AMIGOS, leiam
a entrevista do jornalista cearense Júlio de Matos IBIAPINA, concedida ao
jornal "Diário de Pernambuco", sobre o BANDITISMO NOS SERTÕES
NORDESTINOS, publicada na edição de 07/01/1927, quer dizer, mais de onze anos
antes da morte do rei do cangaço LAMPIÃO, no momento, por um lado, em que este
já considerado o novo rei do cangaço agia mais confiante e serelepe pelos
adustos territórios de Alagoas ao Ceará, carregando no ombro a patente de
capitão do exército, fortalecido de armas, munições, além de fardamento do
batalhão patriótico, dádivas recebidas do governo federal, ainda que de forma
ilegal e indireta, pois pelas vias do poderoso chefe religioso e político do
Ceará, Padre Cícero Romão, para os fins de combater no Nordeste os rebeldes
comunistas chefiados por Luís Carlos Prestes. Por outro lado, num momento de
forte censura contra o prestigioso tratamento dado pelo governo ao sanguinário
cangaceiro do Pajeú, na imprensa e nas casas do Congresso Nacional, isso
associado à mudança nos comandos dos governos federal e estaduais; Washington
Luís substitui Artur Bernardes e as unidades federativas ganham novos
governadores, sem mencionar o convênio celebrado entre Estados nordestinos no
sentido de as forças militares destes combaterem o banditismo de forma
conjugada e com a possibilidade de as volantes atuarem além fronteiras.
OS GOVERNOS
NORDESTINOS COLIGAM-SE PARA COMBATER O BANDITISMO SERTANEJO
FALTA DE
CAMARADAGEM
O JORNALISTA
CEARENSE MATOS IBIAPINA
FALA A “A MANHÔ
Desde
anteontem acha-se nesta capital o Sr. J. de Matos Ibiapina, nosso colega da
imprensa do Ceará, onde dirijo um jornal independente, o mais importante do
Estado, pela sua ampla circulação e pelo seu bem orientado programa de combate
aos partidos políticos e ao governo.
Como se ache, atualmente, em foco, no Nordeste, a questão de repressão do
banditismo profissional, agitada pelo Sr. Estácio Coimbra, resolvemos ouvir a
opinião do Sr. Matos Ibiapina sobre o assunto.
Começamos por perguntar-lhe se acreditava na eficiência dos governos estaduais
para exterminar o bandoleirismo.
Assim nos respondeu o ilustre jornalista:
- Combate-se uma epidemia sem eliminar as suas causas?
E acrescentou:
- Todos os governos novos, a fim de impressionar bem aos seus governados e aos
dirigentes da nação, tomam a iniciativa de guerrear os bandidos dos sertões.
Não é a primeira tentativa que se faz nesse sentido. Mais de um entendimento
tem sido promovido entre os diferentes estados do Nordeste. Tudo tem sido
debalde.
Por quê?
Simplesmente porque as causas geradoras do banditismo persistem em vários
Estados.
Não haveria cangaceiros se por toda parte houvesse o respeito à lei. São os
administradores que inoculam no espírito do caboclo do sertão essa revolta
contra os fundamentos jurídicos da sociedade. Não compreende ele que o governo
de um povo consista no espezinhamento dos direitos alheios, justamente por
parte dos que têm a responsabilidade de sua defesa.
É o exemplo das arbitrariedades policiais que transforma o pacífico e obediente
homem do sertão na fera que é o chefe de bando.
Os elementos destinados à garantia da ordem assumem o papel no hinterland
nordestino, de instrumentos de perseguição manejados pelos amigos políticos dos
governos.
São eles que arrastam às prisões, por mero capricho dos reguletes locais, os
adversários políticos e seus apaniguados.
São eles que lhes tomam as propriedades, que deixam impunes os atentados à
honra das famílias.
São eles, em uma palavra, que incutem na alma dos sertanejos a convicção de que
ou se devem deixar escravizar ou reagir pelos mesmos processos de que são
vítimas constantes.
Um dos atuais chefes de bandoleiros do Nordeste era um cidadão pacífico, que
exerceu o cargo de prefeito de uma vila cearense. Teve de recorrer ao cangaço
indignado com a polícia que lhe incendiou as propriedades.
- Mas Lampião, por exemplo, não está nesse caso. É um criminoso perverso.
- Os bandidos dividem-se em duas grandes categorias: a dos revoltados contra as
injustiças dos poderosos e os lançados na carreira pelos mandões, que os
perseguem quando não mais precisam dos seus serviços.
No primeiro caso, está Santa Cruz; no segundo, Lampião.
Aquele, que é um bacharel em direito, depois de assistir as mais torpes
violências contra a sua família, reagiu, e, de queda em queda, teve, por força
das circunstâncias, de chefiar um grupo, em que se alistaram criminosos da pior
espécie.
Este serviu, durante muito tempo, às ambições de políticos da Paraíba e vivia
na intimidade de elementos de destaque da política cearense.
Quando, no meu Estado, cogitaram de organizar os célebres batalhões
patrióticos, Lampião foi convidado pelo “general” legalista para assumir uma
posição de comando nas hostes governistas.
Essa declaração foi feita pelo padre Cícero, do Juazeiro, ao meu jornal e pelo
próprio Lampião, em entrevista que nos concedeu.
Só ultimamente, é que se verificou o rompimento de relações entre esse famoso
bandido e conhecido cangaceiro político da Paraíba. Essa desinteligência foi
até registrada pelos vates do sertão.
Lampião, como vê, está ligado à história pátria como um dos baluartes da
legalidade. Por mero acaso, ele não é hoje um herói nacional, depois de ter
sido, durante muito tempo, um colaborador dos políticos do sertão.
Nessas condições, é evidente que, enquanto perdurar essas semelhanças entre os
políticos e os bandidos, os governos que prestigiam àqueles não podem dar
combate a estes.
No meu Estado, os amigos do governo – aliás chefiado por um desembargador –
para ganharem uma eleição de prefeitos, mandaram a polícia prender um juiz de
direito e um promotor.
Não é de admirar que Lampião recorra ao saque para alimentar os seus homens e
ao assassinato para se defender dos seus inimigos. O banditismo de Lampião é
muito justificável do que o dos políticos governistas.
- Não acredita, pois, na extinção da praga que, de tempos imemoriais, vem
infestando o interior nordestino?
- Absolutamente, não.
Acho até que essa iniciativa dos governos é uma falta de camaradagem.
É mais uma classe desunida.
Júlio de Matos
Ibiapina (Aquiraz, 22 de setembro de 1890 - Rio de Janeiro, 1947) - vide mais
sobre este advogado, militar, professor e escritor e jornalista brasileiro na
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