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domingo, 22 de março de 2020

LAMPIÃO DE MOCINHO A BANDIDO

NOVO LIVRO CONTA A SAGA DA VALENTE SERRINHA DO CATIMBAU

O professor e historiador Antônio Vilela está lançando seu novo livro sobre o cangaço: "Lampião De Mocinho a Bandido - A saga de Serrinha do Catimbau contra o Cangaço".  

O autor está comercializando seu livro em vários pontos da cidade durante o Festival de Inverno de Garanhuns, depois fará uma série de lançamentos na região, até em cidades do Rio Grande do Norte, Alagoas e Paraíba.
No lançamento do livro do amigo Vilela, Lampião de Mocinho a Bandido, na Praça da Palavra em Garanhuns, PE

O novo livro de Vilela foi produzido na Editora Bagaço, em Recife, e tem orelhas escritas por Jairo Luiz, sócio da SBEC - Sociedade Brasileira para o Estudo do Cangaço.

O novo Lampião, é um exemplar obrigatório para quem quer saber mais sobre as histórias dos cangaceiros.

Sinceramente, o melhor trabalho de Antônio Vilela, em todos os sentidos, pesquisa, escrita e edição.

Adquira logo o seu, antes que os colecionadores venham invadir a estante do autor. 

Peça-o através 
deste e-mail: incrivelmundo@hotmail.com

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HERÓIS DA TERRA DO SOL

*Rangel Alves da Costa

Os heróis nem sempre são gestados pelos livros de história ou pelos feitos tidos diferenciados dos homens comuns. Muitas vezes, por serem pessoas demasiadamente comuns, são tidas até sem o devido reconhecimento.
Mas então desponta a face de seu verdadeiro heroísmo: o anonimato, porém de vivência em bravura tamanha que não há como deixar de reconhecer sua distinção. Surgem, assim, os heróis da terra. às vezes continuam anônimos. Outras vezes ganham as páginas da posteridade.
Há bravura maior que o do vaqueiro em meio ao toco de pau e aos pontiagudos espinhos das matas e catingueiras?
Há denodo maior que arar a terra seca e depois do trabalho se dar ao ofício da prece, da oração e da promessa, para que a chuva chegue e a semente seja lançada?
Há coragem maior que a do bravo caçador que adentra os escuros da mata em busca da caça para alimentar a família?
Há esforço maior que o do lavrador, de enxada ou foice à mão, sobre o chão rachado de calor e debaixo da fornalha do sol?
Há persistência maior que a do pobre homem da terra que replanta a planta morta e depois ainda faz renascer a esperança de colher grão?
Há heroísmo maior que sofrer o sofrimento do bicho na pele e no osso, que chorar a mesma lágrima do animal, que berrar por dentro o mesmo berro de dor daquele na desvalia da fome e da sede?
Há intrepidez maior que deixar a panela vazia, a filharada esperando qualquer “de comer”, e no mato adentrar em busca de um preá escondido nas locas das pedras?
Há reinado maior que o do pedacinho de chão sertanejo, onde reis e rainhas dividem na luta as esperanças de dias melhores, ainda que o sofrimento chegue dia após dia?
Há heroísmo maior que se manter com caráter, respeito e moral, ainda que pelos arredores voejem os abutres da política e dos assistencialismos em troca de voto?
Todos são heróis, são sertanejos de excepcionalidades indescritíveis. De nobreza inigualável é a vida do sertanejo, do homem da terra, do mato, dos escondidos, das distâncias matutas.
E todos são igualmente heróis, bravos guerreiros, fulgurantes Ulisses em Odisseia. Na história e no cotidiano sertanejo, não há coadjuvante, não há personagem de segundo plano no seu enredo e trama.


Todos, indistintamente, são protagonistas, atores principais nas páginas reais de uma epopeia chamada existência. De uma saga chamada sobrevivência.
No livro-sertão, cada personagem possui importância igual, cada um influencia na gestação de uma realidade a muitos desconhecida e até incompreendida, mas sempre tão comovida e comovente.
Além deste pedestal de lutas e vitórias, de sofrimentos e inglórias, há de se reconhecer o heroísmo em cada um, em cada ser nascido e vivente no mundo-sertão. Todos são, pois, heróis sertanejos. Não existe o sertanejo comum, o reles sertanejo, o sertanejo desvalido de tudo.
Mesmo na pobreza e magrez há o heroísmo da sobrevivência, mesmo na carência e no sofrimento há o heroísmo da luta por dias melhores, mesmo na angústia pela mesa sem prato e pelo prato vazio há o heroísmo dá invenção do viver, mesmo na lágrima que cai escondida e na prece que nunca é ouvida há o heroísmo pela abnegação da esperança incontida.
Há o heroísmo na acumulação de riquezas em meio hostil. Há o heroísmo na casa bonita e no móvel da sala, vez que sempre um sonho realizado. Há heroísmo no veículo na garagem e no sítio para repouso e estadia, vez que nascidos de cada pingo de suor. Mas outros heróis tão reais que chegam a assemelhar a deuses e semideuses de um Olimpo Matuto.
Mateiros, roceiros, pequenos agricultores, vaqueiros, autônomos, vendedores, pescadores, fateiras, varredoras de rua, garis, lenhadores, coureiros, bordadeiras, rendeiras, artesãos, doceiras, lavadoras de roupas, pedreiros, serventes, caçadores, feirantes, beatas, missionários, benzedeiras, rezadores, todos, enfim.
Há imenso heroísmo numa gente que vive distante, escondida, oculta, vivendo seus dias apenas perante seus mundos. Uma gente em casebres, em toscas moradias, e que ainda bebe água de pote e cozinha em fogão de lenha.
Mas também na bravura de uma gente que foi além da normalidade. Pessoas com sangue no olho ou rosários em mãos, sujeitos de valentia ou rebeldia, e que foram além de suas portas para enfrentar com outras armas as realidades apresentadas.
Lampião foi herói na jornada, Padre Cícero e Frei Damião heróis nas suas missões de fé, Antônio Conselheiro no seu desvario consciente por um mundo humanizado através do trabalho e da religião.
Gonzagão foi herói, Dominguinhos também. Mas também Tião, Bastião, Jucundina, Luzia, Timóteo, Pedro, João, Bastiana, Porcina, Minervina. Heróis da luta, do suor, da prece, da oração, da persistência, da vela acesa, do rosário nas mãos.
Aquela heroína que encontrei no Assentamento Madre Teresa de Calcutá: debaixo do sol, voltando da mata e carregando na força dos braços uma carrada de toco de pau para fazer lenha. Que heroína maior desse mundo-sertão!
Heróis como eu e você, que sertanejos somos sem jamais abdicar desse orgulho maior!

Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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MÚSICA DO SERTÃO NA RUA DOS PESCADORES DUAS TARDES COM O POETA JOÃO MARTINS DE ATAÍDE


Por Joel Silveira

(Da Agência Meridional)

A canção dos boiadeiros, dos arigós e dos vendedores das feiras livres do Nordeste. – “Um cabra já me contou que Lampião sabia de cor o meu “Suspiros de um sertanejo”. – O sonho e o pesadelo. – “Sei poesia apenas para os gastos”. – Um poeta rústico fala dos poetas cultos - A poesia em Pernambuco é um caso de polícia.

Nesta reportagem da série “O caminho do Norte”, Joel Silveira nos conta a história do poeta João Martins de Ataíde, poeta do sertão, da seca, das lendas, das caatingas e dos bandoleiros. É um homem humilde, que tem sua pequena tipografia na rua dos Pescadores, no Recife, e que escreve seus versos, diariamente, no balcão onde seus “livros” se empilham. Mais de oitenta folhetos de João Martins de Ataíde enchem hoje as feiras livres do nordeste brasileiro: são dramas e “abecês”, lendas e desafios, numa poesia ingênua, forte e colorida.

A intransigência da atual política pernambucana transformou a poesia também num caso de polícia, e há quase um ano, o poeta Ataíde não produz nada, vítima da censura.

RECIFE, setembro – O poeta João Martins de Ataíde vive perdido na rua dos Pescadores, nesta cinzenta e asfixiante Recife de hoje, mas seus versos e cantos correm, livres, como um vento do povo, por todo o sertão nordestino do Brasil. Os homens das caatingas e das margens dos rios cantam seus poemas: boiadeiros que descem para o Cabrobó, arigós que fogem da seca, vendedores das feiras de Juazeiro, Campina Grande e do Crato, todos os mendigos e cegos das estações da Leste Brasileiro e da Great Western – a cuia de metal bate, desesperada, sob a janela do vagão, e a voz triste enternece os heroicos passageiros a bitola estreita:

“Pois o juízo do pobre
Sempre vive em reboliço
Trabalha e nunca tem nada,
Parece mesmo um feitiço,
Se acorda ao romper da aurora
Para não perder a hora
De começar o serviço.”
Na cidade do Lagarto, dentro de Sergipe, escuto, da boca de um violeiro, a história do bandido Lampião:
“As crianças na orfandade,
Sem pão, sem pai, a chorar
Vendo a funérea desgraça
Entrar na porta do lar.
E ver seu pai inocente,
Ser morto barbaramente
Depois de tanto penar.”

E nunca mais posso esquecer aquela cega que, na porta da agência da Navegação Aérea Brasileira, em Petrolina, nos contou, a mim e aos meus amigos aviadores, a desgraçada e lancinante história do retirante:

“É o diabo de luto
No ano que no sertão,
Se finda o mês de janeiro,
E ninguém ouve trovão,
O sertanejo não tira
O olho do matulão”.

Há dezenas, centenas de cantos outros, e há mais de vinte anos que eles varrem as caatingas, as serras, as desgraças, as fugas e as raras trovoadas do nordeste brasileiro. João Martins de Ataíde é um poeta simples – sua fala é a fala do povo, também a existência no sertão deixou vivas marcas no seu rosto, e ele me confessa, cheio de uma ingênua pureza, que enquanto houver povo sua poesia “dispensa inspiração”.

- Converso com os homens das feiras, boiadeiros e sertanejos, e escuto suas histórias. Não invento nada. A única coisa que faço é colocar os fatos no “metal de fala”.

LAMPIÃO E OS “SUSPIROS DE UM SERTANEJO”

No seu “metal de fala” (que equivale à “técnica poética” dos bardos cultos das cidades), João Martins de Ataíde já colocou todas as lendas e contos deste Nordeste: histórias simples e comoventes, heroicas e sentimentais, e sem dúvida alguma Ataíde é o grande poeta popular do cangaço. Lampião, Corisco, Volta Seca, Gavião e Zé Baiano são os heróis arrogantes, maus e valentes de algumas dezenas de “livros” seus - e ele chama de livros os pequeninos folhetos de dez e vinte folhas que são vendidos nas feiras do Nordeste por quinhentos centavos ou um cruzeiro. Na tarde em que conversamos, ele me confessou um dos seus grandes orgulhos:

- Um cabra já me contou que Lampião sabia de cor o meu “Suspiros de um sertanejo”. Me disse assim: “Seu Ataíde, o capitão gostava muito dos seus versos. Quando a gente parava num pouso, de noite ou dia, ele se livrava das ferramentas e começava a ler poesias. O “Suspiros” era a que ele gostava mais”.

É de tarde, estamos aqui na sua pequena oficina, afogados ambos num mundo de versos e abecês; as pilhas dos folhetos se acumulam como pequenas montanhas, e lá dentro, como um banguê infatigável e lírico, o prelo monótono vai moendo os versos que, amanhã ou depois, ganharão todas as estradas do sertão. Possivelmente parecerá muito estranho ao agente de polícia que, nestes últimos quatro dias me segue incansável e paciente por todos os recantos do Recife, que um jornalista do Rio esteja a perder seu tempo e sua curiosidade com o rústico poeta Ataíde. Deixo-o, contudo, espetado na esquina, o glorioso charuto na boca, a simbólica bengala no braço, e aqui dentro, perdido na história da princesa Megalona” ou na “Discussão de um operário com um outro”, é como se toda Recife fosse um mundo singelo e feliz, com seu povo sem medo andando pela rua, com seus estudantes distantes dos cárceres e das masmorras, com sua polícia apenas para afugentar ou restringir as atividades dos malfeitores ladrões. O poeta João Martins de Ataíde me conta sua história: é um homem do sertão, mas, falar a verdade, veio menino para a cidade grande – e de Cachoeira de Cebolas, na Paraíba, onde nasceu, se lembra pouco:

- Me lembro bem da cancela do engenho, que rangia muito.

Aos oito anos de idade, conforme contou ao meu amigo Paulo Pedrosa, do Diário de Pernambuco, encontrou-se com o primeiro cantador do sertão: Pedra Azul, que Ataíde julga um dos sujeitos mais surpreendentes do mundo; ele me diz:

- Pedra Azul era capaz de enfiar versos durante três dias seguidos. Só parava para beber água.

Pergunto-lhe quando lhe veio a primeira vontade de fazer versos, e Ataíde me responde:

- Foi no campo, eu estava tangendo o gado. Me veio uma sonolência, então me sentei debaixo de uma árvore; depois me deitei, e agora podia ver o céu azul lá em cima. Me lembrei das glosas de Pedra Azul e comecei a improvisar os primeiros versos. Tinha doze anos de idade.

Mais tarde, com a ajuda de uma cartilha de ABC, de Laudelino Rocha, aprendi a ler – “Tropeçando, mas ia”, me diz ele.

Ataíde nasceu em 1880, mas com 18 anos já possuía um pequeno sítio em Cachoeira, na Paraíba, e algumas cabeças de gado. Veio, porém, a tremenda seca de 93 e esfarelou tudo:

- Folha, rio, lagoa e verde, tudo virou farinha.

Perdeu o que tinha, arribou, como um simples cassaco, para Camaragibe, em Pernambuco. Mas tarde, mudou-se para o Recife, e o Recife tem sido sua sede fixa. Aqui começou a imprimir seus primeiros livros, aqui começou a ganhar seus primeiros dinheiros. Fez uma pequena fortuna somente com as edições dos seus folhetos, e pouco tempo depois do primeiro “livro” em cada feira livre do Norte, em cada mercado, havia uma banca especial vendendo os versos do poeta Ataíde.

O RIO CONTRA O POETA

Um dia João Martins de Ataíde teve um sonho ousado, mas sua ambição redundou num tremendo fracasso: é que ele resolveu fazer uma viagem ao Rio, onde tentaria divulgar seus versos:

- Nunca tive um pensamento tão besta.

Chegou ao Rio com pouco mais de sessenta contos de reis, e ouviu de um amigo de viagem, comissário de bordo, que o grande negócio da Capital Federal era comprar casa. Comprou duas com o dinheiro, mas pouco tempo depois, ao assinar a escritura, um tabelião se meteu no meio, artigos de lei foram recrutados, parágrafos e códigos razões e imposições, e o poeta Ataíde acabou perdendo casa e dinheiro. Hoje ele me diz, muito sério:

- Até agora ainda não compreendi direito aquele negócio: só sei que me deram uma porção de papel para assinar, me mandaram comprar selo e mais selo, e uma tarde o tabelião (me diz o nome do tabelião mas pede, “por todos os santos”, que não o divulgue) me informou com voz triste que eu não podia ficar com a casa. Me garantiu, porém, que eu recebia os 42 contos de volta, mas até hoje ainda estou esperando.

Com as sobras do primeiro negócio falhado, Ataíde adquiriu um chalezinho suburbano, para os lados de Marechal Hermes. Morava sozinho, com uma empregada. Um dia, porém, a empregada, de combinação com o amante, um espanhol (possivelmente um futuro falangista) trancou o poeta no quarto, e os dois saquearam a casa inteira. Não deixaram anda:

- Eu gostava de dormir numa rede, no quarto, apenas de cueca, porque o verão estava brabo. Pois bem, meu amigo, quando acordei só tinha a rede e a cueca. Nem sair na rua podia. Tive que escrever um bilhete ali mesmo e mandar buscar, por um menino que ia passando, quinhentos mil réis de um amigo.

Acontecimentos tão melancólicos e incômodos fizeram com que o Rio de Janeiro fosse definitivamente arrancado do coração e das conjeturas do poeta João Martins de Ataíde. Ele me diz:

- Como o senhor vê, não posso gostar de uma cidade assim.

Além do mais, outra coisa havia, essencialmente carioca, que era o tormento do bardor sertanejo:

- A falta d’água. Que coisa pavorosa! Como é que um cristão pode passar dois dias sem tomar banho?

A CENSURA MATA O POETA

Um amigo havia me informado que há mais de um ano que Ataíde não escreve nada. Pergunto ao poeta se é verdade, e ele responde que sim:

- Tem nove meses que não faço uma sextilha.

- Muito trabalho?

- Trabalho nada. Meu trabalho é este mesmo. Sou eu quem escreve e quem imprime meus próprios versos. E não preciso de ambiente. Escrevo aqui mesmo, em cima do balcão, com este pedaço de lápis que o senhor está vendo. Já estou muito prático.

Quais os motivos, portanto, de sua trégua poética? João Martins de Ataíde fala vagamente em cansaço, velhice, mas as verdadeiras razões ainda me são dadas pelo amigo informante:

- Ataíde está sendo vítima da censura mais estúpida. Ele tem mais de cinco manuscritos na mesa do censor policial, pois que, como você sabe, aqui em Pernambuco também a poesia é um caso de polícia. Somente um maníaco ou um mau poderá descobrir qualquer caráter subversivo nos versos simples, rudes e ingênuos de Ataíde. Mas você sabe até que ponto, entre nós, chegou a intransigência e o ódio dos homens.

No dia seguinte, quando levo ao poeta algumas cópias dos instantâneos tirados na véspera, volto ao assunto. Mas Ataíde, algo inquieto, diz que nada tem importância, que apenas implicaram com a sua linguagem, e que separou para me ler o que ele julga sua melhor história no seu melhor “metal de fala”. Trata-se do “Boi Misterioso” que, conforme diz a lenda:

“Durou vinte e quatro anos
Nunca ninguém o pegou;
Vaqueiro que tinha fama,
Foi atrás dele e chocou;
Cavalo bom e bonito
Foi lá porém destacou”.

Sua voz é úmida e fanhosa, e atrás dela, no mesmo ritmo, como se já houvesse decorado todo o repertório do poeta, canta também o pequeno prelo:

“No sertão de Quichelou,
Na fazenda Santa Rosa,
No ano de vinte e cinco
Houve uma seca horrorosa,
Ali havia uma vaca
Chamada “Misteriosa”.

Enquanto Ataíde me lê, relanceio os olhos em derredor: há aqui, em cima da secretaria entulhada, alguns volumes de poesias, Casimiro, as “Espumas Flutuantes” de Castro Alves, as poesias completas de Gonçalves Dias. Mas Ataíde, minutos atrás, me disse que conhece poucos poetas. Dos modernos ouviu falar vagamente em Jorge de Lima.
- Não preciso ler os poetas grandes porque não posso aprender nada com eles. Minha poesia pobre eu vou buscar mesmo dentro de mim e dentro povo. É coisa que não precisa banco de aula.

E num sorriso:

- Quanto à minha, só sei para os gastos.

Deixo a casinha da rua dos Pescadores noite quase fechada. O diligente agente policial me espera na esquina e novamente se põe, na sua afanosa profissão, a me seguir pelas enviesadas ruas do Recife velho. Eis aqui um pobre protagonista de um drama muito rico; de um drama que, desdobrado com inteligência, poderia render umas vinte ou trinta reportagens – e não deixo de invejar os possíveis repórteres que viveram no Recife de há séculos, ocupados pelos holandeses. Mas a questão é grave e o assunto longo. Sigamos o conselho do próprio poeta João Martins Ataíde:

“Agora caro leitor,
Entremos no conteúdo,
O livro tem pouco espaço
Para contar a miúdo.
Só num livro muito grande
Poderá se escrever tudo”.

Diário da Noite (RJ) - 08/10/1944

Do acervo do pesquisador do cangaço Antônio Corrêa Sobrinho



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SUBGRUPO DE CANGACEIROS COMANDADOS POR ÂNGELO ROQUE "O LABAREDA".



A entrega se deu no ano de 1940 em Paripiranga Estado da Bahia. Nesse mesmo ano houve o cerco e morte ao cangaceiro Corisco. A foto foi batida em abril de 1940, na Sede da Secretaria de Segurança, em Salvador/BA. Os cangaceiros haviam se entregado antes, em Paripiranga. Foram enviados até Salvador, acompanhados de soldados. Então, na Secretaria, em cerimônia para a imprensa, bateram a foto.

Legenda da Imagem

1 - Saracura (Benício Alves dos Santos)
2 - Flauzina ( Flauzina Alves de Lima, companheira de Saracura)
3 - Zephinha (Josepha Maria de Jesus)
4 - Deus te Guie ( Domingos Gregório dos Santos)
5 - Ozana ( Anna da Conceição, companheira de Deus Te Guie)
6 - Josepha (Josepha Maria da Conceição, companheira de Jandaia)
7 - Maria Eunice (filha de Flauzina com um cangaceiro já falecido)
8 - Patativa ( Antonio Pedro da Silva)
9 - Labareda ( Ângelo Roque)
10-Jandaia


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A FILHA DESCONHECIDA DE CORISCO.



A notícia caiu no meio dos estudiosos do cangaço de maneira tipo "Eita!".

Alguns estão aguardando que tenhamos as provas que pedem: teste de DNA. Acontece que não seremos nós a solicitar tais testes e se bem que terá que haver a anuência dos personagens familiares de Cristino Cleto, o Corisco.

CORISCO não deixou fortuna e sua esposa Dadá, que não sabemos, se sabia das aventuras dele nesse sentido, precisou trabalhar e muito para sustentar as filhas que foram morar com ela. A fortuna de CORISCO, se é que existiu, ficou no sonho. Portanto não existe interesse da Senhora Enalva e nem nossa, de inventar essa história. Eis o jornal que deu a notícia lá no longínquo ano de 1936.

Esta descoberta veio por meio de Antônio Pinto autor do livro LAMPIÃO, A SUA VERDADEIRA MORTE, contestado pela grande maioria dos pesquisadores do Cangaço e aceito por parte da população de Pão de Açúcar em Alagoas onde segundo testemunhos dos antigos o Sr. JOÃO NOVATO era Lampião.

Deixaremos abaixo os links das reportagens feitas pelos dois pesquisadores, Osvaldo Abreu e Raul Meneleu, que registraram o enterro simbólico de João Novato/Lampião inclusive com a Sra. Enalva, a filha de Corisco.


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GUERRA NO SERTÃO


Por José João Souza

Na época do Brasil colônia a defesa da lei e da ordem estavam entregues as famílias proprietárias de terra, que agiam fazendo uso da violência com o objetivo de garantir a defesa de seus interesses e a preservação de seu status. A valentia e a violência formaram os costumes e as tradições que deram embasamento moral a um hábito da população sertaneja, chamado de “código de honra” do “cabra-macho”.


As leis e tradições normativas herdadas dos portugueses vigorou no Brasil através do Código Filipino, desde a instalação da colônia até o início da década de 1830, quando foi substituído pelo novo Código de Processo Criminal do Império.

Segue abaixo, algumas Leis elementares do Código Filipino:

Toda pessoa, de qualquer estado ou condição que seja, que ferir outra em rixa em nossa presença, ou na casa em que Nós (representantes do rei) estivermos, morra morte natural e perca sua fazenda para a Coroa do Reino. [...].

E os que tiverem armas na Cidade, Vila, ou lugar em que Nós estivermos, ou na Casa de Suplicação sem Nós, ou em seus arrabaldes para ferir, ou ofender outrem [...] se for peão, e com ela não ferir, seja [ele] açoitado publicamente com baraço e pregão.

Achando o homem casado sua mulher em adultério, licitamente poderá matar a ela, como o adúltero, salvo se o marido for peão, e o adúltero Fidalgo [...] ou pessoa de maior qualidade [...].

Todo aquele que, por qualquer maneira disser que arrenega, ou [...] descrê de Nosso Senhor, ou de Nossa Senhora, [...] se for peão, [ou] filho de peão, levem-no ao pelourinho, e metam-lhe uma agulha [...] pela língua e dêem-lhe vinte açoites com baraço e pregão.

Como podemos ver, as leis portuguesas arbitravam um imenso poder repressivo as autoridades municipais, ou seja, as famílias tradicionais do sertão. A honra invicta, a macheza indômita, a valentia insubmissa e o mando familiar tradicional, formavam um patrimônio simbólico, que se revestia em poder político, econômico, moral e social.

As famílias dominantes lutavam pelo preenchimento dos postos da máquina pública, visando obter poder e prestígio e desta forma eram arrastadas ao conflitos de interesses, pois não havia vaga para todos. Como diz o poeta Ivanildo Vila Nova:

Não podia existir paz
No país dos cangaceiros
Omena contra Calheiros
Os Ferraz contra os Novaes
Os Cabral contra os Moraes
Morte, vingança e questão
Montes, Feitosa e Mourão,
De todos herdou o traço
Lampião, rei do cangaço
Foi assombro do sertão.

Dessa forma, o sertão se tornou um terreno fértil para o florescimento do cangaceirismo.



ANICERO RODRIGUES


Por Antônio Corrêa Sobrinho

AMIGOS,

De ANICETO RODRIGUES, o pernambucano da Polícia Militar de Alagoas, o homem que chefiou uma das três volantes que, em agosto de 1938, em Sergipe, mataram Lampião, Maria Bonita e nove outros cangaceiros, pouco sei, senão que este militar, após Angicos, atuou partidariamente na política local; que foi acusado de ter assassinado a esposa; que foi preso, expulso e, mais tarde, reincorporado à Polícia Militar; e que foi assassinado em 1959.

Mas, a reportagem que extraí do jornal DIÁRIO DA TARDE, do Paraná, publicada no dia 07 de outubro de 1957, portanto, menos de dois anos antes da sua morte, na verdade, naquilo que se refere a ANICETO RODRIGUES, podemos dizer que nasceu do acaso, artigo intitulado “NOTAS DE UM REPÓRTER EM ALAGOAS”, penso ser única, ou uma das poucas, em jornal, a dizer tanto de ANICETO RODRIGUES, inclusive o seu expressar, através da confiável pena do romancista e teatrólogo Antônio Callado. É matéria que diz muito nas suas entrelinhas, do momento existencial do estado nordestino das Alagoas, sobre o BAR DAS OSTRAS, em Maceió, sobre o pouco que evoluímos no campo da civilidade.

Trouxe, também, a notícia da morte de Aniceto Rodrigues, pelo Diário de Pernambuco.

NOTAS DE UM REPÓRTER EM ALAGOAS

O CANGACEIRO SINCERO

Um verbo novo, “impichar”, e turistas de Arapiraca – A verdadeira história das cabeças cortadas de Lampião e seu bando – “Misses” e aguadeiros – Ingredientes para o futuro no alpendre do Bar das Ostras
Intitulando-se simplesmente “repórter”, o romancista e teatrólogo Antônio Callado, redator chefe do importante “Correio da Manhã”, fez aqui um relato vivamente jornalístico de suas observações em Alagoas imediatamente após os acontecimentos da célebre sexta-feira 13 na Assembleia Legislativa. Com expressa e gentil autorização pessoal do escritor Antônio Callado reproduzimos o seu trabalho, publicado inicialmente naquele matutino.

“IMPICHAR”

“Entre outas coisas o estado de Alagoas já deu à língua um novo verbo: impichar. Desnecessário se falássemos sempre em impeachment nós teríamos chegado ao impichar. Em Alagoas o verbo se ouve naturalmente. Vejam por exemplo, como fizeram lá o relato das várias tentativas estaduais de impichamento:

- O negócio começou assim. Em 1948 tentaram impichar o Silvestre. Em 1953 quiseram impichar o Arnon, que só tinha 17 deputados a seu favor contra 18 na oposição. O Arnon conseguiu pescar o Adalberton Cavalcanti e o impichamento não teve curso. Agora com o Muniz o impichamento foi para valer.

Tenho a impressão de que nos aferramos ao termo inglês para dar a impressão de que na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos todos os dias há um impichamentozinho. Pela olhadela que dei a palavra no Webster e na Enciclopédia Britânica parece que o instituto do impichamento caiu em desuso inventando na Inglaterra (onde a Câmara dos Comuns propõe “impeachment” e dos Lordes o julga) o “impeachment” passou aos Estados Unidos, ficando a tarefa dos Comuns com os Representantes e a dos Lordes com os senadores. Isto no plano federal como no de cada Estado. Mas parece que os últimos impichamentos tanto na Grã-Bretanha como nos Estados Unidos ocorreram em meados do século passado.

Se o impichamento do Muniz funcionar tenho a impressão de que, em Alagoas, quando qualquer oposição tiver maioria o governador está impichado.

TURISTAS E CANGACEIROS

Outra palavra que em Alagoas está adquirindo sentido novo é turista. Quando cheguei a Maceió me disseram que me hospedasse no 20 BC, pois os hotéis da cidade estavam cheios de turistas.

- Não há vagas? Indaguei.

- Não é isto. Turista aqui são os capangas que vem de Arapiraca para executar o serviço e voltam no dia seguinte. O Claudenor está lá no Hotel Bela Vista com bem uns seis turistas.

Não consegui falar a nenhum dos turistas, mas devo dizer que são extremamente polidos todos os alagoanos pistoleiros. Três vivem de preto e tem maneiras corretíssimas. Um eu já encontrara no Rio, o deputado Oseas Cardoso e dois fui encontrar lá: Walter Mendes e Abraão Moura. Este último é o famoso deputado do colete de aço. Viajou comigo de Maceió para o Rio e tentei de todas as maneiras fazê-lo falar. Pequenino, franzino, grisalho, manso. Abraão fitava o solo, modesto, enquanto eu lhe dizia:

- Vou escrever que o senhor entrou no recinto da Assembleia de colete de aço e metralhadora e que os governistas é que iniciaram o fogo. Esta é a história que me contaram todos os oposicionistas e é a única que ouvi. Ninguém do seu lado quer desmenti-la, falando à imprensa.

- Nós combinamos não fazer declarações, ainda respondeu Abraão, como se eu lhe tivesse dito que era o maior alagoano vivo e ele se esquivasse aos meus arroubos.

O jovem Walter Mendes, ainda meio criança, é tipo que se encontra em qualquer esquina de Copacabana com seu bigode, sua atitude de sinhozinho que nasceu para dar ordens. Quando lhe perguntamos, numa varanda do Palácio do Governo em Maceió, se tinha entrado na Assembleia com metralhadora, respondeu, sério e macio:

- Ora qual nada. Eu só levava uma arminha de cano curto e nem pude sacá-la.

Arma de calibre baixo em Alagoas é coisa para maricas. Homem que se preza anda de parabélum 45 ou metralhadora quando é dia de votação importante. No dia em que toda a imprensa esperou e esperou no Palácio pela entrevista que o governador Muniz Falcão não concedeu, um fotógrafo, (...) de “Manchete”, Pedrosa, resolveu dar um susto nos palacianos. Andou mexendo lá no seu flash eletrônico de maneira a produzir um estampido seco, de tiro. Saiu, parece, mas fraco. Ninguém veio ver de que se tratava. Na sala de conferências alguém deve ter dito ao governador:

- Não se incomode, Excelência. Deve ter sido um 32.

CANGACEIRO SINCERO

Foi no Bar das Ostras que encontrei o único cangaceiro sincero, o coronel Aniceto, chefe da volante que capturou e matou Lampião, na fazenda do Angico, em Sergipe. Aliás, o Bar das Ostras e alguns restaurantes semelhantes da mesma zona, à beira da lagoa Mundaú, salobra, representam o único refúgio culinário de Maceió. A lagoa produz ostras exageradas, imensas, verdadeiros filés de ostra trancados em conchas que mais parecem lascas de sílex, e além disso produz camarão excelente e toda variedade de peixes. Na cidade, propriamente dita a gente se considera feliz quando consegue um sururu com ovo mexido, mas ao Bar das Ostras pode se levar qualquer comilão erudito. O Bar é uma tapera, mas a comida é de rei.

Comíamos no Bar das Ostras acompanhados de redatores da “Gazeta de Alagoas” quando surgiu um cinquentão atlético, um caboclo de chapéu de feltro desabado, blusão azul, bons dentes.

- Aquele é o coronel Aniceto, disse-me um dos rapazes.

Aniceto é figura popular em todo o Nordeste, desde os tempos de Virgulino Ferreira e há pouco tempo esteve no noticiário dos jornais por haver levado uns tiros políticos, ou meio políticos, da cidade de Pão de Açúcar. Em grande parte as lutas políticas de Alagoas são meros ramis de lutas familiares e quase sempre o fator familiar, ou da amizade quando em choque com o político, predomina. Aniceto é contra Muniz Falcão. No entanto, quando foi alvejado pelo pistoleiro Elísio Maia estava em companhia do deputado Luiz Rezende (PSP) que é munizista. Mas acontece que o pai do deputado foi assassinado pelo mesmo Elísio Maia, que assim odeia Anicleto, não pelo fato de ser munizista mas pelo fato de ser rezendista, quando Rezende no entanto é munizista... Além do deputado havia um cabra em companhia de Aniceto, quando Elísio tentou matá-lo. Esse amigo de Aniceto é que levou o chumbo.

- Felizmente não me acertaram não. Acertaram ele, diz Aniceto, o cangaceiro sincero.

TIRO PELO TELEFONE

Só com a intervenção federal resultasse do tiroteio de sexta-feira 13 de setembro na Assembleia Legislativa é que Aniceto saiu de casa para vir ao Bar das Ostras. Na noite do tiroteio estava na casa do deputado (PTN) Oseas Cardoso.

- Eu estava lá com mais sete homens, conta Aniceto, para o que desse e viesse. Ligaram o telefone para a gente depois de começar o tiroteio. Nós ficamos passando o telefone um para o outro, e ouvindo a metralhadora e os tiros.

- Você ficou horrorizado, não Aniceto? Indagamos.

- Para lhe dizer a verdade não fiquei não. Eu gosto disso. Quando começa um tiroteio e dá no ar aquele cheirinho de fumaça eu gosto, mesmo. Se eu estivesse na Assembleia naquela hora atirava logo.

A DEGOLA DE CAIXA DE FÓSFORO

Aniceto tem 47 anos e nasceu em Santa Maria da Boa Vista, norte de Petrolina, zona sanfranciscana de Pernambuco. Era o tenente do grupo que liquidou Lampião. Contei-lhe que um dia o sargento Bezerra tinha aparecido no “Correio da Manhã” para se explicar a respeito das cabeças. O fato é que, liquidados Lampião, Maria Bonita e todo o grupo, os macacos tinham decepado as cabeças de um por um dos jagunços, o que chocou um tanto os leitores do Rio. Acho que foi “A Noite Ilustrada” que publicou na ocasião a foto das cabeças de todo o bando arrumadas numa estante, chapéu na cabeça. Os bibelôs mais sinistros que já vi. Pois Bezerra, que é de Afogados de Ingazeira veio ao “Correio” explicar que as cabeças não tinham sido cortadas por malvadez, não senhor, era preciso provar que o bando tinha sido liquidado e era impossível carregar por léguas os corpos inteiros. Quando contei isto a Aniceto, ele resmungou qualquer coisa a respeito de Bezerra, mas não respondeu diretamente. Disse:

- Eu só cortei uma cabeça daqueles cangaceiros. Me disse até que o nome dele era Caixa de Fósforo.

- Foi para levar a cabeça de prova? insisti.

- Não, não pensei nisso, não. Me deu a gana, e cortei ali na hora.

É o que se chama, sem dúvida, o impulso do momento.

NÃO É LOTTISTA

Aniceto tomou parte em revoluções também. É um homem de situação legal, uma coluna da sociedade.

- Na revolução de 1930 eu estava com o governo e na de 32 lutei contra São Paulo.

- Você é mais legalista do que o general Lott, observou alguém.

- Mas não sou lottista, não, disse Aniceto sem maiores explicações.

Era um chefe militar austero quando comandava volantes pelos sertões atrás de bandidos.

- Quando eu estava comandando uma volante, não deixava ninguém reclamar. Eu dizia a eles: soldado é superior ao tempo. Hoje eu durmo em colchão de molas, tenho minhas aventuras, e gosto muito dessa vida que levo. Mas soldado é soldado. Quando algum dos meus reclamava eu berrava logo: “Homem, vá pra casa da peste!” E também não gostava de gente mangando comigo. Um dia, na Floresta do Navio, fui à farmácia comprar Melhoral, porque estava com dor de cabeça. Me perguntaram: “O senhor é policial de onde? De Alagoas?” “De Alagoas, sim senhor, apesar de ter nascido em Pernambuco”. “É verdade que mataram Lampião”. “Morreu mesmo, eu respondi”. E o outro disse: “Eu acredito no senhor porque é gente de Pernambuco. Mas me disseram que Lampião morreu foi envenenado”. Eu olhei para o camarada e os companheiros dele e disse: “É. Com veneno que vocês mandaram”. Eles aí me trataram logo direito e não perguntaram mais nada assim, não.

JORNAL EMPASTELADO

Aniceto cercado de jornalistas evoca um acontecimento do governo Silvestre Péricles. Aniceto mal tinha saído da prisão quando foi encarregado de quebrar um jornal da oposição – máquinas, repórteres tudo que fosse possível. Aniceto empacou. Em primeiro lugar mal saíra de um período de prisão e não desejava voltar às grades caso fosse apanhado. Em segundo lugar conhecia gente no jornal e não queria machucar conhecidos. Chamou um desses conhecidos e explicou:

- Olha, vou lhe pedir um favor. Não apareça no jornal hoje não, e diga lá à turma para não ir também.

- Mas...

- Deixe de mais, seu. Não apareçam lá, não.

- Combinado.

De noite Aniceto, com seu grupo, foi quebrar as linotipos. Não havia vivalma no jornal oposicionista, calado de véspera pelo coronel Aniceto.
PLUFT, O BATISTINHA

Aniceto estava satisfeito com a notícia da demissão do primeiro delegado de Maceió Batista Acioli, sobrinho do senador Antonio Sales. Sua alcunha é “Pluft, o Fantasminha” de Maria Clara Machado. O homem parece que andou botando presos políticos para marcharem na rua, de noite, dando a Maceió um aspecto algo fantasmal.

ADEUS AS OSTRAS

A beira da lagoa Mundaú do Norte havia também, além do cangaceiro sincero, duas misses: Alagoas e Minas Gerais; havia pequeninos saveiros pondo um rabicho chinês na paisagem: havia maltrapilhos meninos aguadeiros puxando o jegue carregado de latas e pacientes caboclas fazendo rede de pescar camarão. Havia ali, no Bar das Ostras, material com que organizar um futuro melhor para as Alagoas.

Não se pense que Aniceto, o cangaceiro sincero, da ideia de decadência e crime. Os que desolam a gente, são os cangaceiros jurídicos, os da Assembleia.

Diário da Tarde (PR) – 07/10/1957

SOBRE A MORTE DE ANICETO

“JÁ DEVIA TER MORRIDO...”

RIO, 14 (Meridional) – “Já devia ter morrido antes” – disse o senador Silvestre Péricles de Gois Monteiro à reportagem sobre o assassínio do coronel Aniceto Rodrigues, em Alagoas. Como foi noticiado, a vítima participava da oposição ao governo Muniz Falcão, sendo amigo íntimo do Sr. Oseas Cardoso.
Diário de Pernambuco – 15.05.1959
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NOVO CRIME AGITA ALAGOAS: O CORONEL ANICETO, MORTO POR TRÊS PISTOLEIROS
Era um dos remanescentes da luta de Angicos, onde foi massacrado o bando de Lampião – O oficial, assassinado em União dos Palmares, teria sido vítima de políticos governistas, de inimigos pessoais ou de irmãos de um pistoleiro a quem assassinara
MACEIÓ, 13 (Meridional) – Foi abatido ontem, a tiros, na localidade de Mundaú Mirim, município de União dos Palmares, o tenente coronel da reserva remunerada da Polícia Militar do Estado, Aniceto Rodrigues. O crime ocorreu cerca das 18,30, em um bar do referido povoado.
O coronel Aniceto, antigo participante da volante da Polícia alagoana que degolou o célebre cangaceiro Virgulino Ferreira, o Lampião, tombou varado por inúmeros disparos partidos das armas de três indivíduos cuja identidade ainda não foi apurada, estando o delegado de Ordem Política em diligências em União, a fim de apanhar os criminosos que fugiram para lugar ignorado.
Segundo informações ainda não de todo confirmadas, o coronel assassinado teria resistido a seus matadores, não logrando, no entanto, êxito, em face do alvo que se tornou para uma fuzilaria que teria constado de mais de trinta disparos.
Até o momento em que escrevemos estas notas, nada de oficial se conhece acerca da ocorrência, circulando variadas versões do crime, entre as quais a de que a esposa do militar teria abatido um dos pistoleiros.
O governador Muniz Falcão encontra-se no Rio de Janeiro, internado em uma casa de saúde. Em sua companhia, também seguiu, na semana última, o secretário do Interior, coronel Henrique Cordeiro Oeste. Por isso, sobre qualquer detalhe negam-se as autoridades a informar.
Para Mundaú Mirim seguiu desde a manhã de hoje grande número de Polícia, a fim de assistir ao sepultamento do coronel Aniceto. Também no referido local já se encontram representantes dos jornais desta cidade, apesar de as estradas, com as chuvas caídas ultimamente, se encontrarem praticamente obstruídas.
Homem de muitos inimigos, em torno de sua morte pairam as mais variadas suspeitas, atribuindo-se a responsabilidade do seu assassínio, inclusive a personalidades políticas da situação, uma vez que Aniceto, muito amigo do deputado Oseas Cardoso, era considerado um dos mais perigosos homens da oposição no Estado.
MACEIÓ, 13 (Meridional) – Aniceto Rodrigues dos Santos, anteontem assassinado na localidade de Mundaú Mirim, município de União dos Palmares, contava 52 anos de idade, era pernambucano e oficial reformado da Polícia Militar deste Estado, como tenente-coronel, posto mais elevado que se pode atingir naquela corporação.
A sua carreira de soldado iniciou-se em novembro de 1932. Nos seis primeiros anos de vida miliciana, conseguiu elevar-se até o posto de aspirante, graças aos seus atos de bravura, em repetidas lutas contra o banditismo.
Entre as expedições de maior vulto, de que participou, salienta-se o combate de Angico, onde ajudou a eliminar Lampião e seu bando.
Fatos da sua vida privada, entretanto, interferiram desfavoravelmente na sua conduta de soldado. Em 1944 foi excluído da Polícia, como desertor, punição que coincidiu com o crime de morte que praticou em sua primeira esposa, dona Iraci Brito, em Piranhas.
Cinco anos depois, em 1949, foi reincluído nas fileiras da PM com o mesmo posto de aspirante e, já um ano depois, era graduado 2º tenente. Após galgar normalmente os postos de 1º tenente e capitão, Aniceto Rodrigues reformou-se, como tenente-coronel, sendo beneficiado com as leis especiais da carreira e “do banditismo” que lhe conferiram duas promoções consecutivas – capitão e major.
OUTROS DETALHES
MACEIÓ, 13 (Meridional) – O tenente-coronel, reformado, Aniceto Rodrigues, abatido por três pistoleiros em Mundaú Mirim, distrito de União dos Palmares, bem na fronteira de Alagoas com Pernambuco, participou das lutas contra o bando de Virgulino Ferreira, o Lampião, estando presente no combate do qual saíram sem vida o Rei do Cangaço e alguns bandoleiros, degolados em Angicos, estado de Sergipe.
O assassinado participou também, em diferentes épocas, de outros acontecimentos sangrentos ocorridos em nosso Estado, dentre eles o do dia cinco de maio de 1957, na cidade de Pão de Açúcar, quando se deu cerrado tiroteio, saindo ferido o senhor Claudio Barbosa. Naquela ocasião o tenente-coronel Aniceto atribuiu ao seu inimigo, Elísio Maia, atualmente deputado estadual, a autoria da tentativa contra a sua existência.
Foi a julgamento, ainda, certa feita, sob a acusação de ter eliminado sua esposa dona Iraci Brito, quando ela se achava dormindo. Era filha do conhecido agricultor senhor Brito, do município de Piranhas, e prima-irmã da conserte do coronel João Bezerra, outro combatente do banditismo.
Existem várias versões sobre a autoria da morte do conhecido tenente-coronel Aniceto Rodrigues. Uma atribui ao deputado Elísio Maia o plano de extermínio do seu adversário. Outra a parentes da esposa assassinada. Uma terceira dá como matadores os três irmãos de Serafim de tal, pistoleiro conhecido como Pinga Fogo, morto barbaramente, pelo referido militar.

Diário de Pernambuco – 14/05/1959

ANICETO RODRIGUES


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