Por Rangel Alves
da Costa*
O homem eu sei
que é bruto, arrogante, ignorante, feroz, voraz, bestializado e também muito
mal-educado. Mas imaginei que com o tigre fosse diferente.
A falta de
educação humana é disseminada entre mesmo o que há de melhor na espécie. Mas
jamais imaginei que o tigre pudesse ser assim deseducado.
O homem eu sei
que não se pode confiar, pois é astuto demais, ardiloso demais, traiçoeiro
demais. De tudo ruim há no homem. Mas pensei que o tigre fosse diferente.
A esperteza
humana é tamanha que o próprio homem quer passar a perna em si mesmo. Mas nunca
imaginei que o tigre chegasse ao ponto de atacar a própria sombra.
O homem é
predador por instinto, pois vive fazendo tocaia, emboscada, armando arapuca
para traiçoeiramente pegar qualquer um. Mas tinha certeza que com o tigre seria
diferente.
Por ser também
da espécie animal, o homem muito se assemelha às feras mais perigosas, mais
peçonhentas e mortais. Mas sempre imaginei que o tigre jamais desejou ser
comparado ao humano.
A verdade é
que a descrença no reino dos humanos - e pelas justificativas mais evidentes -
faz qualquer inocente da vida imaginar poder encontrar uma realidade bem
diferente entre os ditos irracionais. Mas ledo engano.
Não se deve
generalizar uma espécie a partir de um elemento, mas como o tigre se revelou,
demasiadamente insociável, impetuoso e mal-educado, impossível não temer que o
restante seja de tal ou pior feição.
Não sei bem se
devia revelar o que se passou entre mim e o tigre. Não tenho certeza se está
acertada a decisão de detalhar o porquê, na dependência do estado
comportamental do tigre, doravante evitar ultrapassar o seu território.
Com as
intenções mais cordiais, dele me aproximei lentamente. Um tanto às escondidas,
é verdade. E também levando à mão, como forma de proteção contra outros
animais, uma potente arma.
Talvez fosse a
percepção de minha chegada na feição de caçador, que fez com que o tigre logo
ficasse atento e precavido. Mas não somente isso, pois logo se mostrou pronto
para contra-atacar perante qualquer tentativa minha de violência.
Imaginei que
os animais das florestas fossem indolentes e passivos demais, e por isso mesmo
que os humanos chegavam para fazer o que bem entendessem. Encontrando-os sempre
na lassidão das sombras, adormecidos preguiçosamente, então as armas humanas
simplesmente avançavam sem qualquer reação.
Imaginei que a
floresta fosse um berço de desordem, com todos avançando sobre todos numa luta
sem fim, e por isso mesmo o homem chegava para se aproveitar da situação. E
dizimava o que quisesse sem que nenhum se preocupasse com a extinção do outro.
Mas quando fui
à floresta não intencionei fazer vítimas. E também tinha certeza de que não
sofreria qualquer ameaça ou ataque. Dizem que os bichos reconhecem o estranho
pelo olhar, e certamente os meus olhos não carregavam qualquer brilho de maldade.
O problema é que sou humano, ou penso que seja.
E o humano,
pelo seu longo histórico de crueldade contra a própria espécie e contra a
natureza e os seres das matas, logo é visto com desconfiança e temor. Daí que o
bicho do mato, temendo ser a próxima vítima, ou foge ou se coloca em prontidão
para qualquer revide.
Talvez fosse
por isso que o tigre tivesse me recebido tão mal, de forma deselegante e
mal-educada. Rugiu, bramiu, vociferou. Eriçou os pelos, cresceu em tamanho,
agigantou a cabeça, avermelhou os olhos, levantou uma das patas dianteiras e
mostrou garras longas e afiadas. E depois deu um salto tão feroz que sequer deu
tempo de me proteger.
E de repente
estava diante de mim com uma ferocidade terrível. Tentei argumentar, dizer que
não tencionava fazer qualquer maldade, mas não adiantou. Rugiu novamente e
avançou de vez. Que falta de educação perante o simples visitante.
Já caído,
quando abri os olhos percebi aquela boca imensa passeando pelo meu rosto. Não
sabia se estava sendo acariciado ou comido. Mas se conto a história é porque o
tigre, diferentemente dos humanos, não devora qualquer um. E sabe perdoar os
falsos julgamentos.
Poeta e
cronista
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