Por Jonas
Duarte
Falo com a
autoridade de quem já foi um crítico persistente do Projeto de Transposição do
São Francisco. Consideramos o projeto como uma obra que continua limitada à
busca de soluções apenas hidráulicas para o Semiárido. Consideramos, todavia,
que a questão do Semiárido é muito mais ampla e grave. Não se pode esperar
desenvolvimento nessa região, no sentido amplo do termo, que não passe por sua
reestruturação socioeconômica.
Essa
reestruturação socioeconômica exige democratização do acesso a terra e a água,
a eliminação da pobreza com políticas sociais inclusivas, a estruturação do
território com inúmeras técnicas e tecnologias de captação, armazenamento, usos
e reusos dos recursos hídricos no Semiárido, os quais não são poucos. Exige
ainda um trabalho vigoroso de recuperação do nosso principal bioma, a Caatinga,
e um redirecionamento forte na educação ali praticada, no sentido dela se
tornar uma Educação Contextualizada às condições próprias do Semiárido, o que
implica promover uma revalorização do Bioma e do Território com todas as suas
características, colocando em evidência as potencialidades e possibilidades de
convivência e transformação social desse lugar.
Pudemos
constatar, ao longo do tempo e de profundas pesquisas, que muita gente foi
capaz de progredir, avançar cultural, social e economicamente nessas terras,
mesmo sob as desastrosas ou ausentes políticas públicas para o território, como
resultado do uso de tecnologias disponíveis para produção e renda já existentes
nesse espaço maravilhoso do território nacional.
Infelizmente,
o nosso Bioma continua desvalorizado e mesmo a população da região ainda ignora
as suas imensas possibilidades decorrentes da riqueza e diversidade das suas
características próprias. Em conseqüência, o manejo ambiental e as
técnicas mais utilizadas continuam ampliando o processo de desertificação, a
degradação de nossos solos, de nossa vegetação e de nossa fauna. Persiste
apenas a busca de soluções definitivas através de grandes obras, como se
pudessem ser soluções mágicas.
É importante
destacar desde já que no Semiárido brasileiro há muita possibilidade de vida,
riqueza e desenvolvimento apenas tendo em conta as condições específicas que
lhe foram dadas naturalmente. Acrescentamos que é possível praticar políticas
econômicas inclusivas e de desenvolvimento social sob as condições naturais do
semiárido.
Para ilustrar
as afirmações acima, comparemos a realidade de dois municípios nordestinos. O
primeiro, o pequenino município de Várzea, no estado da Paraíba, com pouco mais
de 2 mil habitantes, inserido no Seridó Ocidental, região com média
pluviométrica em torno dos 500 mm anuais. O segundo, o município de Belém do
São Francisco, em Pernambuco, com cerca de 20 mil habitantes, banhado pelo
Velho Chico, com uma média pluviométrica de 500 mm. Em ambos o MMA – Ministério
do Meio Ambiente registra estágio grave de desertificação. Observem as diferenças
sociais entre esses municípios.
TABELA I
DADOS SOBRE
REALIDADE SOCIAL DOS MUNICÍPIOS DE VÁRZEA – PB E BELÉM DO SÃO FRANCISCO – PE
Índices
|
Várzea – PB
|
Belém de São
Francisco – PE
|
IDH M (2010)
|
0,707
|
0,642
|
ÍNDICE DE
GINI
|
0,35
|
0,44
|
INCIDÊNCIA
DE POBREZA
|
46,97%
|
64,28%
|
Fonte: IBGE,
Censo 2010
Para o leitor
que não é acostumado com esses índices, segue uma pequena referência para
facilitar o entendimento.
IDH M –
Índice de Desenvolvimento Humano Médio – Expressa, de forma geral, a qualidade
de vida da população a partir de três referenciais: Renda, educação e saúde.
Quanto mais alto melhor a qualidade de vida da população.
Índice de
Gini – Mede a concentração de rendas. Quanto mais próximo de 1 (um), mais
concentrada se encontra a riqueza.
Incidência de
Pobreza – Mede em percentual a população considerada pobre no município,
pelos critérios de renda e acessibilidade a bens e serviços.
É
indiscutível, pelos dados da Tabela, apresentados acima que, no geral, a
qualidade de vida no município de Várzea, em uma das regiões mais secas do
Brasil, e com dificílimo acesso a água é melhor do que em Belém de São
Francisco, banhada pelo Velho Chico. Aliás, para quem conhece, sabe que às
margens do São Francisco fica a grande miséria daquele município. Quem conhece
Várzea, na Paraíba, sabe também que sua elevada taxa de desenvolvimento,
comparada aos padrões do Semiárido brasileiro, advém de investimentos na área
de Educação.
Os dados
comparativos servem apenas para ilustrar o pensamento de parte da esquerda
brasileira que, na época de apresentação do Projeto de transposição do rio São
Francisco, em 2006/2007, se posicionou por privilegiar outras prioridades do
governo Lula. Questionava-se tanto o aspecto dos riscos socioambientais da
obra, como do ponto de vista socioeconômico.
Pressionava-se
por uma nova forma de cuidar do nosso principal Bioma, a Caatinga. Defendíamos
um novo rumo a ser dado nas políticas econômicas para o Semiárido, que se
fizesse a Reforma Agrária no Semiárido, obedecendo às suas características
próprias; que se fortalecesse a Agricultura Familiar Camponesa, as tecnologias
de convivência, as obras de captação e distribuição de água, democratizadas; que
em detrimento da Agricultura Familiar camponesa que alimenta o povo brasileiro,
não fortalecêssemos as grandes empresas internacionais que, afinal, já tomam
conta das águas e de parte do próprio São Francisco, onde essas águas se
escasseiam fruto desse uso desastroso. Enfim, era nesse rosário de críticas que
parte da esquerda militante no Semiárido se baseava para contestar as obras de
transposição do São Francisco, tidas como prioridade absoluta pelo Governo Lula
para a Região.
Parte do que
as esquerdas propunham para o Semiárido foi atendido nos governos Lula e Dilma.
Outros aspectos não foram contemplados. Porém, de uma coisa Lula e Dilma não
abriram mão. DA INTEGRAÇÃO/TRANSPOSIÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO.
Sendo sinceros
e honestos com a história e com as pessoas, temos que reconhecer que, enfrentando
todas as críticas acima apontadas, e todas as desconfianças expressas pelos
movimentos sociais de caráter popular mais à esquerda (que o apoiaram
sempre), foi o presidente Lula quem arregaçou as mangas, assumiu o Projeto
e teve a coragem de iniciar, construir e assegurar os recursos para a Obra. Isso
foi feito com o absoluto desprezo e descrédito por parte das oligarquias de
sempre, que nunca tiveram ou quiseram destinar recursos a grandes obras no
Nordeste.
O debate à
esquerda agora não pode ser mais “que a obra não deveria, não poderia ter
sido prioridade”. Parte das alternativas apresentadas ao projeto original
não foram incorporadas, ponto final. A realidade objetiva nos mostra hoje que
essa obra vai salvar, eu disse: SALVAR, da sede, milhões de nordestinos.
Não há mais sentido ficar em discussões: “mas SE… Se … se”. Não. A
primeira atitude de alguém sensato, preocupado com as transformações sociais
que necessitamos é discutir a realidade objetiva, concreta. O fato é que a obra
foi feita, com todos os riscos que conhecemos.
Cabe agora aos
movimentos populares sociais debater como a obra pode e deve beneficiar o
máximo de pessoas, sem incorrer em tantos riscos ambientais que sabemos
existir. E sem se tornar base de mais concentração de riquezas de um lado,
pobreza, miséria e destruição ambiental do outro, como enfim ocorre em todas as
obras inseridas na lógica perversa do capital.
É preciso
combater com veemência o Hidronegócio, que pode (está de olho) transformar em
mercadoria as águas que começam a jorrar, usando às claras esses recursos
públicos, comuns a todas e todos, para seu exclusivo beneficio, como já se
faz desde muitos anos em gigantescas áreas de terras às margens do Velho Chico,
acumulando fortunas de um lado e espalhando miséria e destruição ambiental do
outro.
Em função do
que foi dito até aqui é preciso colocar alguns pingos nos “is” e divisar
algumas tarefas para minimizar os riscos efetivos que decorrem da Transposição
do São Francisco.
Primeiro e
fundamental aspecto. Desmascarar esses políticos oportunistas, que
descaradamente e sem nenhuma vergonha querem se apropriar da Obra. Como se
a Transposição tivesse sido uma conquista deles ou mérito deles. Estou
falando de políticos GOLPISTAS, responsáveis por toda onda de violência e
agressividade que sofrem hoje a Presidenta Dilma e o Presidente Lula. Políticos
que agora se apressam em ir a rádios, TV’s, Jornais, espalhar outdoors em
defesa da transposição, pegando carona e dizendo que a transposição tem
suas caras. Ora, estes políticos participaram, apoiaram os diversos governos
federal a vida toda, se beneficiaram de todos, absolutamente todos os governos
que ali passaram, sejam de golpistas, ditadores ou democratas; neoliberais ou
desenvolvimentistas. Abarrotados de dinheiro, nunca foram além de tratar a Transposição
do rio São Francisco como mero projeto, ou de fazerem belos discursos. Só
isso. Na hora H, apenas Lula teve coragem, “sangue no olho”, como se
dizemos por aqui, para tirar a Obra do papel, do discurso, e assegurar sua
execução.
A Lula
principalmente, e a Dilma devemos o nosso reconhecimento. Não se pode esquecer
que a Obra fez parte do PAC – Plano de Aceleração do Crescimento, claramente
uma política desenvolvimentista, antineoliberal, assegurada pela visão de Dilma
e Mantega (demonizados por neoliberais de plumagem tucana). A Obra cumpriu
também um papel anticíclico, sendo uma forma de enfrentar a crise do
capitalismo, sem se render ao neoliberalismo clássico.
O que já
ouvimos e vimos nos últimos dias nas emissoras de rádio e TV na Paraíba, nos
enoja. Seria risível se não fosse trágico e imoral…Até o “chuchu tucano” de São
Paulo apareceu por aqui para dar entrevistas mostrando o que fez pela Obra.
Nossos políticos voltaram ao nível anterior a 30, pré-Getúlio Vargas. Seus
comportamentos são lastimáveis, tristes, coronelescos. Nunca assisti tanto
cinismo, despudor e oportunismo. O líder local golpista, dos tucanos, eleito
senador pela Paraíba para defender as “Quatrocentonas paulistas”,
descaradamente, desavergonhadamente atribui à FHC o inicio da Obra. Como não se
indignar diante de tanto oportunismo? De tanto descaramento?
Caso
tivéssemos influência junto aos petistas ou tivéssemos algum contato pessoal
com Lula ou com alguém do seu staff, proporíamos uma vinda de Lula à
Monteiro, à pequenina e rebelde Paraíba. Iniciaria na terra do valente João
Santa Cruz, de saudosa memória do levante de 1912 contra João Machado e o
“machadismo”, uma cruzada pela verdade. Ali, nas terras do maior repentista do
Brasil, Pinto, esse símbolo da cultura popular sertaneja; nas terras do grande
Zé Marcolino (aquilo tudo era Monteiro). Na terra do cantor da música que pede
para o “rio desaguar”, o grande Flávio José. A partir de Monteiro deveria
surgir uma espécie procissão da verdade sobre a Obra de Transposição do velho
Chico. Lula à frente, ali em Monteiro. Reuniria Ciro Gomes, seu Ministro que
começou toda essa peleja e brigou com muita gente, especialmente com nós da
esquerda para a Obra sair. Traria Dilma e Mantega, os ideólogos economistas.
Unir-se-ia ao Governador Ricardo Coutinho, guerreiro fiel nas horas de
turbulência, aliado digno, que ficou ao lado desse Projeto, econômico, hídrico…
Ali, Lula,
Ciro, Dilma, Ricardo Coutinho e todos os movimentos sociais que apoiaram e
lutaram pelos governos deles, recebendo as águas do Velho Chico começaria uma
reação à operação asquerosa contra os que querem se tornar “donos da obra”,
claro. Seus objetivos é privatizar seus fins e amealhar seus rendimentos
políticos e financeiros.
Essa turma
golpista, aqui na Paraíba já se movimenta para privatizar a CAGEPA. No
Congresso Nacional querem aprovar a permissão da entrega das terras banhadas
agora pelas águas do Velho Chico para empresas estrangeiras, que monopolizam o
agro e o hidro negócios hoje no mundo. Para essas explorarem as nossas águas,
solos e sol e deixarem o cascalho conosco. São entreguistas sem pudor. As águas
que hoje salvam de sede milhões de paraibanos, são vistas por eles, como
matéria prima de fazer fortunas.
Do ponto de
vista político é importante nesse momento fortalecer algumas das bandeiras
levantadas pelo Governador Ricardo Coutinho, sobretudo, a sua posição firme em
defesa da CAGEPA e da AESA. Companhias como estas, em mãos privatistas,
vendáveis, entreguistas, seria um desastre para a Paraíba e paraibanos.
É necessário
defender um Projeto Popular para Agricultura Familiar Camponesa, que fortaleça
os pequenos agricultores, disponibilizando-lhes a água e tecnologias
apropriadas para uma produção agroecológica, saudável e em harmonia com o meio
ambiente. Na mesma direção, cabe fortalecer o INSA – Instituto Nacional do
Semiárido, para efetivamente chegar junto das populações desse território com
ciência e tecnologias voltadas ao desenvolvimento sustentável desse território.
Os movimentos sociais do campo precisam ainda pressionar e exigir a recriação
do MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário e, nele, uma Coordenação de
Políticas para o Semiárido.
É de
fundamental importância organizar uma campanha educativa e efetiva de
revitalização e salvamento do Rio São Francisco. A Transposição não pode ser
(como está sendo) mais um fator de agressão e morte àquele rio. Pode e deve se
transformar num instrumento de sua defesa, de sua revitalização. Faz-se
igualmente necessária uma campanha em defesa da revitalização dos rios da
Paraíba, especialmente das bacias hidrográficas do Paraíba e Taperoá
(recebedoras do Eixo leste).
Hoje todos os
paraibanos devem saber que desmatar é crime e o atalho curto para destruir sua
perspectiva de futuro. é necessário aproveitar a oportunidade para um
grande programa de educação ambiental, voltado ao recaatingamento, ao combate à
desertificação e a recuperação de nossas áreas degradadas e consequentemente da
revitalização de nossos rios. São tarefas fundamentais de quem pensa no
futuro.
Vamos
aproveitar a chegada das águas do São Francisco para fazer esse debate em nosso
estado.
Sejamos
firmes: Água para a vida, não para a exploração, lucro e acumulação de riquezas
só de alguns. Afinal é no Semiárido que a vida pulsa, é no semiárido que o povo
resiste.
Sobre o
assunto:
Transposição:
o legado de Marcondes e o paradoxo político
COMENTÁRIOS
João Suassuna
– Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco
Que a água vai
chegar na Paraíba, isso não resta a menor dúvida. No entanto, o foco da
discussão não é esse. O problema está na segurança do rio, no fornecimento de
volumes suficientes para o abastecimento de 12 milhões de pessoas no
Setentrional nordestino, sem, ante, por em risco o meio ambiente da bacia e
todos os investimentos já efetuados no rio. A Chesf já investiu algo entorno de
U$ 13 bilhões, no parque gerador de energia do Nordeste. Cerca 80% dos volumes
do rio são utilizados no setor geração elétrica. Atualmente, está sendo
irrigada uma área de mais de 340 mil ha, e ainda existem os bombeamentos
efetuados para o atendimento das demandas hídricas das populações ribeirinhas.
Lembro, também, que a represa de Sobradinho está com cerca de 14,6% de seu
volume útil (no mês de abril a represa teria que estar com 60% de seu volume
preenchido para não haver problemas no atendimento de demandas). Estamos à
cerca de 60 dias do encerramento da quadra chuvosa da região, ou seja, há
possibilidades concretas de a represa vir a entrar em volume morto no mês de
novembro. Caso isso aconteça, gostaria de ver a cara de todos esses políticos
que, atualmente, estão brigando pela paternidade desse conflituoso projeto.
Enviado pelo professor, escritor, pesquisador do cangaço e gonzaguiano José Romero de Araújo Cardoso
http://blogdomendesemendes.blogspot.com