Por Rangel Alves
da Costa*
Tudo muda,
tudo é transformação. Nada possuiu no passado a feição de agora, nada se mostra
ser como um dia de outra forma foi. É próprio do mundo e da vida o dom da
mudança e da transformação. Passa-se de um estágio a outro, segue-se por
caminhos novos, e assim num percurso que tanto pode degenerar como renovar,
dependendo do sentido na vida que cada um deseje para si mesmo.
O fio d’água
vai se alargando, correndo cada vez mais forte, transforma-se em rio. E este se
torna pujante, caudaloso, imenso, mansamente caminhando seus caminhos, até
desaguar no mar e desaparecer. A terra molhada se transforma em barro, que
acariciado pelas mãos artesãs vai se transmudando em argila visguenta, e esta
vai sendo cuidadosamente moldada para ganhar formas, uma feição totalmente
diferente daquele primeiro momento de nascimento. E surgem os utensílios para
alimentos, para sustentar a vida, demonstrando que esta jamais se aparta do
barro primeiro, do sopro da origem.
Pensamentos e
palavras vivem soltos, libertos, mas quando juntados produzem verdadeiras
obras-primas. O homem tem a ideia, cata a palavra, escreve uma história bonita
e depois entrega ao mundo como uma nova realidade. Tudo nascido do sopro da
mente, do pensamento, da criatividade. E assim nascem as tramas, os personagens,
os enredos tristes, os finais felizes. Nada diferente com o grão que jaz
esquecido no fundo de uma cumbuca. Após um dia de chuva, o velho lavrador lança
mão daquela semente e a espalha sobre a terra. Daí os brotos, os frutos, as
raízes, a vida.
O jardim tão
belo ao amanhecer, de repente vai definhando numa tristeza só. Há um tempo de
chuva, há um tempo de sol, um tempo de flores e de folhas secas, frágeis,
entristecidas, mortas. Está no outono a linha final do romance da natureza, com
consequências profundas também no ser humano. Não há sorriso que se faça na
face ante as cores ocres, acinzentadas e melancólicas da natureza em
transformação. É como se após o sorriso ilusório viesse uma realidade muito
mais contundente da vida. Então chega o instante da aflição, da saudade, da
nostalgia, de uma nuvem que vai se formando dentro da alma até irromper nos
olhos e fazer chorar. Para o contentamento retornar ao ser.
Assim acontece
porque tudo muda, porque tudo é transformação. O ser humano é exemplo maior do
verso, reverso e anverso. Os retratos não mentem, as velhas fotografias
comprovam as várias vidas no percurso de uma só existência. O menino é apenas
parecido com o jovem, este traz consigo apenas alguns traços do adulto, ainda
que a essência permaneça a mesma em contínuo aprimoramento. Mas os anos, as
experiências, as alegrias e as tristezas, é que verdadeiramente refletem as
realidades transformadas pelo espelho chamado tempo.
E como tudo
muda. Reconheço que hoje vivo no Livro do Eclesiastes: um tempo de sorrir e um
tempo de chorar, um tempo de alegria e outro de tristeza. Mas principalmente
reconhecendo que vaidade das vaidades, tudo é vaidade. Ontem eu era outro, e
hoje sou diferente. Em noites e dias assim, apenas sair, e agora permanecer. Em
noites e tardes assim, apenas beber, e agora somente escrever. O que parece não
ter mudado foi minha solidão. Só que agora maior. Imensa como lua cheia no
negrume da noite.
Sou filho do
tempo, da estação, com primaveras e outonos. Pelo medo da ausência de jardins,
então aprendi a cultivar flores de plástico, artificiais. Mas não posso fazer o
mesmo com os outonos da solidão. Por isso que colho cada folha morta que passa
esvoaçando sobre minha janela e depois escolho uma página de livro para
repousá-la. Mas em toda página a mesma escrita:
“Dizem que das
cinzas da folha morta não renasce uma primavera nem vingará outro triste
outono. Mas não acredito que seja assim. Se a folha for esquecida, o outono
terá retornado. Mas se a página for sempre folheada, então uma flor na folha
será avistada”.
Poeta e
cronista
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