entrevistar no Quixadá. Recentemente, a estudante francesa Anne Arnichand, bolsista da Universidade de São Paulo, esteve em Fortaleza com a finalidade exclusiva de conhecê-lo e fazer um estudo sobre a Literatura de Cordel como um elemento de formação cultural do Nordeste.
Não está na miséria
Ao contrário do que foi noticiado, o Cego Aderaldo não está na miséria nem passando qualquer privação. Em reconhecimento ao seu valor e a projeção que têm dado ao Nordeste e ao Brasil como uma das maiores figuras do nosso folclore, o velho cantador do povo, que é, por assim dizer, o maior patrimônio humano do Ceará, vem recebendo há já vários anos uma pensão da União, do Estado e da Prefeitura de Fortaleza, de sorte que sua velhice não sofre nenhum dissabor de ordem financeira. Além disso, conta com um “pai rico”, na figura do seu amigo Francisco Pinto, industrial cearense em São Paulo, que não lhe deixa faltar nada, inclusive médico à cabeceira. Atacado, ultimamente, de diabetes, Aderaldo perdeu quase vinte quilos, porém já se encontra em fase de restabelecimento, com vontade de entrar na casa dos cem anos. Só não se conforma com a dieta e com a solidão, pois só gosta de estar “onde tem barulho de gente”. Por ocasião de nossa visita, improvisou;
“Vivo aqui nesse silêncio,
Contra minha natureza,
Sem falar com os amigos,
Sem ver do mundo a beleza,
Além de cego sozinho,
Eu vou morrer de tristeza.”
As três maiores figuras do Nordeste
Padre Cícero, Lampião e cego Aderaldo são as três figuras marcadamente típicas e legendárias, que por muito tempo ainda viverão na lembrança e no amor das gentes sertanejas. Virgulino Ferreira, o terrível dínamo de energias bárbaras, a espalhar o terror e calafrios na zona de caatinga, marcou, ao longo de sua sinistra carreira de crimes e violências, toda uma fase da vida do Nordeste, que a Sociologia do Cangaço, há despeito da exploração desenfreada e quase abusiva do tema, Ainda não conseguiu caracterizar definitivamente em suas múltiplas facetas.
Padre Cícero, o grande carismático, o grande taumaturgo de rosário e punhal, o santo que andava meio metros acima do chão, continua a exercer poderosa influência na fé e devoção de milhares de romeiros ou fanáticos que se deslocam dos mais longínquos recantos do Nordeste, muitas vezes a pé, esmolambados e famintos, para pagar ao meu padim, em Juazeiro do Norte, comovidas promessas por milagres e graças alcançadas. É uma figura cada vez mais viva no misticismo de gerações sucessivas.
Aderaldo é solteiro, porém, criou e educou 26 filhos. Numa estrofe sentida, confessa:
“Quis casar me, oh, que loucura,
Quando pensei em casar,
Deixei e fui meditar,
Fui pensar na vida escura,
Nesse cálice de amargura,
Que recebo dia a dia,
Ouço apenas melodia,
Acostei-me à flor de um goivo,
De repente fiquei noivo,
Me casei com a poesia”.
É pena que a Comissão Nacional do Folclore nunca se tenha dado ao trabalho de documentar em disco, ou mesmo fita, ao menos uma pequena parte de sua obra.
Texto e fotos de Rogaciano Leite – Jornal do Brasil quarta-feira 14 de junho de 1967, Caderno B, página 5.
https://tokdehistoria.com.br/2022/01/04/cego-aderaldo-o-canto-solitario-do-nordeste/
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Por Aderbal Nogueira
https://www.youtube.com/watch?v=xM1wmyHyg44&ab_channel=AderbalNogueira-Canga%C3%A7oQuer ajudar nosso canal? Nossa chave Pix é o e-mail: narotadocangaco@gmail.com Nesses 2 vídeos que estou postando hoje, 17/out/2021, está a entrevista completa que fizemos com Seu Chiquinho Rodrigues no final dos anos 90 na cidade de Piranhas. É um pedido que várias pessoas fizeram para postar essa entrevista na íntegra. PARTE 1
- Como e quando Seu Chiquinho chegou a Piranhas - Ele fala que conheceu Anália Ferreira, irmã de Lampião, em uma viagem de canoa - Fala também do grande movimento de canoas pequenas, grandes e até de navios, no São Francisco - Quis se alistar como volante - Fala sobre automóvel em Piranhas nos anos 30 - Piranhas e o medo de Lampião - Ataque de Lampião a Entremontes - Chegada do aviso que os cangaceiros iam invadir a cidade Link desse vídeo: https://youtu.be/xM1wmyHyg44
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Por Aderbal Nogueira
Link desse vídeo: https://youtu.be/xtz8Ef1Q_xg
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Acervo José João Souza
Do acervo do professor, escritor e pesquisador do cangaço Rubens Antônio
Diligencia, ferimentos, louv, promoção, pezames e exclusões sor por fallecimento
Segundo telegramma do Sr. Capitão José Galdino de Souza, dirigido ao Exmo. Sr. Dr. Secretario da Policia e Segurança Publica e por essa autoridade remettido, por copia, a este Commando, dera–se no dia 7 do corrente ás 9 horas do dia, no povoado de Aboboras, municipio de Jaguarary, um encontro da força comandada pelo 2° Tenente Odonel Francisco da Silva com o grupo do bandido “Lampeão”, travando–se, ali, uma lucta de cerca de uma hora, da qual sahiram feridos o 2° Tenente Odonel Francisco da Silva, o 2° Sargento Manoel dos Santos Vieira e o soldado Octacilio José de Senna, tendo perecido na acção os soldados Manoel do Nascimento de Souza e José Rodrigues da Silva, constando haver fallecido um dos parceiros do terrivel fascinora, achando–se outros feridos.
Entre os seguintes ferimentos recebidos pelo 2° Tenente Odonel Francisco da Silva e 2° Sargento Manoel dos Santos Vieira; o primeiro, no terço inferior do braço esquerdo proximo á articulação do cotovello e olecrana, Produzido por projectil de arma de fogo, com orificios de entrada e sahida; o segundo – ferimento produzido por projectil arma de fogo, no terço medio do braço direito com fractura do humerus e com orificios de entrada e sahida.
Louvo ao 2° Tenente Odonel Francisco da Silva, ao Sargento Manoel dos Santos Vieira e ao soldado Octacilio José de Senna, por terem revelado, como ficou cabalmente provado, a comprehensão exacta dos seus deveres de mantenedoras da ordem publica bravura incontestavel que é o apanagio das classes armadas.
Na forma do art. 33 do R.F.P.E.B. promovo ao posto de cabo d’esquadra, por acto de bravura o soldado Octacilio José de Senna.
Dou pezames a esta Força, pela perda dos soldados Manoel do Nascimento de Souza e José Rodrigues, valorosos elementos que tombaram sem vida no cumprimento do dever, e determino, pelo motivo referido, as suas exclusões do estado efectivo do 3° e 1° Batalhões, respectivamente.
Ainda, de accordo com a determinação do Exmo. Sr. Dr. Secretario da Policia e
Segurança Publica, promovo ao posto de cabo d’esquadra, “post–mortem”, de
acordo com a Lei em vigor, os soldados Manoel Nascimento de Souza e José
Rodrigues da Silva, que foram victimas do cumprimento do dever.
E continua Joaquim Pereira da Silva, "a interação entre as duas sedes sempre foi muito normal. Fosse a cavalo ou a pés, nas veredas de ligação entre as duas sedes tinha alguém levando ou trazendo notícias/recados.
"Coincidentemente, as duas últimas visitas de campo na preparação do Cariri Cangaço de Serra Talhada a comitiva fez o mesmo trajeto que fez o pequeno grupo em número de sete, dos irmãos Ferreiras (Antônio, Livino e Virgolino), Antônio Rosa, Primo, Meia Noite e João Mariano indo da Pitombeira para Carnaúba para se juntar ao bando de Sinhô Pereira em agosto de 1920
... acontece que eles se apresentaram a Isidoro Conrado , na Pitombeira, inclusive, na ocasião gerou um certo alvoroço pois quando vistos não sabia se cangaceiros ou volantes (para os Pereiras não fazia diferença, ambos causavam medo/terror na época); o próprio Isidoro foi chamado e ao observar disse: tenham calma, estão se aproximando de forma ordeira, ou seja, em fila indiana e mão nas bandoleiras dos seus rifles 44 ou de suas armas. Chegaram, se apresentaram e disseram o motivo, daí foi enviado à campo um vaqueiro de confiança para localizar o bando de Sinhô e foi fácil, ali próximo na Fazenda Carnaúba o encontrou e resto da história todos nós sabemos; nascia logo em seguida o Mito Lampião, assim também foram as duas últimas visitas da Pitombeira para a Carnaúba", conclui Joaquim Pereira.
Era 6 de novembro de 1919, a volante de Zé Caetano; formada por cerca de 70 homens, formada por militares, contratados e civis; dentre esses estava Sindário Carvalho; recebe a informação que havia grande concentração de cangaceiros na região da serra da Forquilha, perto de da atual Mirandiba e de Tupanaci ;comandavam a tropa além de Zé Caetano, os tenentes Manuel da Costa Gomes e Augusto de Lira Guedes. As tropas chegaram ao coito do bando com a luz do dia e cercou uma casa em escombros onde a volante desconfiou que seria onde estavam os cangaceiros. A desconfiança se confirmaria logo em seguida. Com a proximidade da tropa os cangaceiros liderados por Luiz Padre abrem fogo e de imediato tombam oito militares, um desses acabou morrendo e os outros sete ficaram feridos. Passado o primeiro choque do combate os homens comandados por Zé Caetano readquirem forças e partem para o tudo ou nada contra os cangaceiros, conseguem invadir os escombros da antiga casa provocando a retirada dos cangaceiros. No final do dia chegaria ao local do fogo, o reforço de Theophanes Torres, mas já não havia combate. Sinhô Pereira apesar de presente na área do fogo, não participou diretamente do mesmo, estava com outro grupo de cangaceiros distantes da casa que havia sido cercada, onde se encontrava os homens de Luiz Padre...
CERCO AOS CANGACEIROS E TIROTEIO COM A POLÍCIA NA SERRA DA FORQUILHA, por Valdir Nogueira.
No dia 6/11/1919 o capitão José Caetano de Melo, auxiliado pelos tenentes Manuel da Costa Gomes e Augusto de Lyra Guedes, cercou o grupo de bandidos chefiado por Luiz Padre e Sebastião Pereira, na Serra da Forquilha, nos limites do distrito de Queixada, Belmonte, com Vila Bela, travando-se cerrado tiroteio entre a força e os bandidos. A força foi bastante sacrificada. Os bandidos conseguiram fugir deixando um companheiro preso e gravemente ferido. Um soldado morreu na luta, ficando feridas oito praças. A força policial sofreu uma grande derrota nesse confronto.
LUIZ PADRE ESTÁ FERIDO? Com essa manchete publicou o jornal A Província, na ed. 311, p.1, de 15/11/1919: “Estou informado com fundamento que o bandido Luiz Padre, saiu ferido levemente na região frontal em consequência do tiroteio havido em 6 do corrente. Saudações. (a) – José Caetano, Comandante Força Volante.” No Folheto XVII, intitulado A Primeira Caçada Aventurosa, do Romance D’ A Pedra do Reino e o Príncipe do sangue do vai-e-volta, 2ª Ed. 1972, p. 83, o escritor Ariano Suassuna, rememorou esse acontecimento: “Saímos, tomando o lado do qual se avista, do terraço (do casarão da fazenda Carnaúba), a célebre “Serra da Forquilha”, aquela na qual um dos Pereiras mais valentes do nosso tempo, Sinhô, Chefe venerado de Virgolino Ferreira Lampião, tinha obtido vitória num sangrento combate contra a Polícia e os Carvalhos”.
Sobre esse último confronto da polícia com os cangaceiros, publicou o jornal A Província em 5/12/1919: “E em nome da justiça e do direito, levado pelo sentimento de humanidade que venho pedir agasalho no seu jornal, para estas despretensiosas considerações, a respeito dos últimos acontecimentos de que tem sido teatro Vila Bela; considerações que apenas visam fazer ecoar, ai, com clareza, os tristes fatos que se vem desenrolando aqui e, sobretudo, patentear aos leitores o miserável, triste e desolador estado a que se tem arrastado este município em dias passados, próspero e florescente. Parece que sobre esta região malfadada pesa um tremendo castigo da justiça divina. E é tal, senhores redatores, o estado moral desta malograda cidade sertaneja, que parece achar-se contaminado tudo, saturado o próprio ambiente deste instinto de vingança, de ódios, de paixões e de bastardos interesses.
Preciso se faz, portanto, ser homem forte, de fibratura comum, para se não deixar vencer num meio assim pelo ímpeto das paixões e dos interesses próprios e particulares que fascinam e arrastam os espíritos fracos. É sob a dolorosa impressão de um espetáculo triste que o humilde rabiscador destas linhas escreve. Ao findar da tarde do dia de ontem, 9 do corrente, Vila Bela toda se alvoroçou e de todas as portas das casas da Rua Grande, curiosos procuravam lá para as bandas do poente observar o lúgubre cortejo que se avizinhava, cortejo de soldados estropiados a passos tardos, desprevenidos, sujos e estragados que ladeavam duas redes, uma carga e cavaleiros; eram os feridos do último encontro da força com Sebastião Pereira e Luiz Padre. Não se descreve, nem se pode avaliar o que foi a entrada dessa força, desbaratada pelos cangaceiros.
Um espetáculo não podia ser mais enternecedor. Não é aqui o lugar de descrevê-lo, nem é esse o meu intento. Uma coisa, porém, merece ser reparada: é o carinho e a dedicação com que foram e vem sendo tratados até hoje, 10 de novembro de 1919 (o encontro das forças e consequentemente os ferimentos se verificaram a 8) essas pobres vítimas do dever, esses pobres soldados que se empenharam na patriótica missão de extinguir o banditismo da plaga sertaneja. Atirados aos quartos e salas de um prédio onde deveria funcionar uma escola, se não fora a crise de professores, lá ficaram as vítimas a mercê da sorte e dos cuidados de um pobre velho, sertanejo, curandeiro, que, coitado, de instante a instante os rodeava, até ansioso por fazer-lhes algum bem, de minorar-lhes as dores na absoluta carência dos mais rudimentares cuidados higiênicos. Entre gemidos e ais lá se passou a primeira noite e os miseráveis, coitados, não tiveram nenhum lenitivo às suas mágoas, nenhum bálsamo para acalmar as suas dores.
Hoje estar a findar-se o terceiro dia, depois da triste hecatombe, e, ainda na escola, acobertados de emplastros de angico, cipó vermelho, e quanta raiz de pau existe apropriado à cura dos balaços, segundo a terapêutica sertaneja, devem estar a esta hora os pobres polícias do terceiro.Infeliz corpo de segurança pública, que no sertão tem tão mal segura a vida! Até ontem, cerca de 11 horas, o próprio caldo, o mesmo pão, tanto que ao tratador uma praça pedira um bocado, alegando que só comera no dia anterior ao meio dia, que chegaram por fim, uns magros 5$000, mas o problema continuava insolúvel; quem lhes havia de comprar a carne e cozinhar o caldo? Eis aqui, senhores redatores, no regime atual como se trata o soldado, o elemento de nossa defesa, e a nossa garantia num tempo de coisa direita! Direi aos vossos leitores, contai por ai, que na hoje tão falada Vila Bela, cujo nome mais próprio lhe fora Vila Bélica, uns poucos soldados passaram dias amargurados, fetibundos, mal tratados arquejantes, varados de balas, talvez maldizendo o momento negro e triste em que se fizeram praças. Eis aqui, qual é a sorte do infeliz soldado no sertão nos tempos bons que vão correndo!
Vila Bela, 10 de novembro de 1919”.
EMBOSCADAS,TIROTEIOS E O ATAQUE À FAZENDA CARNAÚBA
Por Valdir Nogueira
No dia 24 de julho de 1921, foram emboscados às 6 horas da manhã quando atravessavam Vila Bela para Leopoldina (Parnamirim), o coronel Jambo, chefe político local ali, acompanhado de sua cunhada dona Francisca Granja e do pai desta, major Ildefonso Cardoso, de dois boiadeiros e dos srs. Antônio Ribeiro Antunes e Odon Alencar, abastados fazendeiros residentes na fazenda “Canto do Buriti”, no município de São Raimundo, no Estado do Piauí, ao atingirem a fazenda “Patos”, município de Vila Bela e propriedade da família Pereira, foram surpreendidos por diversos tiros desfechados por um grupo de cangaceiros composto de cinco indivíduos, chefiados por Sebastião Pereira; das descargas resultaram os bárbaros assassinatos do coronel Antônio Ribeiro Antunes, e de dona Francisca Granja que era esposa do Sr. Rogério Granja, negociante em Custódia.
Três animais pertencentes à montada dos mesmos caíram por terra gravemente feridos. Em seguida os criminosos praticaram um roubo da importância de 1;000$000 em dinheiro, que conduzia o dito Antônio Ribeiro. O saque deixou de ser maior em virtude de terem os referidos boiadeiros guardados as maiores importâncias em dinheiro nas cargas que vinham um pouco atrasadas. O capitão José Caetano, logo que soube do ocorrido, seguiu incontinenti para o local do fato acompanhado de força e dali seguiu ao encalço dos bandidos até a fazenda “Poço do Serrote”, depois fez conduzir os corpos para Vila Bela, tendo antes dali feito seguir uma força no roteiro dos bandidos.
Depois das ocorrências da fazenda “Patos”, no dia 28 de julho, esse mesmo grupo de cangaceiro atacou a povoação de Bom Nome, travando tiroteio com a força do tenente Domingos Geraldo que ofereceu resistência, evitando assim mais um saque. Todavia, naquela ocasião, os cangaceiros conseguiram ainda incendiar uma bolandeira de propriedade do comerciante Cícero Bezerra do Nascimento, e cortaram também o fio telegráfico.
Dias após, novo ataque a mão armada era levado a efeito pelo mesmo grupo de Sebastião Pereira. Desta feita, foi emboscado um grupo de negociantes de Belmonte, sendo-lhe roubadas mercadorias em quantia superior a 20;000$000. Diante dessa ocorrência os ditos comerciantes telegrafaram para Vila Bela solicitando para serem detidas ali as suas cargas de mercadorias até segunda ordem, e informando também que ficaram cientes que o grupo de Sebastião Pereira andou propagando que iria incendiar as cargas do coronel Veremundo Soares, de Salgueiro.
Ao referido grupo, juntou-se um grosso contingente de cangaceiros chefiado pelo bandido Antônio Matilde, que chefiou por sua vez, outro grupo do Estado de Alagoas. Em sendo assim, o numeroso grupo passou a ameaçar de que iria atacar Vila Bela. Ciente do objetivo do grupo de cangaceiros, o capitão José Caetano, seguiu com a força de que dispunha no encalço dos bandoleiros. Na batida dada nas catingas, a citada autoridade encontrou em um serrote entre as fazendas “Carnaúba” e “Humaitá” parte do saque feito ultimamente aos negociantes de Belmonte. Dos vestígios deixados pelos cangaceiros, o capitão José Caetano pode concluir se acharem os mesmos homiziados na fazenda “Carnaúba” do coronel Manoel Pereira Lins.
Ao se aproximar daquele local, foi a força atacada pelos cangaceiros, que entrincheirados na casa-grande da velha fazenda, atiravam pelas “torneiras” (buracos abertos nos cantos das paredes), travando-se renhido tiroteio de que resultou a morte do bandido Luiz Macário, cabra de total confiança. Nascido na fazenda “Baixio”, Luiz Macário, “caboclo forte, raçudo, bom de pontaria e no corpo-a-corpo”, era filho de Macário, antigo escravo do Dr. Arcôncio Pereira da Silva. Considerado um dos melhores homens de Sinhô Pereira, existe a versão que Luiz Macário teria sido morto não pela volante de Zé Caetano e sim por outro cangaceiro. Um “fogo amigo” encomendado por uma mulher que era amante de outro cabra do bando e não gostava de Macário. O chefe cangaceiro nunca conseguiu saber de onde partiu o tiro que fez seu amigo tombar sem vida. Depois dessa peleja, evadiu-se Sebastião Pereira com seu grupo em direção a Bom Nome, porém, no caminho, bem próximo à vila, encontraram com o Sr. João Bezerra do Nascimento (1), no entanto, na ira em que estava possuído, em decorrência da morte de Luiz Macário, desfechou Sebastião Pereira um tiro naquele inocente homem e o matou. As forças do capitão José Caetano se transportaram para o local, não encontrando mais o grupo de criminosos.
Sobre a morte de João Bezerra, quando da única visita ao seu torrão natal, em 1971, 49 anos depois após a sua despedida do cangaço e partida para Goiás, declarou Sebastião Pereira numa entrevista concedida ao Sr. Luiz Lorena: Lorena - Depois de tanta refrega por que se retirou para o Planalto Central do país? Sinhô – A família Pereira (minha família) vivia atormentada em face de minhas ações. Era imperativo mudar a face da história. Lorena – Quais os fatos que mais perturbaram você? Sinhô – Vários. No começo tudo o que eu fazia errado dava certo. Com o passar do tempo tudo o que eu fazia certo dava errado. Lorena – Entre estes, você pode destacar um? Sinhô – Sim. A morte de João Bezerra em Bom Nome. Na forma como eu procedi, acelerou minha decisão. O meu estado de espírito estava de tal forma desajustado que eu já não tinha condição de conduzir as ações do grupo que comandava.
NAS PROXIMIDADES DE BOM NOME POLÍCIA TRAVA MAIS UM TIROTEIO COM O GRUPO DE SEBASTIÃO PEREIRA
Em princípios do mês de novembro de 1921, o delegado de Belmonte, acompanhado de uma força policial, depois de minuciosas indagações, conseguiu descobrir o roteiro do grupo de cangaceiros chefiado por Sebastião Pereira. Tratou de emboscá-lo, o que, com efeito, realizou. Em seguida, rompeu fogo contra o grupo sendo correspondido. Com a força policial participou gente dos Carvalhos: o destemido Antônio Alves de Carvalho (Antônio Cipriano), Mariano Mendes de Moura (esse participou do assassinato de Padre Pereira) e Miguel Umbuzeiro. O tiroteio durou mais de uma hora, terminando com a debandada da polícia, em face do grupo ter se livrado da emboscada. Nesse fogo morreram dois policiais e saíram dois outros gravemente feridos. Outros desapareceram. Consta que os componentes do grupo de cangaceiros nada sofreram. O delegado de Belmonte temendo a derrota do resto da força, diante da audácia dos bandidos, recuou para o povoado de Bom Nome, onde ficou aguardando auxílio. Chegando ao conhecimento do capitão José Caetano, em Vila Bela, a notícia da derrota de seu colega de Belmonte, aquele oficial seguiu, sem perda de tempo, para o povoado de Bom Nome, acompanhado de um contingente de 60 praças, todas bem municiadas. O capitão José Caetano, após pequena demora no referido povoado, enquanto conseguia informações sobre o tiroteio, marchou em demanda do local onde se achava homiziado o grupo de Sebastião Pereira, a fim de dar-lhe combate. No entanto, o Sr. dr. Luiz Correia, tendo recebido comunicação detalhada da derrota da sua força, conferenciou com o coronel Alfredo Duarte, comandante interino da Força Pública do Estado, onde se combinou o melhor meio para combater o grupo de cangaceiros de Sebastião Pereira. Assim ficou acertada a ida de uma força policial para Vila Bela que, incorporada as que ali já se encontravam, poderiam exterminar com o referido grupo de cangaceiros. No dia 19 de novembro de 1921, seguiu para Vila Bela, em carro especial atrelado ao comboio do horário, uma força de 50 praças, sob o comando do tenente coronel Estevão Câmara, comandante do 2ª batalhão. Esse oficial teve como auxiliares o capitão Lindolfo Jorge dos Santos e os segundos tenentes: Francisco Rodrigues (Bigode) e Horácio Carneiro.
Manoel Pereira Lins, conhecido por Né da Fazenda Carnaúba, nasceu no dia 23 de junho de 1868, foi Coronel da Guarda Nacional, filho de Joaquim Pereira da Silva (Joaquim da Carnaúba), exerceu grande liderança no seio da Família Pereira, renomado fazendeiro, foi Prefeito de São José do Belmonte entre os anos de 1902 a 1904, também Vereador em Serra Talhada por três legislaturas, quando precisou nos momentos mais críticos do século passado envolvendo a Família Pereira, também segurou armas. Ao lado do Coronel Antônio Pereira financiou vários gastos nas contendas, faleceu em 1964. Seu Né da Carnaúba foi um dos parentes que aconselhou Sinhô Pereira e Luiz Padre a encostar armas e ir para o planalto central.
Valdir Nogueira comenta: "bela, memorável e aprazível, a capelinha localizada a poucos metros da sede da fazenda, agora solitária, mas calma, modesta e valente, por todos estes anos tem sido, por assim dizer, um verdadeiro marco visual a compor a bonita paisagem sertaneja daquele antigo reduto da família Pereira que no passado teve como um de seus notáveis proprietários o coronel Manoel Pereira Lins, o famoso Né da Carnaúba, hoje sepultado naquele histórico e bucólico templo."