Por Junior
Almeida
Para alguns a
definição de sonho é que se trata de uma experiência que possui significados
distintos se for ampliado um debate que envolva religião, ciência e cultura. Já
para a ciência, é uma experiência de imaginação do inconsciente durante nosso
período de sono. Desde os tempos remotos sonhos são citados na história como
uma espécie de guia, de conteúdos reveladores para a salvação. Por exemplo, a
Bíblia narra os famosos sonhos de José do Egito.
Segundo as
Escrituras, o filho de Jacó, antes mesmo de ser vendido como escravo por seus
invejosos irmãos e no futuro se tornar pessoa de confiança do faraó, já
interpretava sonhos. Em uma de suas primeiras revelações José disse aos seus
irmãos que tinha sonhado que “estavam no campo amarrando feixes de trigo e de
repente, o seu feixe ficou de pé, e os feixes dos irmãos se colocaram em volta
do seu e se curvavam diante dele”. Conta à história que os irmãos, que já não
gostavam de José, aumentaram mais ainda seu ódio por ele.
Ainda vivendo
em seu lar José sonhou e revelou aos seus irmãos outro sonho que teve, sendo
entendidos esses sonhos como prenúncio da sua futura grandeza. Na “revelação” o
filho preferido de Jacó via o sol, a lua e onze estrelas se curvaram diante
dele. Seria o que as pessoas fariam no futuro, quando esse depois de algum
tempo preso injustamente interpretou o sonho do faraó, onde previa sete anos de
fartura e sete anos de seca no Egito, quando o faraó via em seu sonho sete
vacas magras devorando a mesma quantidade de vistosas vacas no Rio Nilo.
O Livro
Sagrado também fala que o anjo Azael visitou em sonho por algumas vezes outro
José, esse descendente do Rei David e pai adotivo de Jesus. O objetivo de tais
aparições em sonho do enviado de Deus seria para guiar a Sagrada Família em sua
jornada e livrar-lhes dos perigos, bem como revelar ao casticismo esposo de
Nossa Senhora o que se passava com sua companheira. Deus teria falado tanto em
sonho com São José, que existe até uma imagem do santo denominada “São José
Dormindo”, onde o santo carpinteiro aparece deitado,dormindo, esperando as
instruções do anjo.
Na história
bem mais recente, alguns episódios do cangaço também tiveram como pano de fundo
o misticismo e os sonhos. Por tantas vezes se falou sobre as superstições que
guiavam Lampião, ou em revelações nas rezas e sonhos. Na minissérie da Rede
Globo, de 1982, “Lampião e Maria Bonita”, que teve Nelson Xavier interpretando
o rei do cangaço e Tânia Alves como sua companheira, mostra a mulher de
Virgulino sendo avisada em sonho que iam morrer numa emboscada. Claro que o
sonho da “Santinha” de Lampião no seriado está no campo da liberdade artística
do diretor, não se tendo comprovação de que realmente tenha acontecido, mas em
outros casos da história do cangaço, sonhos guiaram pessoas e revelaram
salvação bem como tragédias.
No episódio da
chacina dos Gilos, no Sítio Tapera, em Floresta, Pernambuco, no ano de 1926,
por exemplo, o misticismo se fez presente, quando uma rezadeira teria dito a
Manoel de Gilo o paradeiro de seus burros roubados por Horácio Grande. A
mística mulher teria alertado que esse deixasse os animais pra lá, pois em suas
orações “via” que se fosse atrás dos animais, uma grande tragédia cairia sobre
sua família, fato esse que aconteceu em 28 de agosto de 1926, onde quase toda
família Gilo foi dizimada pelas calúnias de Horácio Grande e fúria de Lampião,
nesse caso usado como arma de vingança.
No ano
seguinte, durante o fracassado ataque a Mossoró, onde morreram alguns cabras de
Lampião, e o Rei Vesgo sofreu uma de suas maiores derrotas de sua carreira de
bandoleiro, outro episódio “do outro mundo” no mínimo inusitado apareceu na
história. Conta Aglae Lima de oliveira em seu “Lampião, Cangaço e Nordeste” que
já depois de morto, o pernambucano José Leite de Santana, vulgo Jararaca,
apareceu em sonho para uma mulher de nome Joaninha Rosário para lhe mostrar
onde estava enterrado o seu tesouro, a chamada botija. Segundo a autora, o
casal Chico e Joaninha Rosário viviam de matar bodes e eram muito pobres.
Moravam a
aproximadamente um quilômetro da casa de um italiano em que o cangaceiro ferido
tinha ido pedir socorro. No sonho um aflito Jararaca teria dito que a sua alma
estava nas trevas, penando muito por ter enterrado seu dinheiro, e portanto
daria a botija a Joaninha em troca da liberdade da sua alma. No sonho o
cangaceiro teria revelado o local exato de onde estava o tesouro, que era nas
proximidades da casa do casal de “bodeiros” em baixo de três oiticicas e
sinalizado com uma medalhinha “Deus te Guie”. O casal seguiu todos os rituais
místicos dos arrancadores de botijas e se deram bem. Pra quem não tinha nada na
vida, poderam levantar as mãos pro céu e rezar para agradecer a Jararaca, pois
com parte do dinheiro da botija, 80 contos de réis, o casal comprou uma
fazenda.
Só para ter
uma noção do valor da botija de Jararaca, o dinheiro exigido por Lampião para
não atacar Mossoró era 400 contos de réis. Dia 26 de março de 2018 o membro do
grupo Lampião, Cangaço e Nordeste na rede social Face Book, Rivanildo
Alexandrino, postou o que dava para comprar com a quantia que o Rei do Cangaço
queria em terras potiguares. Seguindo o mesmo raciocínio do internauta, vemos
que só com o dinheiro usado para comprar a citada fazenda o casal Chico e
Joaninha poderia comprar 16 carros populares, que em dias atuais seriam
necessários mais de 600 mil reais. Se Jararaca é santo ou não isso é outra
história, mas aparecer em sonho e tirar um pobre casal da miséria já pode ser
considerado por Chico e Joana Rosário como um verdadeiro milagre.
Outro fato da
história do cangaço em que aparece a citação de um sonho foi em Serrinha do
Catimbau, onde em julho de 1935 o bando de Lampião atacou a então vila de
Garanhuns, atualmente município de Paranatama em Pernambuco. Assim como em
Mossoró no rio Grande do Norte, a súcia se deu mal em Serrinha, tendo sido
nesse fogo baleada nada mais nada menos do que Maria Bonita, a rainha do
cangaço. Antes do ataque à vila, porém, os bandoleiros passaram no Sítio
Azevém, onde saquearam a residência e comércio do casal Zé Basílio e Maria
Gracinda, a Branca.
É certo que o
casal ficou sem nada, pois os cangaceiros levaram tudo que o casal possuía, mas
poderia ter sido pior. Dona Branca, a agricultora vítima do bando de Lampião,
faleceu em 2017 com 103 anos de idade, e agradecia a um sonho que tivera dias
antes da invasão de sua casa pelo bando de Lampião. Segundo ela no momento da
agonia de ser ameaçada, lembrou-se de um sonho que tivera dias antes.
Ela sonhou que
chegava uma mulher em sua casa e perguntava se ela tinha medo de Lampião.
Branca no sonho respondeu que sim, pois sabia que os cangaceiros cortavam as
orelhas das mulheres para tirar os brincos e os dedos para tirar os anéis.
Então a mulher do sonho disse que não era assim. Que ela própria tirasse os
anéis e desabotoasse os brincos, e entregasse aos cangaceiros que eles não
buliam com ninguém. Que quando eles procurassem dinheiro, ela mesma fosse
mostrar onde tinha, que eles não buliam com ela de jeito nenhum. Foi o que
Branca fez durante o assalto e isso a deixava de certa forma confiante de nada
de mais grave acontecer com ela e sua família.
*Foto: 1- Dona
Branca, vítima do bando de Lampião em 1935 no dia do seu aniversário de 103
anos; 2- família Cariri Cangaço sobre os escombros da casa dos Gilos, no Sítio
Tapera, Floresta, PE, maio de 2016; 3- cangaceiro Jararaca, preso e assassinado
em Mossoró, RN, em maio de 1927.
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