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sábado, 7 de maio de 2016

TOCAIANDO AS TOCAIAS

Por Clerisvaldo B. Chagas, 7 de maio de 2016 - Crônica nº 1.507

Escrevendo sobre vegetação e reservas ecológicas para o livro Geografia de Alagoas, resolvemos fechá-lo com a Reserva Tocaia, na periferia de Santana do Ipanema. Ali no final do Bairro Floresta, no lugar onde houve uma tocaia, no tempo da escravidão (episódio publicado por nós) encontra-se essa reserva de caatinga com 21 hectares que englobam o serrote Pintado, um dos montes que circundam a cidade. Houve somente uma tocaia, mas a tradição denominou a área de Tocaias. O nome da reserva, porém, acha-se no singular.

Detalhe da Reserva Tocaia (RPPN) em Santana do Ipanema. Foto (Clerisvaldo).

Ontem, sexta-feira, fomos gastar pneus até a vizinhança da fazenda Coqueiros, contemplar o mato esverdeado das últimas chuvas deste ano. Estava ali, completamente imexível a Reserva Tocaia, cujo perfume invade as narinas dos visitantes. Procuramos, mas não encontramos a placa indicativa e, resolvemos bater algumas fotos para homenageá-la com a melhor no livro em questão.

Famosa por ter sido a primeira reserva particular do estado, visitada por estudiosos e mesmo pela televisão, Tocaia passou a ser um dos pulmões verde que circundam a urbe. Ali dentro têm insetos, pequenas e muitas aves, serpentes, tatus, raposas, preás, saguins e outros animais. Veem-se baraúnas, cedros, imbuzeiros, imbiras, catingueiras, mulungus, diferentes arvoretas e cactáceas que estimulam os pesquisadores.

Temos ainda outras duas reservas de caatinga no município, porém, a do saudoso proprietário, Alberto Nepomuceno Agra, chama atenção por ter sido a pioneira e se encontrar tão perto do centro de Santana.

Fomos fotografando sem passar para dentro da cerca, todavia, a atmosfera de paz ronda quem chega num convite sentido e invisível de bem-estar.

Entre imburanas-de-cheiro, pereiros, velames e mandacarus, flutuam os espíritos dos protetores da caatinga. É bênção visitar uma Reserva.



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ALQUIMIAS

*Rangel Alves da Costa

Os sábios falharam em eternizar a vida humana, transformar os metais em ouro e obter substâncias que curassem todos os males do corpo e da mente. O homem não se fez imortal nem o metal inferior foi transformado em ouro. Mas onde falharam os alquimistas, aqueles velhos bruxos, cientistas e sonhadores, que não conseguiram as fórmulas que superassem os ditames da divina criação?

Mesmo não tendo conseguido seus objetivos, a alquimia sempre foi reverenciada ao longo da História. Os seus objetivos estão insertos no próprio conceito. Tem-se a alquimia como a ciência mística que tem como objetivo principal a transmutação dos elementos da natureza. Daí que incansavelmente os alquimistas se empenharam para criar a Pedra Filosofal, que teria a capacidade de transformar qualquer metal em ouro, e o Elixir da Longa Vida, que daria a imortalidade a quem o bebesse.

Por trás da alquimia estão forças esotéricas, místicas e religiosas poderosas, sendo os alquimistas, por muito tempo, considerados como verdadeiros bruxos. Somente depois, após alcançar um caráter científico, é que sua concepção passou a envolver conhecimentos da astronomia, astrologia, química, metalurgia e filosofia. Nas artes e na literatura, alquimia passou a ter forte disseminação, vez que sua misteriosa prática serviu de pano de fundo para muitas e instigantes criações.

Até hoje se imagina a prática alquimista sendo realizada em porões escurecidos, com velhos e estranhos senhores ao redor de caldeirões, de fórmulas químicas misteriosas, de restos de animais e de árvores, como se estivessem preparando um enfeitiçamento ou uma porção mágica a mando de um rei. Mas não, apenas juntando, pela milésima vez, elementos para enfim chegar ao ouro e à imortalidade. Como dito, jamais conseguiram seus principais objetivos, mas de seus caldeirões, bacias e experimentos, surgiram conquistas até hoje validadas pela Ciência.

Diante da realidade de hoje, num mundo tomado de arrogâncias, violências, barbáries, roubalheiras, desesperanças, terrorismos, ameaças de todos os tipos, nada mais justo que se reinvente a alquimia e se vá buscar na transmudação das realidades cruéis e desumanas a possibilidade de uma existência melhor e mais digna. Não se objetiva a obtenção da Pedra Filosofal, do Cálice Sagrado (Santo Graal) nem do Elixir da Imortalidade, mas tão somente a fórmula de viver.


E qual seria a fórmula de viver, obtida através da moderna alquimia? Antes de tudo, a retomada no homem de seu estado de criação. Ao ser criado, como dádiva divina ao homem foi dado o poder de discernimento, de convivência responsável com os da mesma espécie e dos demais seres da criação, e o comando da vida sobre a terra, através de ações que dignificassem sua existência.

Uma fórmula que estabelecesse na mente humana a retomada de tais princípios, já seria uma alquimia essencial à vida e ao próprio homem. Ora, o homem não foi criado para o mal, para a guerra, para a injustiça nem para a tirania. A transmudação do estado natural para o estágio bestial foi invento do ser humano. O que se deseja apenas é que ele, no seu poder racional de ação, simplesmente compreenda que por sua culpa o mundo se transformou num lugar imprestável à vida. Seria demais mudar?

A mentalidade humanizada do homem redundaria em muitas outras alquimias. E nada impossível ou difícil demais de acontecer. Amar não é impossibilidade, conviver pacificamente não é algo inalcançável, as amizades e os cordiais relacionamentos não são situações irrealizáveis. Tudo tão fácil de ser visto e compreendido. Tanto o homem como a planta e o animal - e assim com todos os seres do planeta - nasceram com seus desígnios e razões de viver, e não parece justo que ocorram interferências para que o ciclo natural seja quebrado por atitudes irracionais.

Uma alquimia que faça renascer na mente humana seu lado bom, seu lado positivo, sua capacidade de fazer o bem e viver honestamente. Não é próprio de nenhum ser humano já nascer propenso à prática do mal, a ter condutas negativas, a se comportar e agir sempre contrariando a paz, a concórdia, o respeito. Duas gotinhas de vergonha na cara e mais umas tantas na mente maldosa e irracional.

E que o fogo queime no próprio fogo. Assim, uma alquimia fazendo com que o mal não alcance ninguém sem que antes o maldoso experimente de seu veneno. Uma porção tão eficaz que faça surgir um eterno espelho diante de cada um. E nele estará espelhado tudo o que foi desonrosamente praticado. Somente assim o homem teria de continuamente conviver com o olho do erro mirando-o a cada passo.

Uma alquimia diferente ou uma chance à vida. Como está comprovado que o homem não deu certo como ser da criação, então que ele seja testado até se transformar noutro ser. Um ser humanizado ou o lobo de si mesmo.

Poeta e cronista
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MARIA BONITA NUMA FOTO ESPETACULAR..!

Foto: Revista A Noite, edição - 02-08-1938

Vendo-se as 07 ( sete ) voltas de ouro que ornamentavam seu pescoço, as quais foram roubadas no assalto de Lampião a Baronesa de Água Branca-AL, além de anéis e medalhões...

Fonte: facebook
Página: Voltaseca Volta‎
Link: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=510415425827103&set=gm.475167699358846&type=3&theater

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FASCINANTES FACÍNORAS

Por Raul Meneleu Mascarenhas

Impiedosos e controversos, alguns bandidos ganham fama e chegam a ser confundidos com heróis, nos diz Lorenzo Aldé, jornalista e professor.

Em reportagem, indicada abaixo por link, cita algumas passagens de autores famosos como Luitgarde Oliveira Cavalcanti Barros e seu livro A derradeira gesta: Lampião e Nazarenos guerreando no sertão, que conferi as chamadas, e Eric Hobsbawm em seu livro Bandidos, que também conferi as notas. Indica outros autores, não conferidos por não possuir tais obras, mas estão indicadas no rodapé, inclusive filmes no youtube.

Lorenzo Aldé inicia suas considerações mostrando-nos uma passagem que está no livro A Derradeira Gesta, que cita Rodrigues de Carvalho que relata esse episódio em seu livro Lampião e a Sociologia do Cangaço, e que Luitgarde Barros, ouviu pela boca de pessoas nas cidades de Pão de Açúcar, Santana do Ipanema (Alagoas) e Poço Redondo (Sergipe), que eu não sei se de "ouvi falar" ou não, pois não acrescenta indicativos de tais testemunhos, que "um homem armado invade uma casa em busca de comida. A dona, humilde viúva da zona rural, não tem o que oferecer. Tomado por um ataque de fúria, o invasor dá uma surra na mulher e depois se volta para o jovem filho da viúva, que presencia tudo. Põe então em prática seu gosto por rituais de sadismo gratuito: enfia o órgão genital do menino numa gaveta e a tranca com chave. Depois, ateia fogo à casa. Desesperado, o rapaz é obrigado a cortar o próprio pênis para salvar a vida."


E quem foi esse homem invasor e insano para fazer uma perversidade dessas? O facínora responsável por esse crime hediondo, segundo Luitgarde foi o próprio chefe do bando, Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião. E Lorenzo Aldé, nos chama a atenção para esse que "é hoje um mito nacional: Virgulino Ferreira, vulgo Lampião. Sua ficha criminal não caberia em todas as páginas desta edição. Durante 22 anos, liderou um bando de cangaceiros em ataques sangrentos num vasto perímetro de sete estados do Nordeste. Arrasavam vilas e propriedades rurais. Estupravam mulheres. Castravam rapazes. Enterravam gente viva. Cortavam cabeças. Sangravam inocentes como animais em praça pública. Marcavam com ferro em brasa o rosto de moças que se vestiam de forma “inadequada”."


Quando lemos e pesquisamos esse tema 'cangaço" nos deparamos com pessoas poderosas da época, que "anunciavam publicamente sua indignação com os atentados em série e suplicavam verbas do governo federal para caçar os cangaceiros. Nos bastidores, porém, faziam acordos com o chefe da gangue, vendiam-lhe armas e contratavam seus valiosos serviços de jagunço para se livrarem de desafetos e se apossarem de terras abandonadas."

Concordo que também "o terror promovido pelo cangaço contribuiu para a migração em massa do Nordeste para o Sudeste nas primeiras décadas do século XX." e isso enxergamos quando acessamos os cordéis da época que "lamentavam o sofrimento do sertanejo nas mãos dos bandidos":


É um tormento horroroso

essa tal situação,
da gente não poder mais
viajar pelo sertão
para encontrar no caminho
indo cair direitinho
nas unhas de Lampião

Como explicar que, hoje, esse bandido quase só receba loas, como símbolo de cabra macho, vingador do sertão? Como explicar Lampião, o Mito?

Em matéria minha (Lampião era um mestiço que não gostava de negros ) mostrei que em muitas narrativas biográficas evocam o horror manifestado por Lampião à simples menção de uma origem africana. A antropóloga Luitgarde Cavalcanti, desde criança, já também tinha esse sentimento pois "sua mãe caíra nas garras do cangaceiro quando jovem. No episódio, ocorrido no município de Santana de Ipanema (AL), Lampião trancou as moças da família em uma casa e ordenou que ninguém do seu bando encostasse nelas. Não foi um súbito acesso de bondade. Luitgarde atribui a decisão ao racismo do “rei do cangaço”. Descendentes de holandeses, com pele clara, olhos azuis, bem vestidas, aquelas mulheres impressionaram Lampião pelo fino trato e pela boa aparência. Eram, enfim, de uma “raça refinada”.

O respeito vinha de uma formação sertaneja onde os brancos e aloirados tinha supremacia. Eu mesmo, via isso quando menino, pois até então não tinha visto nenhuma pessoa da pele negra, - morena sim, nas imediações do bairro do Seminário, em que morava, na cidade de Fortaleza, e quando uma família do Rio de Janeiro, de descendência afro veio residir no bairro nós meninos ficávamos admirados por nunca termos visto pessoas como aquelas, de pele negra.

Por mais de 20 anos, Luitgarde se dedicou a investigar o cangaço, num esforço que envolveu pesquisas de campo, análise documental e de referências teóricas e que resultou no livro A derradeira gesta: Lampião e Nazarenos guerreando no sertão. Para ela, a mitificação de Lampião é um absurdo histórico a ser corrigido urgentemente. “Ele só conseguiu permanecer 22 anos praticando seus crimes porque servia à classe dominante. O êxodo provocado por Lampião refez o latifúndio no sertão nordestino. Enquanto foi vivo, ele não era mitificado pelo povo. Até o início dos anos 1960, nenhum cordel dizia que Lampião teria ido para o céu; ele sempre aparecia no inferno”, diz ela.

O coronel Lucena Maranhão, o homem que matou o pai do cangaceiro e mais tarde liderou a caçada que resultou na morte do próprio Lampião (1938), entrou para a história alagoana como benfeitor público. “Haja festa no sertão/ Dê viva todas pessoas/ Que a polícia de Alagoas/ Apagou o Lampião”, celebrava o poema popular de Manoel Neném. Lucena elegeu-se deputado estadual em 1951 com grande votação, e dois anos depois foi o primeiro prefeito eleito de Maceió.

Então, quando, e por obra de quem, surgiu o Lampião fictício, bravo guerreiro de um Brasil miserável?

A pesquisadora aponta origens bastante distintas para essa deturpação. Em primeiro lugar estão os que participaram ou se beneficiaram do cangaço. Os irmãos Melchiades e Ezequias da Rocha, por exemplo, descendiam de “coiteiros” de Lampião – gente que ajudava os cangaceiros a se esconder e os apoiava com serviços variados. Aos Rocha soava bem melhor ter ancestrais ligados a um “justiceiro” do que serem conhecidos como protetores de bandidos.

Eis porque, a partir dos anos 1940, o jornalista Melchiades, repórter de A Noite, passou a defender um novo olhar sobre o cangaço, enquanto o senador e médico Ezequias compunha cordéis sob o pseudônimo de Zabelê. Trazem sua assinatura os primeiros versos conhecidos em que Lampião tem seus atos legitimados pela corrupção reinante. Como estes:


Para havê paz no Sertão,

E as moça pudê prosá
E os rapaz pudê se ri
E os menino diverti
É preciso uma inleição
Pra fazê de Lampião
Gunvenadô do Brasil

Lorenzo Aldé e Luitgarde cruamente nos mostram que a "versão de que Lampião simbolizava um certo ideal de justiça social atendia a vários interesses. Até mesmo para os potentados regionais da política e da Justiça, as vestes de caçadores do justiceiro deviam servir melhor do que a revelação de conluios com criminosos. No outro extremo dos embates políticos, o novo Lampião caía como uma luva para a propaganda comunista no Brasil, como exemplo de “herói camponês” – a Internacional Comunista chegou a pensar em recrutá-lo como guerrilheiro revolucionário. Nos anos 1960, quando sobreveio a ditadura e a esquerda se aferrou a símbolos da libertação popular, não havia mais dúvidas sobre quem teriam sido os vilões e os heróis nos combates entre cangaceiros e a polícia corrupta dos coronéis. Some-se a tudo isso a liberdade poética de cordelistas e cantadores, tendo à mão o apelo dramático de personagens altamente simbólicos e já distantes no tempo. Receita pronta e infalível para o nascimento do bom bandido."

Lorenzo Aldé afirma que "fora de seu contexto, o bordão “Bandido bom é bandido morto”, popularizado pelo ex-deputado fluminense Sivuca, tem a precisão de uma máxima sociológica. Pois é justamente o que afirma o historiador best-seller britânico Eric Hobsbawm em Bandidos, obra de referência para os estudos sobre o conceito de “banditismosocial”: “Sem dúvida, é mais fácil converter bandidos mortos, ou até mesmo remotos, em Robin Hoods, qualquer que tenha sido seu comportamento real”. Se bandido bom é bandido morto, melhor ainda é bandido inexistente – é o que comprova o mesmo Hosbawm, ao apontar a lenda de Robin Hood como ideal universal do bom ladrão. Sem os pecados e as contradições dos criminosos de carne e osso, ele se beneficiou da imaterialidade para perenizar-se no imaginário da honrosa e eterna odisseia humana em sua luta contra autoridades ilegítimas ou injustas."

"Com o livro Bandidos, lançado no Brasil em 1975, Eric Hobsbawm faz uma viagem panorâmica por diversos exemplos de “bandidos sociais” ao redor do mundo, procurando embasar esse novo conceito segundo critérios socioculturais aproximativos. O livro virou referência, para o bem e para o mal: criticado por muitos, mas obrigatoriamente citado desde então. O contexto de atuação dos bandidos sociais de Hobsbawm se relaciona com a era moderna – a partir da formação dos estados nacionais e do controle dos territórios por poderes centrais – e se dá sempre na área rural. A maior causa das críticas à obra é sua análise genérica de que esse tipo de banditismo teria um significado pré-político, demarcando um início de reação das populações excluídas contra a opressão dos poderes locais. Para Hobsbawm, Lampião entra no rol dos “bandidos sociais”, embora com a ressalva de que era um personagem ambíguo, meio “nobre”, meio “monstro”.

Ainda que percam precisão quando generalizados, alguns modelos de Hobsbawm são úteis para uma verificação da presença, ou não, do bandido social em casos específicos de crimes. Um deles é o fator vingança. Em diversos tempos e culturas, a vingança é encarada como motivo aceitável para se pegar em armas a fim de fazer justiça com as próprias mãos. Foi o que levou outro cangaceiro notório, Antônio Silvino (1875-1944), a conquistar sua vaga no Paraíso dos cordéis: ele começou sua vida bandida para vingar o pai assassinado. O mesmo argumento por vezes é usado para defender Lampião. Mais uma vez, a caçadora do mito Luitgarde Cavalcanti se insurge contra a tese: “Isso é outra mentira. Lampião entrou para o cangaço com o pai muito vivo, em 1916. O pai dele só morreu cinco anos depois”. Quando muito, teria caído na marginalidade por conta de violentas rixas familiares anteriores. Em seu livro, Luitgarde chama de “escudo ético” o pretexto da vingança paterna utilizado por Lampião para justificar suas ações. Antônio Silvino, em oposição, ganha crédito da pesquisadora por ter mantido um “resto de honra”, obedecendo a certos limites – não estuprava e não castrava, por exemplo."

Lorenzo Aldé em seu precioso artigo, nos mostra "haver uma norma indispensável à consolidação de todo e qualquer “bom bandido” (real ou imaginário): a existência de elementos que o diferenciem do “bandido comum”. No Brasil, o primeiro a apresentar este diferencial teve uma trajetória que revelou muito sobre as relações de poder e os valores culturais da época, no século XVIII. Nosso primeiro bandido social conhecido, com uma legião de seguidores fiéis, foi Manuel Nunes Viana (?-1738), líder dos emboabas na corrida do ouro das Minas Gerais.

A ocupação de territórios em busca de riquezas recém-descobertas, sob poderes ainda fragilmente constituídos, fez da região cenário ideal para disputas violentas. “A capitania das Minas nasceu da vontade do ouro e das proezas dos mais valentes”, resume a historiadora Célia Nonata da Silva no livro Territórios de Mando. Está naqueles sertões o DNA dos futuros jagunços e cangaceiros nordestinos.

Manoel Nunes Viana


Nunes Viana era um homem “honrado” porque soube fazer valer seu poder: primeiro, enriquecendo como comerciante de mantimentos, negociante de gado, fazendeiro e contrabandista de ouro; depois, armando-se e criando um exército de escravos para proteger seus territórios e expandir seu domínio entre a Bahia e Minas Gerais. No enfrentamento com quem obstruísse suas pretensões, ser cruel era prova de virilidade, demonstração necessária para impor respeito naquele meio. Assim, fosse lenda ou verdade, foi em seu benefício que circularam histórias como a de que apressava a morte dos doentes ricos para tomar-lhes a fortuna, ede que tinha uma lagoa cheia de piranhas, onde atirava os inimigos. Sua própria filha teria sido vítima desse ritual macabro.

O valente bandido ganhou mercês de Sua Majestade por prestar serviços ao rei, “desbravar sertões, destruir gentios e conquistar terras para a Coroa portuguesa”. Recebeu ainda o título de capitão-mor do São Francisco e o Hábito de Cristo. Quando os ventos mudaram e ele se viu perseguido pelo governador D. Pedro de Almeida, conde de Assumar, Nunes Viana tornou-se oficialmente um fora da lei. Seu banditismo, então, passou a se legitimar pela busca da reparação e do desagravo, contra o poder opressor."

Mais uma vez, as crendices são usadas para acenar à população mais simples, que os bandidos tinham o “corpo fechado”. Este é um traço característico de muitos bandidos, incluindo a totalidade dos cangaceiros. "A prática tem origem nas religiões africanas: por meio de rituais, o indivíduo fica em dia com os orixás e, portanto, imune a qualquer agressão. Circulando em território povoado por escravos africanos e índios, Nunes Viana inaugurou um “banditismo mestiço”, valendo-se desses expedientes místicos para alimentar sua lenda e ganhar seguidores. Todo o seu exército de negros também era supostamente investido de poderes sobrenaturais. Dizia-se que ele tinha dons como curar doenças e saber o que se passava em todos os lugares."

O investimento na imagem pública, mesmo numa época de meios de comunicação rudimentares, é outro fator crucial para a construção do mito. Quem não conhece não teme. De volta a Robin Hood, Eric Hobsbawm nos lembra que as lendas em torno do personagem só se espalharam pela Europa após a invenção da prensa móvel, no século XV. Com suas baladas impressas e circulando amplamente é que o bandido imaginário, cuja existência teria se dado três ou quatro séculos antes, consolidou sua fama de herói. No caso do líder dos emboabas, Nunes Viana, embora sem grandes recursos midiáticos à disposição, também havia essa intenção de se autopromover: “Sua vida parece-nos um teatro de valentias e feitos heroicos, cujas ações remetem à ânsia pela referência pessoal e notoriedade”, atesta Célia Nonata da Silva.

Bandido bom tem que ser showman. Ainda mais a partir do século XX. Vale adotar uma marca pessoal, o Z de Zorro, a lanterna do Bandido da Luz Vermelha, a peruca loura de Lili Carabina. Cientes de sua condição de figuras públicas, tiram partido do próprio mito, a ponto de não sabermos mais diferenciar a vida real da ficção. Provavelmente, em suas mentes conturbadas, eles também já não saibam. Na era da urbanização, dos jornais, rádio e TV, a mídia é mais uma arma nas mãos dos bandidos que desejam se fazer heróis.

Tenório Cavalcanti


"Tenório Cavalcanti (1906-1987) foi mestre na combinação de vários desses quesitos. Este alagoano radicado em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, pode ser considerado um símbolo da transição entre a bandidagem rural e a urbana. E soube usar os métodos de ambas. Para começar, o fator vingança: ainda criança em Palmeira dos Índios, teve o pai assassinado em uma briga por terras, e a morte foi justiçada por parentes. Em suas memórias, descreve o trauma que o ambiente de violência rural impôs à sua personalidade: “Como se não bastasse o flagelo das secas, que tantas mortes causava, surgiu o flagelo do cangaço, que espalhava o terror por aqueles confins. Os bandoleiros assassinavam às centenas, fazendo o sangue humano regar a terra ressequida pela estiagem”. O impacto dessas vivências teria influenciado, segundo ele, sua “formação explosiva, talvez intolerante e rebelde”.

Vítima dos cangaceiros na terra natal, tornou-se um neo-cangaceiro em seu novo lar, para onde se mudou com 20 anos incompletos. Começou trabalhando para um fazendeiro de Caxias, e em pouco tempo já era conhecido como pistoleiro na rude disputa por terras da periferia carioca. Seu nome ecoava em episódios de espancamentos, tiroteios, atentados, assassinatos e chacinas. Visto como ameaça pelas autoridades, sobreviveu graças à identificação com a comunidade – um dos requisitos mapeados por Hobsbawm para definir seus “bandidos sociais”. Majoritariamente formada por nordestinos simples que migraram para fugir da seca e do cangaço, a população caxiense não tardou a acolhê-lo como um igual, com a distinção da “macheza” e da generosidade em dar aos pobres."

"Metido com a apropriação de terras e a contravenção do jogo do bicho, Tenório deu seu grande salto quando legitimou o poder por meio de mandatos políticos. Eleito deputado estadual e depois federal, adicionou à sua persona pública irresistíveis ingredientes populistas. “Ele tinha a atuação de um coronel do interior em seu feudo: era juiz, polícia, cartório”, descreve o historiador Israel Beloch, pesquisador da empresa Memória Brasil e autor do livro Capa Preta e Lurdinha*."

"O título da obra se refere a dois elementos marcantes do mito que Tenório Cavalcanti construiu em torno de si. Nos anos 1940, ganhou do general Góes Monteiro, ministro da Guerra de Getúlio Vargas, um presente que era a sua cara: *uma metralhadora MP-40 alemã, que ele batizou carinhosamente de “Lurdinha”. Não largava a arma pesada nem mesmo para exercer suas funções parlamentares. Mas para não chamar muito a atenção, passou a usar uma capa preta, que escondia a metralhadora. Daí o título do filme “O homem da capa preta”, que o eternizaria nos cinemas. Outro traço que o diferenciava era o uso da barba, raríssima entre personalidades públicas de então. Para completar sua lenda junto ao eleitorado, em 1954 lançou um jornal popular – Luta Democrática –, daqueles cheios de crimes e violência. Além de destacar sua atuação política e defendê-lo dos ataques dos muitos inimigos, o veículo serviu para propagar o lado messiânico de Tenório Cavalcanti. E não é maneira de dizer. Nas páginas do Luta Democrática, os leitores podiam acompanhar a “paixão e o drama” da vida de um “paladino da nova era”, uma “figura nazarena” capaz de operar milagres. “Se você é pobre ou paupérrimo, se está falido, desiludido, sem ideais, desperte, levante e caminhe ao nosso lado na luta pela sobrevivência”, convocava o arauto dos “milhões de Tenórios”. Dizem que seus seguidores tocavam a capa preta para obter graças diversas. Não lhe faltou nem a fama do “corpo fechado” dos cangaceiros; afinal; safou-se de 47 ferimentos de bala.

Talvez a mais notável diferença entre esse bandido-político-urbano e seus ancestrais cangaceiros seja o fato de não se assumir como assassino. Os tempos eram outros; no meio urbano e político, a bravura tinha limites mais claramente definidos pela lei. Em suas memórias, Tenório narra 28 episódios de violência ao longo de quase três décadas, mas não assume nenhum crime e alega sempre legítima defesa. Declarou-se inocente inclusive do assassinato do delegado Imparato, seu desafeto público, cujo carro foi metralhado em 1953, num episódio de repercussão nacional.

“Não matarás”. Este mandamento sagrado para boa parte da sociedade contemporânea é também um divisor de águas no julgamento que fazemos de nossos bandidos. Simpatizamos mais facilmente com criminosos “inofensivos”, como o ladrão Meneghetti tido como “Honestamente ladrão”, o inglês Ronald Biggs, do assalto ao trem pagador, o golpista americano Frank Abagnale (que inspirou o filme “Prenda-me se for capaz”), o traficante desarmado João Guilherme Estrela (“Meu nome não é Johnny”) e o vigarista Marcelo Nascimento Rocha (“Vips”), entre outros estelionatários, tratantes e falsários. Beto Rockfeller fez sucesso na novela global e fez muitos fãs, inclusive eu.

"Certamente eles se encontram em melhor posição em nossa escala de valores do que políticos ladrões de dinheiro público. Muitos representam, talvez, o anseio popular de reparação das injustiças e desigualdades sociais – ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão. Quando os representantes da lei não gozam de credibilidade junto à população, agir à margem da lei é mais aceitável. No limite, representam a pulsão humana de afirmar-se afrontando limites que nos oprimem, como bem detectou Sigmund Freud."



Neste sentido, Leonardo Pareja (1974-1996) é a síntese do “bandido bom”. Adotado, perdeu o pai na adolescência e descobriu que a mãe era adúltera. Caiu numa vida de crescentes ameaças à ordem, testando seus próprios limites em atos de vandalismo e roubos espetaculares. “O perigo é o que me faz viver”. Em uma só noite, em Goiânia, realizou a proeza de assaltar onze postos de gasolina. Em tempos ultra-midiáticos, a coleção de feitos impressionantes conta pontos positivos para os fora da lei. O assaltante Lúcio Flávio, embora fosse um assassino sanguinário, fugiu da cadeia oito vezes. O traficante Escadinha foi resgatado do presídio da Ilha Grande de helicóptero. O assalto ao Banco Central de Fortaleza em 2005 é lembrado mais com admiração do que com indignação.

Mas as ações de Leonardo Pareja talvez tivessem permanecido no anonimato da bandidagem comum se ele não envolvesse no sequestro uma figura pública, em 1995. Depois de assaltar uma pousada na Bahia, manteve como refém a sobrinha do então senador Antônio Carlos Magalhães. Cercado, viu abrir-se para ele uma oportunidade inédita: a de usar a mídia a seu favor. “Foi a minha chance de sair de lá. Se fosse a filha de um operário, de uma dona de casa, tava eu e ela essas horas no cemitério”. A imprensa começou a criar para ele a imagem-padrão de monstro: que teria molestado e torturado a moça. Então resolveu dar entrevistas e mandar cartas para emissoras de TV. “A crítica fala em ‘inversão de valores’. Mas não: eu estava colocando os valores no seu devido lugar. Colocando o verdadeiro valor da polícia, que são ladrões, corruptos, torturadores. Saía a versão da polícia. Eu entrava na rádio e dava a minha versão. A imprensa foi moldando a critério dela, e eu fui moldando a meu critério”. Assim nasceu o mito Leonardo Pareja, bandido justo e defensor dos oprimidos, plenamente consciente de que construía um personagem: “Tenho que representar”.

Filmado para um documentário – “Vida bandida”, de Régis Faria – quando estava preso, teve toda a chance de desfiar seus argumentos, com fala mansa e vocabulário articulado, ajudado ainda pela aparência de bom rapaz, cara de classe média. “Nunca usei de agressão física nem agredi moralmente a pessoa”. Nisso, dificilmente se poderá dizer que estava mentindo, pois seu principal perseguidor o confirmou. “Desconheço qualquer violência praticada pelo Pareja contra suas vítimas”, declarou o delegado que chefiava a Polícia Civil de Goiás à época, cujo nome de batismo agravava sua má fama no estado: Hitler Mussolini.

Não faltou à construção da lenda um resgate espetacular, com a invasão do presídio de Anápolis e a libertação de comparsas. Mas o grande momento do personagem ainda estava por vir. Detento no presídio Cepaigo, em Goiânia, Leonardo Pareja tornou-se porta-voz dos colegas de cárcere na denúncia contra as péssimas condições da detenção, entre março e abril de 1996. Aproveitou uma visita de autoridades com o intuito de verificar o impasse e desencadeou uma rebelião. Em questão de minutos, ele e seus comparsas conseguiram fazer de reféns o secretário de Segurança Pública do estado, o presidente do Tribunal de Justiça, o diretor do presídio e mais de uma dezena de desembargadores, juízes, promotores e advogados. Nos dias que se seguiram, as autoridades dividiram celas com os presos amotinados. Sem tratamento diferenciado. Mais tarde, os reféns seriam só elogios à organização da rotina pelos detentos, que incluía lavagem de roupa e limpeza do espaço. “Eles foram bons demais conosco, não deixaram faltar água nem comida”, atestou o então diretor da cadeia, coronel Nicola Limongi Filho.

No meio das tensas negociações, o ator Pareja criou a cena mais impactante de sua curta vida de crimes. Subiu na caixa d’água do presídio com um violão e a bandeira do Brasil. Lá em cima, para todas as câmeras que quisessem ver, cantou “Admirável gado novo”, uma espécie de hino dos excluídos, sucesso na voz de Zé Ramalho: “Vocês que fazem parte dessa massa/ Que passa nos projetos do futuro/ É duro tanto ter que caminhar/ E dar muito mais do que receber...”. Mais tarde, justificaria o ato: “O que eu queria passar? Que ali tinha brasileiros, e não presos, e que todo mundo tinha sentimentos”.

"Leandro França, escritor e criminalista, usa seus conhecimentos para tentar compreender o que faz de Pareja um bandido diferente. “Certas peculiaridades que fogem ao processo ordinário da criminalização, dentre as quais: a infração a regras não plenamente aceitas pelo corpo social, sua origem social, sua reação à persecução criminal, a capacidade de atender a inconfessáveis anseios sociais, o carisma, a possibilidade de se transformar em um personagem e de tornar sua história em um enredo policialesco, seu comportamento pós-apenamento”, enumera o autor do livro Ensaio de uma vida bandida, versão romanceada da saga de Pareja."

Diferentemente dos outros bandidos retratados na reportagem de Lorenzo Aldé, Leonardo Pareja não celebrou acordos com as autoridades. Limitando-se a desempenhar o papel de acusador da polícia e defensor dos excluídos, durou pouco. Morreu no mesmo ano, assassinado por um colega de prisão. O mesmo que, para a câmera do documentário, declarou-lhe lealdade cega: “Faço tudo por ele, até mato”. O assassino, viciado em drogas, ganhou a liberdade no ano seguinte. (Quem sabe? Talvez favores que recebeu por ter eliminado Leonardo Pareja.)

Lorenzo Aldé é jornalista e professor da Oi Kabum! Escola  de Arte e Tecnologia

Saiba Mais - Bibliografia

BARROS, Luitgarde O. Cavalcanti. A derradeira gesta: Lampião e Nazarenos guerreando no sertão. Rio de Janeiro: Mauad, 2000.
BELOCH, Israel. Capa preta e Lurdinha. Rio de Janeiro: Record, 1986.
HOBSBAWM, Eric. Bandidos. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
SILVA, Célia Nonata da. Territórios de mando: Banditismo em Minas Gerais, século XVIII. Belo Horizonte: Crisálida, 2007.

Saiba Mais - Filme “LeonardoPareja”, de Régis Faria (1996).
Disponível em: http://bit.ly/gn7e0K

(Na matéria original tem esse link - mas está quebrado. Deixo aqui para os amigos, tudo que o youtube traz com Leonardo Pareja)

http://meneleu.blogspot.com.br/2016/05/fascinantes-facinoras_7.html

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LIVROS DO ESCRITOR GILMAR TEIXEIRA


Dia 27 de julho de 2015, na cidade de Piranhas, no Estado de Alagoas, no "CARIRI CANGAÇO PIRANHAS 2015", aconteceu o lançamento do mais novo livro do escritor e pesquisador do cangaço Gilmar Teixeira, com o título: "PIRANHAS NO TEMPO DO CANGAÇO". 

Para adquiri-lo entre em contato com o autor através deste e-mail: 
gilmar.ts@hotmail.com


SERVIÇO – Livro: Quem Matou Delmiro Gouveia?
Autor: Gilmar Teixeira
Edição do autor
152 págs.
Contato para aquisição

gilmar.ts@hotmail.com
Valor: R$ 30,00 + R$ 5,00 (Frete simples)
Total R$ 35,00

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AS MEZINHAS DO NOSSO SERTÃO - 01 DE MAIO DE 2016

Por Geraldo Maia do Nascimento

Mezinhas ou Meizinhas significam remédios caseiros ou manipulado em farmácias do interior, geralmente com o uso de ervas medicinais. Foram, por muitos e muitos anos, os únicos remédios acessíveis ao homem do campo, principalmente no alto Sertão potiguar. 
               
O início da ocupação do Sertão nordestino deu-se por volta de 1701, quando uma Carta-Régia determinou a retirado do rebanho das terras litorâneas. As 10 primeiras léguas (aproximadamente 60 Km), a partir da quebra do mar, estavam reservadas para a plantação de cana-de-açúcar. Restava, pois, aos criadores de gado o sertão. 
               
E foi no rastro do gado que o sertão foi colonizado. Os pecuaristas aproveitavam os leitos secos dos rios como estradas para conduzirem as suas boiadas e quando chegavam num lugar plano, fora da faixa proibida, construíam os seus currais, erguiam as suas cabanas, fixavam-se na terra. 
               
Para a construção das cabanas primitivas, o couro do boi era usado em grande escala. De couro eram as portas e janelas dos casebres, o lastro das camas rústicas, os baús de guardar objetos e roupas, os depósitos para a farinha, os arreios dos animais, o chapéu do vaqueiro, o gibão que os protegia, o peitoral que protegia igualmente os animais dos espinhos e pontas de galhos secos. 
               
E por muito tempo o Sertão viveu praticamente isolado do litoral, ou como podemos até dizer, da civilização, mantendo assim puro os seus costumes, suas rezas e suas tradições. 
               
Os dias do Sertão eram obscuros e longos, pois ainda se vivia ali, a era das curas pelas rezas, dos exorcismos e de tantas obras práticas do charlatanismo. Era muito comum as criaturas adoecerem e morrerem de males desconhecidos. 
               
Os remédios de botica, como eram chamadas as farmácias de antigamente, eram raros e caros, longe do poder aquisitivo do sertanejo. Sobrava, portanto, os remédios caseiros ou mezinhas. As folhas, as raízes, sementes e cascas desempenhavam largas influência na atividade da medicina sertaneja. A maior parte dos remédios era mesmo de origem vegetal. 
               
Na realidade o que se sabia é que havia um chá para cada doença, uma indicação, um recurso de cuja eficácia não cabia levantar suspeitas. Sua variedade era imensa e rica como a própria flora, donde vinha. O fedengoso, por exemplo, deixou fama, assim como a jurubeba branca. O cozimento de raiz de velame. A batata de purga. O cardo santo, para dor de garganta. A infusão de malva e agrião, para mal do peito. O chã de cravo de defunto, para doenças dos olhos. A cabacinha e a cabeça de negro, como depurativos. Cebola branca, serenada, para catarro. Chá de alho para gripe. Mel de juá, também indicado para doença do peito. Cumaru e sucupira para reumatismo. Mossoró para enfraquecimento. Babosa, (nove folhas lavadas em nove águas) feito mel com açúcar branco para escarro de sangue. Capeba, para doenças do fígado. Jindiroba, para reumatismo. Mão-fechada, para dor de mulher. Catucá, calmante, difumante, jatobá, para os rins e vias respiratórias. Milona, para o fígado. Alcançus para tosse. Mastruço, com leite, para a bronquite. Leite de pião, para mordida de cobra. Língua de vaca, para o baço. Melancia da praia, para dor de lado. Jucá, para espalhar o sangue. Maxixe do Pará, (a flor) para puxado. Casca de jabuticaba, para dor de barriga. Velame branco, para afinar o sangue. E mais rapa de juá, folha de abacate, capim santo, folas de laranjeira, como remédios de casa, para todas as indicações. Papa de araruta par acurar ulcerações gástrico-intestinais. 
               
Haviam ainda as garrafadas, preparadas por especialistas, e que segundo se dizia, arrancava o mal pela raiz. 
               
A relação de doenças era de meter medo: quebranto, olhado, espinheira caída, dor de veado, mal das juntas, puxado, nó na tripa, ar encausado, cupim, boqueira, fininha, impinge, interiça, cobreiro, sete couros, doença do peito, gafeira, chega-e-vira, dor na boca do estômago, tontura, brotoeja, pereba, pilora, calor de figo, farnezim, dor de mulher, curumba, fogo selvagem, bexiga lixa, caminheira, campainha caída, (também espinhela) mau olhado, dor de bentosidade, ventre caído, bucho quebrado, cabeça de prego, pé triado, mazela, braço desmentido, galco, quebradura, fuá, gota serena, Sapiranga, terçol, andaço, morrinha do corpo, macacoa, sarampo, esquinência, doença interiora, câimbra de sangue, esquentamento e erisipela. E ainda podia-se morrer de: bexiga, garrotilho, estopor, moléstia de ar, moléstia de vento, frouxo, cancro, antrás, gálico, urinas doces, sarampão, tosse, força de sangue, paridura, vício, inchaço, catarrão, maligna, espasmo, sezões, gota, inchaço, puxado, moléstia do peito, ferida na garganta, chagas, maleita, ferida na boca, lombriga, defluxo, pontada, fluxo de sangue, frouxo de sangue, doença gálica, pontada no ouvido, sezões malignas, tumor nas costas, humor recolhido, moléstia do vento, estrepada, caroço na barriga, velhice, inflamação no estômago, cobra, feridas recolhidas, tuberto, endosso, gota coral, caroço no rosto, sarampo, umas cacetadas, uma inflamação nos bofes, quebrandura descida, turo, mordidela de cascavel, uma inchação nos peitos, frialdade, hemorroides, tísica, parto, um tumor, de repente, uma queda, afogado, feridas gomosas, moléstia na barriga, retrocesso de sangue, lufada, uma ferida, dor nos ouvidos, hidrófico, feridas espasmódicas, inchação na cabeça, inflamação no fígado e estupor. 
               
Assim se curava ou morria o homem sertanejo até bem pouco tempo atrás. Mesmo nos dias atuais, encontramos nas feiras livres muitos dos elementos descritos aqui como medicinais: garrafadas, folhas, raízes e sementes. É a tradição sertaneja desafiando a modernidade.


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É permitida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, desde que citada a fonte e o autor.

Autor:
Jornalista Geraldo Maia do Nascimento

Fontes:
http://www.blogdogemaia.com

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SOBRE A MORTE DO CANGACEIRO LUIZ PEDRO

Por Geraldo Júnior

A história do Cangaço é uma faca de dois gumes e é exatamente por esse motivo que é uma história tão fascinante.

A grande maioria dos assuntos relacionados ao tema tem duas ou mais versões e no caso da morte de Luiz Pedro não é diferente.

O Escritor e Pesquisador José Sabino Bassetti autor dos livros LAMPIÃO - CANGAÇO E SEUS SEGREDOS e LAMPIÃO - SUA MORTE PASSADA A LIMPO, um dos grandes conhecedores sobre os momentos finais do Rei do Cangaço, informou-me que durante suas pesquisas entrevistou os ex Soldados Volantes Mané Velho (Antônio de Jacó) e Elias Marques, antigos membros da Força Volante comandada pelo Tenente João Bezerra que participaram do episódio de Angico, onde foram mortos Lampião, Maria Bonita e outros nove cangaceiros, entre estes Luiz Pedro que foi morto pelo Soldado Mané Velho.

Segundo José Sabino Bassetti, Mané Velho e Elias Marques informaram que Luiz Pedro não teria conseguido sair do foco do tiroteio e tampouco teria voltado, como muitos afirmam, seja para cumprir promessa ou buscar bens materiais.


Afirmaram os ex Soldados que Luiz Pedro fora abatido no momento em que partia em fuga em busca de salvar sua própria vida, contrariando as demais versões sobre o episódio.

Uma outra versão sobre esse episódio diz que Luiz Pedro teria voltado porque Maria Bonita teria gritado e o lembrado da promessa que teria feito anos antes a Lampião, onde na ocasião jurou acompanhá-lo até o fim de sua vida e morrer ao seu lado.

Agora eu pergunto: - Como Maria Bonita, que foi baleada nas costas e no abdomên ainda no início do tiroteio, teria reunido forças para chamar (Gritar) por Luiz Pedro em meio a dor e ao barulho ensurdecedor provocado pelos fuzis e metralhadoras?

Sinceramente falando... existem certos assuntos dentro da literatura cangaceira que não é necessária muita inteligência para poder conseguir separar o joio do trigo. Basta utilizar a lógica.

E vocês estudiosos do tema o que acham?

Fonte: facebook
Página: Geraldo Júnior
Grupo: O angaço
Link: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=515553768608524&set=gm.1117719084907875&type=3&theater

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UM AMOR ”GRANDE HOTEL” NAS RUAS DE POMBAL

Por Jerdivan Nóbrega de Araújo*

“Se a gente não tivesse feito tanta coisa
Se não tivesse dito tanta coisa
Se não tivesse inventado tanto
Podia ter vivido um amor Grande Hotel”

Segunda metade da década de 1950, a cidade de Pombal vivia o bucolismo próprio das cidades interioranas do sertão paraibano.

Alguns poucos Fuscas, Jeeps e duas ou três Aero Willys 2.600, além de meia dúzia de lambretas circulavam pela cidade.

Os Aero Willys 2.600 ainda eram os remanescentes do golpe que Mão de Onça deu na montadora Willys. A história é a seguinte: Mão de Onça, foi a São Paulo e por lá arrumou emprego na recém-inaugurada fábrica da Willys de São Bernardo do Campo, como motorista de cegonha. Um belo dia ele pegou uma carga para o nordeste, desviou-a para Pombal e por aqui vendeu toda a carga. É uma longa história que o próprio Mão de Onça me contou e que eu pesquisei por anos sem achar indícios de verdade, o que pode ser apenas mais uma lorota do velho pescador.

A história de Mão de Onça serve apenas para ilustrar o clima de Pombal no final da década que ocorreu a nossa história de amor e paixão sem limites. Uma paixão tão forte que a distância e tampouco o tempo foram capazes de apagar do peito de um dos seus protagonistas.

O nosso Romeu era o que as mulheres da cidade diziam ser a bela estirpe de homem. Um Humphrey Bogart sertanejo, que circulava pelas ruas quentes de Pombal montado em sua lambreta, ao olhar das moças apaixonadas da cidade.

Tocava violão e gostava de fazer serenatas em noites de luar nas soleiras das janelas de jovens sonhadoras e enamoradas, para desespero dos pais aborrecidos e dos maridos traídos. Aos domingos, fazia piquenique à beira do velho Piancó com amigos das noitadas boêmia.

A esta altura o leitor mais jovem já está curioso para saber que figura era essa que arrebatava os corações das mulheres casadas e solteiras da velha Pombal. Para o desprazer do leitor direi o milagre, mas, guardarei o nome do santo e das tantas outras santas que ilustrariam essa história, muito embora os remanescentes da sua época, que hoje são poucos, se arrisquem em identificado a figura da qual estamos nos referindo.

Foram tantos os corações apaixonados que encontraram o aconchego, mesmo que momentâneos, nos braços do nosso galã das telas cinematográficas da vida real, que passaríamos horas aqui escrevendo as suas aventuras amorosas nas ruas, camas e becos da Pombal dos anos 50.

E entre as tantas e tantas e mais tantas mulheres que nosso herói seduziu irremediavelmente a alma e o coração, uma em particular acreditou piamente que aquele o amor era tão para sempre o quanto verdadeiro. Ela não entendeu que aquilo era apenas mais uma paixão vã, sem valor, uma coisa boba sem significado. Nada mais do que um momento na vida de um boêmio, como foi com tantas outras Madalenas as quais se posicionaram de olhar no horizonte com o seu “único e velho vestido cada vez mais curto”.

Passado o tempo veio a descoberta, a frustração e o gosto amargo de fel por tamanha decepção, na boca.

Se no peito destoado do bom vivant aquilo foi um momento como quaisquer outros, para a nossa Julieta foi amor verdadeiro que duraria para sempre. Mal sabia ela que para um boêmio o para sempre só dura até a próxima madrugada, que traz nas cordas do seu violão uma outra paixão de mariposa, que se vai com o apagar das luzes.

O nosso Romeu, que poderia muito bem ser de “Montecorvo”, era diferente da nossa Julieta que nem de longe era uma “Capuleto”: ela era apenas uma “Batista” uma “Silva”, da família dos tantos “Batistas” e dos tantos “Silva” da velha terra de Maringá: Francisca Batista da Silva é seu nome de pia, de fumaça, de cachaça e de muitos sonhos e desilusões.

Frustrada por um amor de serenata, que acabou na primeira madrugada a cabocla “que mais dava o que falar”, resolveu se retirar da cidade levando consigo as suas mágoas e no peito às lembranças do seu grande amor, como se fosse possível fugir de um grande amor.

Frustrada, Francisca Batista da Silva deixou a cidade e foi, como tantos outras “Batistas” e “Silvas”, se aventurar pras bandas de São Paulo, onde se casou, construiu uma família e poderia até ter sido feliz.

Poderia mais não foi! Não é o tempo nem a distância que faz esquecer um grande amor. Francisca Batista da Silva descobriu isso a cada minuto dos sessenta anos que o separou daquela paixão. Foge-se do mundo, mas, não se pode fugir dos seus sentimentos.

Nas páginas de um livro. Francisca Batista de Andrade encontrou o que não procurava: a lembrança das ruas onde foi menina moça; o nome das pessoas que com ela correram por aquelas mesmas ruas e lá num cantinho, perdido no meio de tantos outros, o nome do seu amor de juventude.

A família nunca entendeu o marcador sempre fixado na mesma página amarelada daquele livro. Difícil também era entender o porquê daquele livro sempre ao alcance das suas mãos já trêmulas.

Talvez fosse apenas a desenfreada saudade da cidade natal!

Segredos de coração não são para serem levados para o túmulo! Um belo dia Francisca Batista da Silva se cansou de carregar aquele peso sozinha e resolveu contar a história para alguém que queira ouvi-la.

Toma às mãos o livro “NA TELA DO CINE LUX DE POMBAL” e entrega a chave do seu segredo ao neto. Manda que ele o abra na página do marcador, e resolve contar para ele a história da sua vida. Em seguida pede ao neto que encontre o autor daquele livro, e peça que este lhes faças um único e talvez último desejo, já que aos 87 anos de idade a vida lhes é cada vez mais escassa.

E na era da internet e da comunicação cada vez mais fácil e mais rápida, o neto de dona Francisca Batista da Silva vai em busca de tão preciosa informação. Talvez ele estivesse muito mais curioso pela história do que a própria avó.

Então, um certo dia eu encontro uma mensagem no meu celular:

─ Olá, tudo bem? O Sr. é autor do livro “NA TELA DO CINE LUX DE POMBAL”?
Passei uns três ou quatro dias para responder, e de forma monossílaba, digitei:
─ sim!
Esperava que a continuação do diálogo se desse uns dois dias depois, mas, em menos de dois segundos veio a resposta.
─ Gostaria de falar com você.
─ Vá falando... Disse.
─ É uma história antiga. Então. … Estou há algum tempo procurando uma personalidade citada no seu livro...
─ Se estar no meu livro eu posso saber alguma coisa.
─ Você conhece ou tem contato com (...)
─ Muito mais do que você passa imaginar.
─ Ele ainda está vivo?
─ Chegando aos 90 anos de idade, mas, muito bem vivo. Por que?
─ Tenho uma avó, que foi namorada dele há várias décadas, também já está bem velhinha. Ela se casou depois, teve filhos, mas nunca o esqueceu. E como está muito doente, ela tem um antigo desejo de ao menos ter notícias dele. Sempre diz que foi seu primeiro amor. Então fui pesquisar para ter notícias dele, e realizar esse desejo de décadas. Uma história que eu cresci ouvindo.
─ É complicado. Respondi.
─ Eles tiveram até um filho que morreu, acho que com um ano de idade.
─ Como é o nome da sua avó?
─ ( N. B de A) Há possibilidade de contatá-lo de alguma forma? Mesmo que uma mensagem escrita, uma foto atual?
─ Sim, posso mandar uma foto dele.
─ Certo. Mas que seja uma foto atual. Ela quer saber como ele tá hoje.
─ É mais difícil do que você pensa. Teria que falar com os filhos. Ele tem esposa e talvez não queira reviver certas histórias.
─ O que puder nos mandar, fara uma senhora idosa e doente muito feliz. Estamos muito preocupados, e por isso gostaria de proporcionar essa alegria. Agradecemos imensamente.

Talvez dona Francisca Batista de Andrade tenha vivido, nos idos da década de 1950 um amor “Grande Hotel”. Um amor de capa, de revista de novela de rádio de sonho de adolescente.

E eu, convidado a fazer parte dessa história, tudo podia fazer e ao mesmo tempo sabia que nada era possível de se fazer, sem que uma das partes envolvidas voltasse a reviver capítulos de uma novela que talvez não lhes fosse mais interessante relembrar.

Mas, seria certo o meu silêncio? Seria certo ignorar o pedido de uma senhora ao fim da sua longa vida?


Um amor “Grande Hotel” sempre tem um final feliz ou, muitas das vezes um “continua na próxima edição”. Mas, a vida real não é uma novela da revista “Grande Hotel”.

Não é certo entrar na vida de pessoas, sessenta anos depois de certos fatos que lhes marcaram a vida e mais ainda sem pedir permissão aos envolvidos: o amor não deixa as mesmas marcas nos corações quebrados, e às vezes quando é emendado pode não ficar tão bem cicatrizado ao ponto de quem vê de fora achar que nunca foi colado.

O que me restou fazer por dona Francisca Batista foi enviar do seu amor, uma foto atual e a confirmação que ele tá bem. Jamais vou poder dizer para ela se os sentimentos dele correspondiam ao dela. Talvez tenha sido sincero.

A resiliência de lembranças tão distante, atravessando décadas, pode ser resistência de palavras sinceras ditas a dois. Não nos cabe um julgamento: e não o faremos.

A vida não passa de um eterno ciclo de esquecimento e reconhecimento do amor, com personagens que sempre estão ou esquecendo, ou se apaixonando por alguém.

Tem pessoas que se apaixonam, se envolvem e por diferentes motivos estão querendo esquecer – outros amores, outras situações, outros lugares até que as lembranças voltam do nada, como, por exemplo, numa página de livro, e traz tudo de volta.

E a flecha do tempo segue em frente!

Obs: O nome Francisca Batista da Silva é fictício, para reservar as partes, muito embora o neto não tenha pedido reserva..

*Advogado, Escritor e Pesquisador


Enviado pelo professor, escritor, pesquisador do cangaço e gonzagueano José Romero de Araújo Cardoso.

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