Por José
Tavares de Araújo Neto
Preso em
Missão Velha/CE e recambiado para a cadeia da capital cearense, em agosto de
1928, o cangaceiro Raimundo Morais relatou sua participação em marcantes fatos
da história do cangaço, citando importantes companheiros de luta, a exemplo de
Sebastiao (Sinhô) Pereira, Luiz Padre e Lampião e a relação de importantes
figurões da política cearense, paraibana e pernambucana, como o major José
Ignácio, do Barro; o coronel José Pereira, de Princesa; Yoyô Maroto (Crispim
Pereira de Araújo), de Belmonte; dentre outros.
A reportagem
foi publicada, em 01 de setembro de 1928, no Jornal “O Ceará”, de Fortaleza.
Abaixo transcrevo a matéria integralmente, alterando apenas a ortografia da
época para a dos dias atuais.
“Entre os
cangaceiros que se encontram na cadeia pública desta capital, presos pela
polícia cearense, depois que o dr. Mozart Catunda Gondim assumiu a direção da
Secretaria da Polícia e Segurança Pública, figura Raimundo Maximiano de Morais,
que conta 28 anos de idade, de cor morena, baixo, natural de Brejo dos Santos.
Gaba-se Raimundo Maximiano de Morais de ter vivido doze anos na espingarda no
meio dos mais temíveis cangaceiros, como José Ignácio, do Barro; Sebastião
Pereira, Lampião, Luiz Padre, Gitirana e muitos outros. Inicialmente disse-nos
Morais que fosse contar toda a sua vida de cangaceiro, levaria muitos dias.
Por isso,
concordou conosco em fazer uma narrativa completa, mas desprezando certos
pormenores que julga sem importância.
Viveu em Brejo
do Cruz até 1914, em companhia de seu pai José Maximiano de Morais, a quem
ajudava numa loja de que o mesmo era proprietário. No fim daquele ano, quando
contava apenas 14 anos de idade, abandonou a casa do seu pai a fim de ganhar a
vida sozinho, passando a trabalhar para Chico Chicote, político influente, que
pouco dias depois convidou-o a tomar parte do assalto armado a Porteiras. Com
extraordinária satisfação, Morais aceitou o convite e seguiu no meio de
numeroso grupo para o ataque àquela vila, que caiu em poder de Chico Chicote.
Durante a luta, Morais portou-se com tal valentia, que passou a ser alvo de
elogios do chefe do bando e dos seus companheiros, o que encheu de orgulho e o
animou a prosseguir na vida do cangaço. Pouco depois dessa façanha, quando se
encontrava no sitio Guaribas, de propriedade de Chico Chicote, tomou, por duas
vezes, parte na defesa daquela propriedade, atacada por forças do governo.
Serenadas as
cousas em Guaribas, foram dispensados os serviços de todos os cabras, tendo
Morais seguido com diversos deles com destino a Brejo dos Santos, onde foram
cercados por uma numerosa força policial, que conseguiu capturar um. Morais
conseguiu não ser apanhado e fugiu para São José de Piranhas, Paraíba, onde,
não sendo conhecido, pôde empregar-se como lavrador no sítio Picadas, de
propriedade do Major Andrade. Passou seis meses trabalhando naquele sítio, mas
tinha saudade da vida do cangaço, e, por isso, voltou a Brejo dos Santos,
sendo, logo após a sua chegada ali, cercado por uma força policial. Graças ao
auxilio que lhe prestou um seu irmão, pôde fugir, indo ter ao sítio Barro, de
propriedade do coronel José Ignácio, homem rico, de Milagres. Durante um ano,
pouco mais ou menos, esteve trabalhando como agricultor naquele sitio, mas, em
certo dia, José Ignácio chamou-o, dando-lhe um rifle e farta munição para, em
companhia de outros “rapazes”, ir fazer um serviço.
Tratava-se
nada mais, nada menos, de liquidar João Flandeiro, inimigo de José Ignácio. O
grupo era chefiado por Sebastião Pereira e, entre outros cangaceiros, contava
Tiburtino Ignácio, Ponto Fino, Deodato, Patrício, João de Genoveva e José
Pedro. Cerca de 5 horas da manhã, o grupo cercou o sítio Pitombeiras, distante
uma légua do Barro, propriedade e residência de João Flandeiro, começando,
então, violento tiroteio, que durou até as 9 horas da manhã, quando a família
do atacado, obteve permissão para sair de casa. João Flandeiro, apesar de
ferido, resistiu ainda 15 minutos de fogo, mas, afinal, abriu a porta para
entregar-se, sendo crivado de balas. Imediatamente, os assaltantes atearam fogo
na propriedade. Terminado o “serviço”, o grupo voltou ao sítio Barro, ficando
José Ignácio muito satisfeito quando soube que o seu inimigo tinha morrido e
que a sua propriedade fora incendiada.
Dois meses
mais tarde, fazendo parte de um grupo de 12 homens, em que figuravam Luiz
Padre, Sebastião Pereira, Mourão, Gitirana, José Dedé, João Dedé, Vicente
Marinho, José Marinho e Cambirimba, dirigiu-se Morais para o Pajeú, em
Pernambuco, onde morava uma filha de José Ignácio. Ali, no povoado Queixadas,
mataram, depois de renhida luta, o Antonio da Imburana, que havia assassinado
Manoel Pereira Dadir, irmão de Sebastião Pereira. Cometido esse crime e sendo
perseguido pela polícia pernambucana, o grupo voltou ara o sitio Barro,
fazendo, em caminho, vários saques.
Depois de
alguns meses de repouso, Morais entrou num grupo de 45 homens, organizado por
José Ignácio e do qual fazia parte Lampião, para atacar o padre Lacerda, Em
Coité. Pelas 9 horas da manhã o numeroso bando, que se encontrava bem armado e
municiado, atacou a vila de Coité, ocupando, no primeiro embate, três casas. A
população ofereceu heroica resistência, que durou de 9 horas da manhã a 6 e
meia da tarde, quando os assaltantes foram obrigados a recuar, indo até a
fazenda do coronel Antonio Cartaxo, em Maurity, o qual, sabendo da aproximação
dos bandoleiros, abandonou a sua propriedade, que foi saqueada e depredada.
De acordo com
as recomendações de José Ignácio, o grupo, ao retirar-se de Coité, deveria
atacar Milagres, mas achando-se essa localidade bem guarnecida. Lampião tentou
atrair a atenção da força policial para fora daquele município, para o que
fingiu a fazenda Queimada, próximo a Maurity. No momento em que efetuava o
assalto a Queimadas, o bando foi surpreendido por uma força de 12 praças, comandada
pelo Sargento Gouveia, que recuou três vezes. No último ataque do sargento
Gouveia, o grupo decidiu retira-se em direção a Conceição de Piancó. Durante a
luta, morreram dois soldados e os cangaceiros perderam “Pitombeira”, ficando
ferido o bandido “Lavandeira”, que foi levado para a casa do velho “Baptista
dos Valões”, tio de Sebastião Pereira e de Luiz Pedro. De Conceição do Piancó,
os bandoleiros dirigiram-se para o povoado Cristóvão, do município de Belmonte,
em Pernambuco, onde foram homiziados por Yoyô Maroto, que lhes forneceu
munição.
Após esses
acontecimentos, voltaram todos ao “Barro”, de José Ignácio, que mostrou a
Morais um telegrama que lhe fora enviado pelo deputado Floro Bartolomeu,
aconselhando-o a abandonar a vida de cangaço, visto como pretendia fazê-lo
prefeito de Milagres, Em virtude deste conselho, José Ignácio resolveu
dispensar o grupo, mandando-o para o Pajeú das Flores.
Os bandoleiros
não quiseram ir para aquela localidade pernambucana, e rumaram a Patos e dali a
Vila Bela, onde se acoitaram no sitio Abóboras, de propriedade do coronel
Marçal Diniz. Numa dessas viagens, o grupo dividiu-se e seis homens
dirigiram-se a Olho D’água, tendo um encontro com a força cearense comandada
pelo capitão José de Santos Carneiro. Os seis cangaceiros perderam as montarias
e refugiaram-se em Patos, onde se encontrava Lampião.
Desse encontro
nasceu o receio de que a força cearense atacasse Patos, razão porque o dr.
Marcolino Diniz, que protegia os bandoleiros, pediu auxílio do coronel José
Pereira, de Princesa, que lhe remeteu mais de 100 homens armados. Enquanto
enviava esse reforço de cabras, o coronel José Pereira foi ao encontro da força
cearense, avistando-se com a mesma nas proximidades de Patos. O coronel José
Pereira procurou convencer ao capitão Carneiro que não havia cangaceiros
naquele município, mas o aludido oficial, com cerca de 80 praças, foi até
Patos, não encontrando, ali, nenhum bandoleiro, pois, de acordo com os planos
do coronel José Pereira, foram escondidos todos os “rapazes”. Foi isso uma
felicidade para a força cearense, porquanto estava combinado se tentasse a
mesma efetuar qualquer prisão seria repelida pelos cangaceiros, em número,
então, superior a 200. No dia imediato, o capitão Carneiro se retirou de Patos.
Lampião, à frente de 30 homens, dirigiu-se para o Pajeú das Flores, não sendo
acompanhado de Morais que, com dois bandoleiros, voltou ao Ceará.
Durante dois
anos, Morais viveu como bodegueiro, mas, vez por outra, realizava, “expedições”
de cangaço por conta própria. Numa dessas “expedições”, chefiou um grupo
composto de Antonio Padeiro, Lavandeira e dos Mateus, com os quais atacou José
Amaro, no município de Aurora, saqueando totalmente a casa deste. Esta façanha
custou-lhe nova perseguição da polícia, o que determinou sua fuga para o Pajeú,
onde encontrou a proteção de Yoyô Maroto. Este, pouco meses depois, recebia
Lampião em sua fazenda, passando Morais a “agir”, juntamente com o temível
chefe bandoleiro.
Retirando-se
Lampião, Morais não o quis seguir, e, com Lavandeira, passou a roubar entre
Cristóvão, Belmonte e Poço dos Paus. Depois de várias peripécias, Morais foi
acusado da morte de Vicente Quilarino, pelo que teve de fugir, vindo para
Gameleiras, no Ceará, onde foi contratado para, em companhia dos Marcelinos, perseguir
Horácio Novaes. Demorou em Gameleira, mas, ali, se viu perseguido por Júlio
Pereira, por não querer trabalhar com ele em furtos de gado. Júlio Pereira, com
diversas homens, atacou-o no dia 12 de maio de 1926, mas não conseguiu matá-lo.
Morais foi
para Olho D’água do Santo, em Brejo dos Santos, onde pediu a proteção do
coronel Joaquim de Lucena, conhecido por Quinca Chicote, prefeito municipal,
que prometeu acoitá-lo, dando-lhe uma casa. Depois de pouco dias, o mesmo
coronel Quina Chicote mandou mata-lo por um grupo de que faziam parre João
Chicote, Antonio e Pedro Granjeiro, Manoel Salgueiro e Ferrugem. Morais
entrincheirou-se em casa e resistiu ao ataque desde 10 horas da noite até 8 e
meia da manhã seguinte, quando recebeu duas balas na perna direita.
Além desses
ferimentos, a sua munição acabou-se, não podendo mais resistir. O primeiro a
entrar em sua casa foi o Manoel Salgueiro, a quem Morais comunicou que estava
ferido. Minutos depois, penetravam na casa mãos trê4s cangaceiros que queriam
matar Morais, que apelou para Salgueiro, mostrando que era covardia assassinar
e homem ferido e sem armas. Manoel Salgueiro ficou ao lado de Morais, não
consentido que lhe tirassem a vida. Ferrugem e os outros insistiram em dar cabo
do ferido, mas Salgueiro botou bala na agulha do rifle e tomou posição,
disposto a defender a vida do homem, que tinha ido matar. Ferrugem e os outros
cangaceiros não quiseram entrar em luta com Salgueiro, retirando-se da casa
resmungando.
Morais foi
levado para Brejo dos Santos, onde, depois da amputação da perna direita, acima
do joelho, foi recolhido à cadeia. Passados alguns meses, Morais foi posto em
liberdade, seguindo para Missão Velha, onde encontrou a proteção de Izaías
Arruda, que lhe deu cama e mesa. Passou a viver tranquilamente em Missão Velha,
mas, ultimamente, quando menos esperava, foi preso e removido para esta
capital.
Terminado a
sua história, Raimundo disse quer fazer um pedido: Tem muitos inimigos na
Paraíba que desejam sua remoção para aquele Estado, a fim de assassiná-lo, e
por esse motivo queria que intercedesse junto ao dr. secretário da Polícia e
Segurança Pública a fim de conservá-lo preso no Ceará, onde tem de responder
por diversos crimes, inclusive a morte de João Fladeiro, em Milagres, a mandado
de José Ignácio, e a morte de dois soldados da Polícia cearense.”
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