Por Ademir
Guerreiro
Cangaceiro
morreu em 28 de julho de 1938 na Grota de Angicos, em Sergipe.
Maria Bonita
nunca pisou no Ceará, na Paraíba e no Rio Grande do Norte. Como ela entrou
depois no cangaço, a presença dela só foi registrada em Sergipe, Alagoas, Bahia
e Pernambuco"
Segundo Renato
Oliveira Mendonça, 45, sobrinho da Rainha do Cangaço, há muita mitificação da
figura de Lampião, principalmente quando se fala das mortes ocorridas durante o
movimento do cangaço. “Lampião era uma pessoa boa também. Ele fazia o bem para
muita gente. Ele foi transformado em um homem violento e agressivo por conta
das histórias contadas apenas pela volante [polícia da época], mas isso não era
a pura verdade.”
Mendonça
lembrou ainda que até mesmo as volantes que perseguiam Lampião e seu bando
cometiam crimes e depois colocavam a culpa no Rei do Cangaço. “Ele tinha mais
fama do que currículo de bandido. Os policiais roubavam, estupravam e matavam.
Depois era só espalhar pela cidade que tinha sido Lampião”, disse ele.
Medo após a
morte
Para João de Souza, 43 anos, o medo instalado na mente das pessoas que viveram
aquela época fez com que Lampião fosse temido mesmo após sua morte. Alguns
cangaceiros, perto de completarem o centenário de vida, ainda seguem em
silêncio.
“Muita gente
deixou de falar e ainda não fala o que sabe sobre o cangaço porque ainda tem
receio dos cangaceiros. Muitos me pedem para parar de ‘desenterrar’ Lampião”,
disse o historiador, que lançou na semana passada o livro “Moreno e Durvinha -
Sangue, amor e fuga no Cangaço”.
O fato,
segundo o historiador, não é querer desenterrar Lampião pura e simplesmente,
mas resgatar a memória de um movimento considerado como um dos maiores símbolos
da cultura nordestina. “Trabalhar com pesquisa sobre o cangaço é quase uma
atividade heroica, pois muita gente ainda treme quando houve falar o nome de
Lampião, principalmente os que conviveram com ele e tem histórias para contar”.
20 anos depois
O primo de Maria Bonita disse que as pessoas precisam saber de suas origens e
contar as histórias que sabem ou que viveram com Lampião e o cangaço.
“Eu, por
exemplo, só fiquei sabendo de meu parentesco com Maria Bonita quando tinha 20
anos. Só fui conhecer meus primos e tios, todos da família de Maria Bonita, aos
40 anos.”
Mendonça conta
que sua avó morreu e levou para o túmulo o que sabia sobre Lampião.
“Ela mesma
nunca me contou nada sobre Maria Bonita e Lampião. Quando eu tocava no assunto,
ela bufava e mudava o rumo da conversa”.
Além do Rei e
a Rainha do Cangaço, morreram na Grota de Angicos os cangaceiros Quinta-Feira,
Luís Pedro, Mergulhão, Elétrico, Enedina e outros quatro que ainda permanecem
desconhecidos, segundo o pesquisador Antônio Amaury Corrêa. Há, no entanto, um
dilema entre historiadores sobre os nomes de quem estava no local.
Para João de Souza, 43 anos, outro pesquisador e historiador especializado em
cangaço, apenas a identidade de um dos cangaceiros permaneceria desconhecida.
“Os outros mortos seriam Macela, Moeda e Alecrim. Já na placa de homenagem aos
mortos na grota também inclui nome de Colchete. Os estudos e pesquisas sobre o
que efetivamente aconteceu em 1938 no local sempre continuam.”
O fato é que
todos tiveram suas cabeças cortadas e expostas como troféus na escadaria onde
hoje funciona a Prefeitura de Piranhas, em Alagoas. Há registros oficiais de
que os cangaceiros tivessem passado pelos estados do Piauí, Rio Grande do
Norte, Ceará, Pernambuco, Bahia, Alagoas e Sergipe.
Para se chegar ao local há duas maneiras. A primeira delas, e a mais viável, é
seguir por Piranhas. Na cidade há um serviço de catamarã que leva turistas e
pesquisadores para a Grota de Angicos. O passeio dura cerca de 30 minutos pelo
Rio São Francisco, entre os estados de Sergipe e Alagoas. Depois de atracar em
solo sergipano, os passageiros precisam seguir por uma trilha de
aproximadamente um quilômetro, aberta em meio à vegetação da caatinga.
Antes de seguira pela trilha, há um restaurante que serve comidas típicas
nordestinas, como carne de bode, galinha de capoeira e doces como rapadura e
balas feitas de doce-de-leite.
A trilha até se chegar até a Grota de Angicos é extremamente íngreme e repleta
de pedras, o que dificulta ainda mais a caminhada. O forte calor da caatinga é
outro agravante para a conclusão do trajeto.
A cidade de Piranhas abriga o Museu do Sertão, que tem um espaço reservado para
o cangaço. Há manuscritos originais de Lampião e fotos da época em que o grupo
de cangaceiros liderado por Virgolino estava na região.
Jairo Luiz de Oliveira, secretário municipal de turismo e de cultura, disse que
muito material ainda precisa ser catalogado para ser exposto no museu.
“Analisamos
todo o material que nos é doado ou que a secretaria de cultura adquire para
enriquecer a cultura local. Temos essa preocupação com o comprometimento
histórico do movimento. A reabertura do museu, que ficou algum tempo fechado
para visitação, foi um grande passo para isso”.
Cinquentenário
A cidade de Paulo Afonso (BA), onde nasceu e viveu Maria Bonita, completa 50
anos de emancipação política na mesma data em que a morte do casal aconteceu.
O medo
provocado pela presença física ou até mesmo pelas histórias e lendas contadas
sobre Lampião ainda persiste. O rei do cangaço morreu há 70 anos, na Grota de
Angicos, em Poço Redondo (SE), durante uma emboscada montada pelos policiais. O
cangaço terminou em 1940, mas mesmo assim as pessoas, principalmente no
Nordeste do país, sentem desespero quando se fala em Lampião.
Testículos na
gaveta
Segundo Lima, uma dessas lendas revelava que um sujeito estava cometendo
incesto e foi flagrado por Lampião. O cangaceiro separou os dois irmãos e foi
conversar com o rapaz. Ele falou para o homem que era para colocar os
testículos na gaveta e fechar com chave. Lampião, então, colocou um punhal
sobre o criado-mudo e disse:
"Volto em dez minutos, se você ainda estiver
aqui eu te mato". “A crueldade de Lampião estaria em fazer a tortura e
obrigar o sujeito a cortar sua masculinidade para continuar vivo”, disse o
historiador.
Crianças no
punhal
Em outra história lembrada pelo pesquisador, a população, com medo da fama de
violento de Lampião, acreditava em todas as histórias sobre o cangaço. Uma
delas foi criada com o objetivo de afugentar os sertanejos que ajudavam a
esconder os cangaceiros, os conhecidos coiteiros. As volantes (polícia da
época) espalharam que Lampião matava crianças com punhal. Segundo uma das
histórias contadas pelos policiais, o cangaceiro jogava as crianças para o alto
e as parava com um punhal.
Outro relato que se espalhou conta a história de que Lampião só conseguia se
esconder na mata durante as perseguições das volantes porque subia nas árvores
e fugia pelos galhos das copas. Lima disse que isso foi publicado em um livro
sobre o cangaço como se fosse verdade e muita gente ainda acredita nessa
história, desmentida por ele e outros especialistas.
“Quem conhece a caatinga
sabe que na região onde Lampião passou e lutou não havia árvores com copas.”
Você fuma?
Lima lembra de outro caso: Lampião teria sentido vontade de fumar e sentido o
cheiro da fumaça de cigarro. Ele caminha um pouco e encontra um sujeito
fumando. O cangaceiro vai até o homem e pergunta se ele fuma. O indivíduo vira
para olhar quem conversava com ele e, assustado por ver que era Lampião,
responde com medo:
"Fumo, mas se quiser eu paro agora mesmo!".
Outra lenda
contada nas rodas de amigos no Nordeste até hoje é a de que Lampião chegou à
casa de uma senhora e pediu que ela fizesse comida para ele e para os
cangaceiros. Ela cozinhou e, com medo da presença de Lampião em sua casa,
esqueceu de colocar sal durante o preparo.
Um dos
cangaceiros do grupo de Lampião reclamou que a comida estava sem gosto. O rei
do cangaço, então, teria pedido um pacote de sal para a mulher. Ele despejou o
sal na comida servida ao cangaceiro reclamante e o forçou a comer todo o prato.
O integrante do grupo de Lampião teria morrido antes mesmo de terminar de
comer.
Lampião
zagueiro
Para finalizar, Lima disse que, na década de 1960, uma empresa pesquisadora de
petróleo no Raso da Catarina, em Paulo Afonso (BA), abriu uma pista de pouso
para trazer os funcionários de outras regiões que iriam executar trabalhos de
pesquisa. Vale salientar que não foi encontrado petróleo no local, apenas
algumas reservas de gás. Na década de 1970, um estudioso do cangaço teria
encontrado o campo de pesquisa parcialmente encoberto pelo mato e escreveu, em
livro, que aquele seria um campo de futebol construído por Lampião.
“O
pesquisador ainda teria reportado, de maneira totalmente infundada, que o rei
do cangaço teria atuado no time como zagueiro”, disse Lima.
O “Baile
Perfumado”, dos pernambucanos Paulo Caldas e Lírio Ferreira, mostra um bando muito
cruel, mas que não descuida da aparência. Conta a história do fotógrafo Abraão
Benjamim, que convenceu Lampião a deixá-lo acompanhar o grupo. Queria ser o
primeiro a documentar o cangaço.
Do filme
original resta um fragmento de aproximadamente 11 minutos, que revela a rotina
de Lampião e seus comandados, inclusive as mulheres. Maria Bonita, entre elas.
O
sírio-libanês Abraão Benjamim foi assassinado antes de Lampião. Muitas das
fotos que ele tirou estão expostas em Serra Talhada, sertão de Pernambuco, onde
Virgulino Ferreira nasceu. Um museu reúne documentos para quem quer entender um
pouco dos paradoxos do cangaço, que teve Lampião como principal personagem.
“Um dia de
1929, por exemplo, em que ele sangrou sete soldados do destacamento de
Queimadas, na Bahia, uma hora depois estava dançando um forró animado com as
damas da vizinhança, chamadas pra dançar com os cangaceiros. Então, essa
convivência de contrários, essa convivência de antinomias, confere essa
grandeza à personalidade de alguém que pode ser considerado tudo menos vulgar”,
diz Frederico Pernambucano, historiador.
Os cangaceiros
também estampavam nas bolsas que levavam a estética própria do cangaço. Como
eram nômades, elas funcionavam como espécies de armários, onde levavam de tudo,
dos alimentos ao ouro. Uma delas pertenceu ao próprio capitão Lampião.
Na roupa de
Maria Bonita encontrada dentro do bornal que ela carregava quando morreu, o
desenho caprichado em galão. Nas luvas do companheiro, a declaração de fé em
Santo Expedito.
“O nível de preocupação
estética dele era muito maior do que a do moderno homem urbano. A estética do
cangaço encerra também uma mensagem mística, no sentido de talismã ou de
amuleto”, afirma Melo.
Lampião morreu
há 70 anos e deixou herança na música e na dança. Quando queriam se divertir os
cangaceiros dançavam xaxado. Até hoje jovens de Serra Talhada fazem o mesmo,
sem descuidar não somente do passo, mas também de cada detalhe da roupa, do
jeito dos cangaceiros.
Um grupo de
nove parentes de Virgolino Ferreira da Silva, o Lampião, veio do Recife para
São Paulo, na semana passada, para visitar a única irmã viva do Rei do Cangaço,
Maria Ferreira Queiroz, conhecida como dona Mocinha. O encontro foi realizado
no domingo (5), no Centro de Tradições Nordestinas (CTN).
Ao todo, o
encontro reuniu mais de 20 descendentes de pelo menos três gerações do
cangaceiro. O último encontro da família havia ocorrido em Pernambuco, em 1997.
Só que, daquela vez, foi dona Mocinha que viajou para rever os parentes. Em São
Paulo, ela vive em um apartamento, no bairro de Santana, com os filhos Expedito
e Valdeci.
Desta vez, o
plano da viagem foi anunciado em um almoço de família, na capital pernambucana,
no fim de maio. O passeio por terras paulistanas vai durar até este sábado
(11), quando o grupo retorna para casa. Nos intervalos das visitas para dona
Mocinha, os pernambucanos não perderam a oportunidade de conhecer pontos
turísticos de São Paulo, como o Mercado Municipal, além de fazer compras na Rua
25 de Março.
Segundo Sandra
Queiroz, neta de dona Mocinha, o objetivo da viagem foi fazer uma
confraternização familiar.
"Queremos passar nossa história para os mais
jovens da família. Queremos que as gerações mais novas da família conheça a avó
e possa conhecer de perto uma outra face de Lampião”, disse Kátia Queiroz.
Dona Mocinha,
apesar de estar gripada, não recusou o convite para o reencontro e seguiu para
o CTN.
"Nunca imaginei que faria um passeio desse. Eu gostei", disse
a atual matriarca da família de Lampião.
Saudades
A cada
reencontro com os sobrinhos, netos, bisnetos e tataranetos, dona Mocinha abria
um sorriso no rosto. Quando a memória lhe faltava, ela perguntava objetivamente
de quem se tratava a pessoa que estava abraçando.
"Eu estava gripada, mas
fiquei boa hoje só para reencontrar minha família. Só não fazia ideia que era
tanta gente."
Apesar da
gripe, ela suportou com força de menina o encontro, que durou cerca de quatro
horas. É justamente a idade de dona Mocinha que pautou algumas rodas de
conversa entre os parentes viajantes. O documento de identidade da irmã de
Lampião indica que ela nasceu em 8 de janeiro de 1906, portanto, ela teria 102
anos, mas ela se recusa a afirmar que tenha essa idade, e não é por vaidade.
"Eu tenho 90 anos", disse ela em um primeiro momento. Logo em seguida,
ela buscou mais fundo na memória e disse ter os 99 anos. "Completo 100
anos em 2010", afirmou a matriarca.
O irmão 'Rei
do Cangaço'
Dona Mocinha
diz que não lembra do irmão como cangaceiro e nem sabe nada sobre o movimento,
pois era muito pequena quando ele entrou no cangaço. Lampião e Maria Gomes de
Oliveira, a Maria Bonita, morreram em 28 de julho de 1938, na Grota de Angicos,
em Poço Redondo (SE), durante uma emboscada montada pela volante (polícia) da
época. Os dois se tornaram mitos da história brasileira.
À época do
assassinato deles, dona Mocinha teria, pelas contas dela mesma, 28 anos, e
pouco contato com o irmão.
"Só me lembro de ter encontrado com ele uma vez
depois que ele saiu de casa."
Lampião nasceu
em 4 de junho de 1898, no sítio Passagem das Pedras, em Serra Talhada. Criado
entre 1908 e 1912, segundo registros de historiadores, o cangaço existiu até
1940.
Alguns
pesquisadores dizem que Lampião circulou apenas pelo sertão, mas outros afirmam
que os cangaceiros deixaram pegadas pelo agreste. O certo é que Lampião não foi
o criador do cangaço, mas sim Sebastião Pereira da Silva, o único chefe do Rei
do Cangaço, conhecido como Sinhô Pereira.
Dona Mocinha irmã de Lampião
Veja quem
participou da expedição para visitar dona Mocinha:
- Rodrigo
Queiróz, 15 anos, bisneto de dona Mocinha e sobrinho-bisneto de Lampião
- Rafael Queiroz, 11 anos, bisneto de dona Mocinha e sobrinho-bisneto de
Lampião
- Amanda Queiroz, 16 anos, neta de dona Mocinha e sobrinha-neta de Lampião
- Sandra Queiroz, 48 anos, neta de dona Mocinha e sobrinha-neta de Lampião
- Kátia Queiroz, 48 anos, neta de dona Mocinha e sobrinha-neta de Lampião
- Clarice Queiroz, nora de dona Mocinha
- José de Queiroz, neto de dona Mocinha e sobrinho-neto de Lampião
- Ana Cristina Queiroz, 40 anos, esposa de José de Queiroz
- Ana Maria Mendonça, sogra de José de Queiroz
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