Não sei hoje, mas na escola me ensinaram que o nosso país sempre foi considerado uma nação de “paz”, um país “tranquilo”, onde nunca ocorreu uma “grande e sangrenta revolução” e que aqui somos rotulados como um povo “pacífico”.
Pura balela!
Neste nosso vasto país continental, ao longo de sua jovem história, o que não faltaram foram revoltas, insurreições, revoluções, guerras e toda sorte de confusão.
Destas muitas revoltas ocorridas em nossa existência, um dos fatos menos lembrados é a chamada Revolta dos Alfaiates, ou dos Búzios, ou ainda Inconfidência Baiana.
Este movimento estourou no dia 12 de agosto de 1798, na Bahia e apesar do nome como ficou conhecido, entre seus membros havia sapateiros, alfaiates, bordadores, escravos, além de advogados, médicos e padres.
Esta ação recebeu forte influência de outros movimentos como a Revolução Francesa e a luta pela independência dos Estados Unidos, cujos ideais eram propagados principalmente pelos membros das Lojas Maçônicas da Bahia. Igualmente fatores econômicos, o aumento de impostos e a carestia também ajudaram a propagar esta revolta.
Não se pode esquecer que em 1763 houve a mudança da capital do país do para o Rio de Janeiro, que até então era Salvador que detinha esta privilegiada condição.
A capital baiana sofreu com a perda de recursos e de importância política e as condições de vida da população local vieram a piorar sensivelmente.
Em 12 de agosto de 1798, panfletos feitos por Luis Gonzaga das Virgens, um soldado do 1º Regimento de Granadeiros, chamados pelas autoridades de “Boletins Sediciosos”, propagavam pelas ruas da capital baiana ideias como a independência da Província da Bahia de Portugal, a criação de um governo republicano, comércio com nações estrangeiras através da abertura dos portos, aumento de salários dos militares de baixa patente, libertação dos escravos e outras ideias. Os panfletos convocando a população a se posicionar contra o domínio de Portugal foram fixados nas paredes e distribuídos pelas ruas da cidade.
Tal como na Inconfidência Mineira, em 1789, os membros mais intelectualizados e abastados eram entusiasmados nos discursos das reuniões as portas fechadas. Mas segundo alguns autores, estes foram incapazes de organizar o movimento de forma objetiva, ficando em intermináveis planejamentos e análises.
Para estes estudiosos, os negros foram os mais ativos e acabaram tomando a coordenação da Revolta. A possibilidade de abolição da escravidão trouxe muitos cativos a lutar pela sua liberdade.
Os panfletos de Luiz Gonzaga chegaram até o então governador da Bahia, que ordenou ao comandante do corpo policial que prendesse os envolvidos. Como é totalmente normal no Brasil, os membros mais populares do movimento foram presos, sofreram terríveis torturas e quatro deles, o soldado Jose das Virgens entre eles, acabaram mortos em praça pública e esquartejados.
Para marcar na mente dos baianos a repressão ao movimento, os portugueses deixaram expostos os pedaços dos revoltosos em vários logradouros de Salvador.
Já sobre os envolvidos o movimento que eram mais abonados, bem, estes foram condenados a penas mais leves ou tiveram suas acusações retiradas.
Cipriano Barata
Um dos envolvidos no movimento que possuía uma formação superior foi o baiano Cipriano José Barata de Almeida. Este já foi apresentado no nosso “Tok de História”, em no nosso primeiro artigo (http://tokdehistoria.wordpress.com/2010/12/28/a-vida-do-doutor-barata-em-natal/).
Cipriano Barata era uma figura verdadeiramente exótica e de um nativismo exaltado. Nasceu no seio de uma família abastada e formou-se em medicina na Universidade de Coimbra, sendo conhecido na Bahia como “médico dos pobres”. Pela ação prestativa de Cipriano de atender as doenças da população mais necessitada de Salvador e não cobrar nada por este serviço, lhe é creditado a grande adesão de negros a este movimento revolucionário.
Homem de ideias liberais e republicanas, influenciado pela Revolução Francesa, irrequieto e combativo, coube a ele no movimento baiano a divulgação entre os mais pobres das ideias de libertação dos opressores portugueses, com a intenção de se criar uma república sem discriminação racial e sem escravidão.
Mas com a descoberta da Revolta dos Alfaiates, Cipriano Barata foi um dos presos.
Devassa na casa de Cipriano Barata - Fonte - Biblioteca Nacional - RJ
No processo existente na Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro, sabemos que em 22 de setembro de 1798, quase dois meses após a deflagração do movimento, Cipriano se encontrava detido na cadeia da Relação. Uma velha prisão no centro de Salvador, fundada em 1660 e que funcionava no subsolo da Câmara Municipal.
Neste mesmo dia 22 de setembro, por ordem do Desembargador Francisco Sabino da Costa Pinto, foi realizado um “Auto de Sequestro” de 74 livros encontrados na casa de Cipriano pelo capitão Joaquim José de Sousa Portugal.
Livo de La Faye
Foram encontramos livros técnicos, como “Princípios da cirurgia”, do francês Jorge de La Faye, que foi publicado em língua portuguesa em 1787. Uma outra obra era, “A arte de se tratar a si mesmo nas enfermidades venéreas, e de se curar de seus diferentes sintomas”, do médico francês Edme-Claude Bourru (1741-1823), doutor regente da Faculdade de Medicina da Universidade de Paris e que foi publicado em Portugal no ano de 1777.
Encabeçando a lista estava “História das revoluções da República Romana”, em dois volumes e escrito pelo historiador e abade francês René-Aubert Vertot (1655-1735). O autor desta obra escreveu também “História da conspiração em Portugal” e “História das revoluções na Suécia”, o que certamente deve ter deixado o Desembargador Francisco Sabino de orelha em pé. Os autos apontam que este livro poderia ter até sido um dos últimos a terem sido encontrados na casa de Cipriano, mas pelo sugestivo título mereceu estar no topo da lista e assim ser útil para incriminar ainda mais Barata na revolta.
Entretanto este é o único livro apresentado no documento que poderia ser enquadrado diretamente, sob uma determinada ótica, como “subversivo”.
Além do livro de Vertot, o que a devassa nos livros do revolucionário Cipriano Barata mostra que ele tinha um gosto bem eclético em relação à leitura.
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Extraído do blog "Tok de História"
do historiógrafo Rostand Medeiros